Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

As dúvidas das TVs e o poder de um celular

A morte de Saddam Hussein, no sábado (30/12), trouxe um problema para as emissoras de TV americanas: exibir ou não exibir as imagens da violenta execução? O enforcamento do ex-ditador iraquiano é um fato histórico. Mas o quanto dele deveria ser mostrado? Que limite deve impor um editor de uma grande emissora de televisão diante dessas questões?


Nas horas anteriores à execução de Saddam Hussein, as direções das maiores emissoras dos EUA estavam reunidas para decidir como lidariam com as duras imagens que, incontestavelmente, acabariam divulgadas – apesar de até então não haver nenhuma confirmação oficial disso.


As redes ABC e CBS concordavam que imagens mais leves da morte do ex-ditador poderiam ser mostradas em seus noticiários, mas não exibiriam o processo inteiro. A NBC News, por sua vez, indicava que poderia ir além das concorrentes. O presidente Steve Capus afirmava que a emissora poderia, sim, mostrar o derradeiro momento de vida de Saddam Hussein. ‘Eu acho que seria apropriado, em algum ponto, vermos uma imagem de Saddam depois de enforcado. Eu quero fazer isso com um limite, mas eu não quero ficar no caminho da História’, afirmou. Já os canais fechados CNN e Fox News se mostravam menos decididos quanto aos limites que seriam impostos à cobertura da execução, afirmando que esperariam para ver as imagens primeiro.


Apenas uma certeza rondava as emissoras: haveria imagens, mesmo que não oficiais. ‘De alguma forma as imagens vão aparecer’, afirmou Paul Friedman, vice-presidente da CBS News. A aposta dos executivos de mídia era de que, se não em canais de TV, filmagens do momento da morte de Saddam se espalhariam rapidamente pela internet.


Dois ângulos


A previsão foi correta. Houve duas gravações da execução. A primeira, oficial e exibida repetidamente pelas emissoras, mostrava o ex-ditador chegando ao local de sua morte. Saddam, sem capuz, aparenta calma enquanto um de seus carrascos, mascarado, parece explicar os procedimentos. Emissoras noticiaram que o condenado teria gritado ‘Alá é grande’, mas tal cena não foi exibida pela câmera. O que se vê é um lenço colocado no pescoço do homem, depois a corda, e, por fim, a câmera pára de filmar. A segunda gravação, feita com um telefone celular, mostra o momento exato da execução. Esta, granulada e tremida, foi exibida pela emissora do Catar al-Jazira e realmente se espalhou pela internet.


Aos poucos, as emissoras começaram a mostrar imagens do ditador já morto. Segundo a crítica de TV do New York Times, Alessandra Stanley [31/12/06], os canais americanos justificavam a exibição das imagens mais pesadas por ‘razões culturais do povo iraquiano’, que teria ‘necessidade’ de ver a execução. ‘Esta necessidade de mostrar imagens, algumas delas bastante cruas, francamente, deve ser importante’ para o governo iraquiano, afirmou o âncora da CNN Stephen Frazier durante a cobertura da morte do ditador. Enquanto Frazier fazia comentários deste tipo ao repórter Ryan Chilcote, eram exibidas na tela imagens em close do corpo de Saddam. Não satisfeito, Frazier pedia ao repórter que explicasse o que parecia ser ‘um machucado’ no rosto do morto. Para inovar na apresentação, a Fox News colocou lado a lado duas fotos do ex-ditador. A primeira com a legenda ‘Vivo’; a segunda, ‘Morto’.


‘É um ângulo diferente do mesmo evento’, afirmou Bob Murphy, vice-presidente da ABC News, sobre o segundo vídeo. ‘Há muito mais áudio e som ambiente. Eles [os carrascos] estão claramente provocando [Saddam]. Mostra-se um ambiente muito mais hostil do que é exibido no primeiro vídeo. Este vídeo anterior dá a impressão de que foi tudo mais passivo e sereno do que realmente foi.’


O poder do celular


Não se sabe ao certo a fonte do vídeo, mas dele fica uma certeza: o potencial das câmeras de celular como uma nova e poderosa fonte para organizações de notícias, diz Murphy. Neste caso específico, a filmagem indica algo mais: a falta de controle das autoridades sobre as pessoas que puderam assistir ao vivo à execução.


Esta semana, um promotor que estava presente ao enforcamento afirmou que o vídeo foi feito por um funcionário do alto escalão do governo iraquiano. Apesar da revista para entrar no local de execução, disse o promotor, pelo menos duas pessoas conseguiram passar com celulares.


Na quarta-feira (3/1), a Associated Press noticiou que o autor do vídeo, segundo informações de um consultor do primeiro-ministro iraquiano, teria sido detido. O nome da pessoa, entretanto, não foi divulgado. Com informações de Bill Carter [The New York Times, 30/12/06] e David Bauder [AP, 31/12/06].