Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Controle externo na imprensa?

Era previsível. Aos poucos vai mostrando ao que veio a nova tendência democrática ancorada no Planalto. O controle externo do Judiciário foi fácil. Grande parte da própria imprensa, agora atacada no mesmo ponto nevrálgico, foi a favor. O apoio tornou as coisas mais fáceis para o governo. Mais difícil é a nova investida: instituir um órgão, ou uma lei, ou um conselhão, que discipline a conduta dos jornalistas. Estes detêm o poder da comunicação, têm acesso ao público com a facilidade própria da função e certamente vão conseguir evitar um mal maior.

A Associação dos Magistrados Brasileiros se manifestou contra esse novo beliscão autoritário. Os juízes são sempre contra as arbitrariedades. Em um artigo que escrevi quando a vítima era o Judiciário, publicado neste Observatório [17/2/2004, remissão abaixo] e no sítio Jus Navigandi (http://www1.jus.com.br), afirmei que…

‘(…) Estamos diante de um governo que mete o nariz em tudo porque integra sua linha ideológica à idéia fixa de que está tudo errado apenas porque sua base programática é diversa. Intromete-se na vida dos cidadãos como se fosse dono da verdade e detivesse o insano (sim, insano) poder de compreender tudo e tudo com profundidade’.

Continuo a entender que é isto mesmo. Os governantes avocam o poder dos sábios e iluminados transcendentais, como se lhe lhes inspirasse a sarça ardente que ditou a Moisés os Dez Mandamentos.

Toda proibição traz ínsita um ranço de autoritarismo. É na castração do livre arbítrio dos outros que começa a arbitrariedade das autoridades constituídas.

Falsas transcendências

Aqueles que detêm o poder de vedar condutas ou de impô-las o justificam com a preponderância do interesse público sobre o individual. Mas quando confundem uns e outros, principalmente quando ignoram ou desqualificam direitos privados, o Estado estende seus tentáculos além do que lhe é efetivamente pertinente e começa a implantação do caos. A proibição é irmã do arbítrio e de proibição em proibição se constrói uma ditadura, ainda que vestida de democracia.

A pior das ditaduras é aquela implantada insidiosamente, através de medidas cabotinamente fundamentadas que impõem conceitos, exigências e punições difíceis de revogar depois porque emergentes de aparente legalidade original. O poder é detido pelos poderosos e estes têm um raio de ação bem maior do que nos é dado entender, lutam naturalmente por seus interesses e fazem tudo a seu alcance para nele se manter. Quanto mais se enfraquece o cidadão, mais se fortalece o Estado e por conseqüência os poderosos.

Aí o perigo. Estão nos desarmando e amordaçando. Aos poucos. E estamos felizes. Isto os incentiva a ir em frente, cada vez mais. O próximo passo, se pegar essa infeliz idéia, será podar a internet, que vai ser o único canal de comunicação livre do bedelho estatal.

Já deve haver alquimistas, lá em cima, com olhos lúbricos e ares de mentores infalíveis de falsas transcendências, elucubrando, à luz de velas sobre caveiras, composições amargas para impedir a livre manifestação do pensamento pela forma que estou utilizando agora: pela web.

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Desembargador aposentado