Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Disque Enem para matar

Mais parece filme de suspense. Em poucos dias desenhou-se uma trama complicada: provas do Enem roubadas, a busca de provas para saber se eram de fato provas roubadas, a improvável intenção de vender provas a jornalistas, o provável amadorismo dos criminosos, ou talvez mais provável ainda a sua esperteza em quererem passar por amadores…

Há questões ligadas ao sigilo, como explicou Eugênio Bucci. Há questões profissionais e éticas, como explicou Luiz Weis. Há também suposições de ordem política, conforme Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.

A jornalista Renata Cafardo contou em seu blog detalhes do encontro com os criminosos, a sua consulta ao MEC e a decisão do ministro da Educação, Fernando Haddad, pelo cancelamento do exame que iria se realizar no fim de semana seguinte. Logo depois do episódio, Renata recebeu ameaças anônimas por telefone, conforme reportagem da Rede Globo.

Pontos políticos

E há uma ‘piada pronta’ engatilhada, de péssimo gosto, na notícia de que o dono de uma pizzaria estaria envolvido. Mas em pizza este assunto não poderá acabar, ou o Enem – peça importante na estratégia do MEC para aperfeiçoar o ensino médio e o acesso ao ensino superior – ficará desmoralizado. E com ele, o próprio Ministério.

A quem interessa?

A pergunta que se deve fazer agora, como nos romances policiais, é: ‘A quem interessa esta situação?’

As declarações feitas à rádio Eldorado pelo ex-ministro da Educação, Paulo Renato Souza, que possivelmente deseja recuperar esta pasta se José Serra for eleito presidente, são, pelo menos, desrespeitosas. Paulo Renato parece comemorar, nas entrelinhas, o que ele chama de ‘inexperiência’, mas talvez quisesse falar, sem eufemismos, em ‘incompetência’ da atual gestão do MEC. É evidente a intenção de ganhar pontos políticos no momento em que a disputa eleitoral começa a se intensificar.

Redobrar a segurança

Outras perguntas passam pela cabeça dos leitores com espírito detetivesco:

** Quem quisesse prejudicar politicamente o MEC teria aguardado a hora do exame e, fazendo chegar a qualquer meio de comunicação a notícia do roubo das provas, gerar tumulto muitíssimo maior. Por que não o fez?

** Quem quisesse ganhar dinheiro com o roubo da prova do Enem deveria ter procurado, não um meio de comunicação, mas pessoas físicas que quisessem pagar pelo gabarito. Por que não o fez?

** Quem quisesse, no Estadão ou na Folha, um autêntico furo jornalístico, poderia ter fotografado ou filmado os criminosos, como aliás tem sido prática constante do jornalismo brasileiro. Por que não o fez?

O MEC tem agora várias frentes de batalha. Garantir a adesão das instituições universitárias que estavam apostando no Enem como confiável instrumento de seleção. Preparar o novo exame e aplicá-lo com redobrada segurança. Identificar em que momento do processo houve falha.

Não menos urgente, porém, contando com a Polícia Federal, é descobrir os criminosos. Somente os culpados (e seus cúmplices…) podem completar a ligação.

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Doutor em Educação pela USP e escritor; www.perisse.com.br