Sunday, 05 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Censura ferida, falta sepultá-la

Graças ao deputado Miro Teixeira, o debate em torno da liberdade de expressão mudou de patamar em abril passado, quando ele detonou a Lei de Imprensa no Supremo Tribunal Federal. Era um entulho da ditadura e foi mandada ao lixo, acompanhando um voto do relator do processo, ministro Carlos Ayres Britto.

Infelizmente, a censura esgueirou-se pelos cantos das leis e dos tribunais, edificando um absurdo, segundo o qual a expressão dos brasileiros é livre em todas as ocasiões, salvo durante as campanhas eleitorais, como se essa não fosse a ocasião em que ela é mais necessária.

Miro Teixeira levou ao Supremo a seguinte formulação: todo cidadão ou empresa é responsável pelo que escreve ou publica, nas formas da lei, depois (repetindo, depois) da propagação da notícia, ou da opinião. Isso pode custar dinheiro ou até mesmo a liberdade ao infrator. O contrário é a censura, proibida pela Constituição.

Em menos de dois meses o Judiciário foi acionado tanto pelo PT como pelo PSDB. Um não queria que o outro usasse a imagem de Lula. O outro constrangeu o governo, levando-o a suspender o programa radiofônico do presidente da República. Um jornal mineiro foi multado por ter feito ‘propaganda eleitoral antecipada’ de José Serra. Uma das provas disso estava numa fotografia com faixas do candidato.

Lembrança do general

A excentricidade chegou ao picadeiro quando o TSE, com base numa lei caduca, pretendeu proibir piadas que ‘degradem ou ridicularizem’ candidatos. Era o conflito com os humoristas. Quando alguém se mete em briga com palhaço, pode estar certo: o profissional é o saltimbanco; o palhaço, quem sabe?

Felizmente, num julgamento do Supremo que levou novamente Miro Teixeira à tribuna e o ministro Ayres Britto a uma nova reflexão em torno da liberdade de expressão, a norma foi mandada ao arquivo.

A campanha eleitoral está nos seus últimos dias e o estrago que a censura podia ter feito já se consumou. Nos próximos meses o debate poderá ser retomado. Se a Constituição diz que não há censura e se o Supremo já decidiu que é assim, falta terminar a faxina. Todo mundo defende a liberdade de expressão, salvo quando ela se torna incômoda, ou mesmo abusiva, criminosa. O remédio para as malfeitorias não está na tesoura, mas nas leis que protegem os cidadãos e penalizam aqueles que as violam. A ideia segundo a qual ‘algo deve ser feito’ embute um drible na Constituição. O que deve ser feito está há tempo nas leis, basta aplicá-las.

Durante dez anos, de 1968 a 1978, a imprensa brasileira foi submetida a formas variáveis e seletivas de censura. O principal responsável pelo fim da censura foi um general que, sinceramente, condenava o voto direto para a escolha de governantes, a interferência do Congresso em matéria orçamentária e a liberdade de imprensa. Chamava-se Ernesto Geisel. Tendo governado o país de 1974 a 1979, aprendeu que ela não funcionava, contaminando o governo ao encobrir corruptos.

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Jornalista