Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Comunicação do BC, um poderoso instrumento

Nos últimos 20 anos, assistimos a uma mudança significativa na forma de comunicação de grande parte dos bancos centrais, que passaram a ser mais transparentes em relação às suas estratégias de política monetária e aos seus objetivos. O Federal Reserve (Fed, banco central americano) talvez seja, hoje, uma das autoridades monetárias que mais tem estudado e avançado na questão, uma vez que vem adotando uma forma de política monetária não convencional, o chamado quantitative easing (afrouxamento quantitativo).

Ao contrário dos Estados Unidos, nós adotamos o regime de metas de inflação, cujo objetivo é explícito: um valor numérico para a meta cheia a ser atingido dentro de um intervalo de tempo específico. Um benefício potencial deste regime é que, quando implementado com sucesso, serve para ancorar as expectativas de forma mais direta, diminuindo, assim, a volatilidade das principais variáveis. Tal sucesso, entretanto, depende essencialmente da estratégia de comunicação da autoridade monetária. O anúncio de uma meta de inflação não é suficiente para estabilizar as expectativas. Parte essencial do processo é justamente a maneira de comunicar como a meta será atingida.

Esse tema é de suma relevância para o Brasil nos dias atuais, não só porque estamos assistindo à formação de um novo governo, mas, principalmente, porque o Banco Central do Brasil (BC) não tem independência formal, possui apenas autonomia operacional, a qual precisa ser reafirmada de tempos em tempos pelo presidente da República. Hoje, as expectativas para a inflação de 2011 não estão ancoradas, encontrando-se bem acima de 4,5% (a última pesquisa do BC aponta uma expectativa acima de 5,4%). Estamos no começo do ano e apenas 5% dos analistas consultados nesta pesquisa acreditam no cumprimento do centro da meta.

Informação é parte essencial

O Banco Central trabalha em seus modelos com uma hipótese de política fiscal bastante contracionista – cumprimento da meta de superávit primário de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) sem abatimentos. O Ministério da Fazenda não deixa claro se lançará mão ou não dos abatimentos da ordem de R$ 32 bilhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), fora os restos a pagar deste ano, R$ 57 bilhões, que podem também ser descontados em 2011. Uma vez que a política monetária leva tempo para produzir efeito e o BC só poderá conhecer a verdadeira instância de política fiscal em meados do primeiro semestre de 2011, não estaria colocando em risco a meta de um ano que acaba de começar?

O Banco Central recentemente anunciou medidas de contenção de crédito e aumentou os compulsórios, com um discurso de que tais políticas produzem efeitos comparáveis aos de um aumento da Selic, apesar de não serem substitutas. Em dezembro, o BC disse que não tinha um modelo preciso para medir o impacto de tais medidas, mas necessitava esperar aferir os efeitos dessas iniciativas para reavaliar sua estratégia de política monetária. Será que conseguirá ter tais informações a tempo de cumprir a meta de 2011? Por que o processo de comunicação das estratégias adotadas pelos bancos centrais é tão fundamental?

O principal motivo é que a informação, disponível tanto para as autoridades monetárias tomarem suas decisões, quanto para os agentes econômicos formarem suas expectativas, é imperfeita. Os bancos centrais, ao definirem as taxas de juros, não têm informações completas sobre o atual estado da economia e precisam ainda projetar as variáveis econômicas relevantes para os próximos meses. Tais variáveis dependem, em grande parte, das expectativas dos agentes acerca dessas mesmas variáveis e também acerca da trajetória de juros a ser definida. Como os agentes também não possuem informação perfeita sobre a dinâmica da economia e sobre a função de reação das autoridades monetárias, formam suas expectativas com base na extrapolação dos dados históricos e em suas crenças a respeito do comportamento das mesmas. Dessa forma, as expectativas são essenciais para a estratégia de política econômica a ser adotada, tornando a comunicação fundamental ao próprio processo decisório.

Juro, o instrumento mais eficaz

A comunicação, quando efetiva, provê aos agentes algumas informações importantes sobre como são determinadas as taxas de juros. Tais informações servem para simplificar o processo de projeção das mais diversas variáveis e coordenar as expectativas de forma a diminuir a instabilidade da economia.

O BC tem avançado bastante nos últimos anos para aperfeiçoar a sua comunicação, mas o caminho ainda é longo. Ainda não está claro, por exemplo, se ele preza ou não por sinalizar seus próximos passos. Em março do ano passado, por exemplo, o BC revelou que, apesar de haver consenso quanto à necessidade de subir os juros naquele momento, preferiu não fazê-lo por não ter realizado a comunicação adequada a tempo. Entretanto, ao parar o processo de subida de juros em setembro, afirmou que as mudanças no cenário eram tão importantes que justificavam uma alteração da postura da autoridade monetária sem prévia comunicação. Recentemente, apresentou ao mercado questionamentos sobre a taxa real de juros da economia, sobre a equivalência entre a política fiscal e a monetária, sobre o Produto Interno Bruto (PIB) potencial, entre outros temas. Seria interessante que esse debate tivesse espaço também nos documentos formais do próprio BC, como faz o Chile por exemplo.

Desde o início da implementação do regime de metas, as autoridades monetárias brasileiras vêm ganhando credibilidade com as metas de inflação continuamente atingidas. Hoje, o BC retém o poder de influenciar as expectativas, mas esse poder deve ser reconquistado dia após dia. A ancoragem das expectativas depende não só da reafirmação da autonomia do BC, como também do próprio processo de elevação da taxa básica de juros (Selic). Estamos diante de um problema clássico já muitas vezes estudado na teoria econômica: um maior grau de arbítrio na condução da política monetária pode representar um ganho adicional de produto e de emprego, no curto prazo, mas não garante esse resultado no longo prazo, no qual a única garantia é de uma inflação mais elevada.

Se o BC quiser jogar o ‘jogo da flexibilidade’, mantendo a credibilidade e evitando o risco de chegar a uma inflação de equilíbrio permanentemente mais elevada, terá que cumprir a meta de inflação utilizando o instrumento mais eficaz de que dispõe, o juro.

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Economista do BNY Mellon ARX