Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

“Democracia é isso”

A constatação do título é do pastor-deputado Marco Feliciano (PSC-SP) ao mandar prender na quarta-feira (27/3) um manifestante que protestava num corredor da Câmara dos Deputados contra a sua recusa em deixar a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Teria razão em termos abstratos, teóricos, já que é livre o acesso dos cidadãos aos recintos dos legislativos – em ambientes reservados, em números compatíveis com o espaço previsto e sem demonstrações de violência.

Acontece que a presença do pastor-deputado em tão importante comissão da Câmara configura-se como uma aberração e está gerando uma dinâmica de eventos extremos que precisa ser rapidamente atalhada antes de criar impasses que comprometam efetivamente o processo democrático.

O pastor-deputado atentou contra o princípio pétreo da isonomia ao referir-se de forma insultuosa a negros e homossexuais. Só isso seria o suficiente para desqualificá-lo para exercer qualquer função em qualquer comissão temática do Legislativo. A revelação de que teria usado a quota parlamentar para pagar serviços advocatícios em proveito pessoal, as evidências de nepotismo e conflitos de interesse na contratação dos assessores, o uso de recursos públicos para o seu programa de TV e, sobretudo, o flagrante de intimidação a um fiel forçando-o a doar um cartão de crédito e a respectiva senha colocam Marco Antônio Feliciano na condição de inapto para exercer qualquer mandato político.

Uma caricatura

Com apenas dois anos de vida parlamentar, conseguiu tornar-se o símbolo da depravação que está minando nossas instituições e comprometendo a representação da sociedade. Suas “pequenas” prevaricações seguem o manual utilizado pelos trezentos picaretas denunciados no passado pelo ex-presidente Lula. O vale-tudo imperante no universo dos partidos de aluguel está se transferindo paulatinamente para o Executivo, a lama e o lixo até agora restritos aos porões das redomas da Praça dos Três Poderes infiltraram-se pelos gabinetes da Esplanada dos Ministérios graças à capilaridade do processo de trocar votos por cargos.

Marco Feliciano não é favorecido apenas pelos correligionários evangélicos. A contínua geração de Feliciano é fruto da desastrosa incompreensão em torno do conceito de laicismo. A separação entre Religião e Estado não pretende liquidar as crenças nem promover a descrença.

O secularismo levado a sério evita os “inocentes” desvios que acabam por permitir que parlamentares sejam concessionários de emissoras de radiodifusão e fomentem poderes ilegítimos. Desatentos à letra e ao espírito das leis, acumulamos deformações e impasses que desfiguram a República e comprometem valores permanentes como a defesa dos direitos humanos.

A democracia de Marco Feliciano é uma caricatura de democracia. Não deve nem pode prosperar.