Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

‘Cala a boca, Bárbara!’

Pensei o título acima não para me referir ao ‘Cala a boca, Galvão!’, tão comentando ultimamente, e sim porque me parece que, no desporto, a mídia brasileira comete equívocos que, inadvertidos ou não, reproduz em outros campos, particularmente no do nacionalismo, da ética e no campo político, sem corrigir depois as previsões não concretizadas.


Um exemplo: quando, meses atrás, os clubes de futebol Barcelona (espanhol) e Manchester United (inglês) tiveram chances de reeditar, em 2010, a final da Champions de 2009, muitos jornais deram como certa a presença das duas equipes no jogo decisivo. Deu no que deu, ambos tropeçaram, e Bayer (alemão) e Inter (italiano) foram à final. Não me recordo de nenhum jornal ter depois corrigido a ‘futurologia’. E assim como o faz no esporte, o faz na política (vide o desconforto da grande mídia alinhada a José Serra com a ‘recente’ liderança de Dilma Rousseff em todas as pesquisas eleitorais).


Ainda mais séria me parece ser a questão dos anacronismos e do nacionalismo relacionados ao desporto. Por ocasião da Copa do Mundo em curso, grassam na mídia os ufanismos nacionalistas que aniquilam a ética. Por exemplo, a agressão do jogador Kaká ao adversário da Costa do Marfim, que valeu ao brasileiro a expulsão. A mídia foi quase unânime (claro, houve exceções importantes, como o Juca Kfouri) em dizer que se tratou de ‘injustiça’, que foi um choque ‘normal’, enquanto que Kaká deu uma cotovelada no peito do adversário, embora ele próprio não o admitisse.


Ora, a imagem era clara, e foi, sim, uma agressão, por mais que dissessem o contrário. Os anacronismos ficam por conta de recordações do passado da nossa seleção. Nessas, sobressaem as ‘glórias’ calcadas em estatísticas. Convenhamos: a História quantitativa, para o futebol, de nada vale para análises de História do Tempo Presente.


Um brinde ao espetáculo


Mais uma vez, por intermédio do futebol, o nosso telejornalismo oferta à sociedade uma retórica nacionalista. A ética cai por terra diante do discurso que forja um imaginário (Cornelius Castoriadis) ‘mais real que o real’ (Daniel Lins) e que, de tão repetido, passa a ser o ‘fato’. Aguardemos o final da Copa (ou da trajetória da seleção brasileira) para outras análises de cunho nacionalista.


Por ora, para apreciar o bom se faz necessário não alinhar-se ao discurso nacionalista da mídia. E convém celebrar o excelente momento do futebol sul-americano na primeira fase e brindar o espetáculo que nos porporcionam os elencos argentino e uruguaio que, cá pra nós, apresentam um futebol esteticamente mais belo que o brasileiro nessa Copa.

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Jornalista, historiador e doutorando em Pós-Colonialismo e Cidadania Global na Universidade de Coimbra, Portugal