Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Em nossas cabeças

Li com interesse o artigo de Francisco Stefano Wechsler no OI e penso que essa discussão ainda gerará muita polêmica, uma vez que se está mexendo com valores e comportamentos que são caros à maioria das pessoas. Infelizmente, os ateus, e eu me incluo, que somos categorizados como uma minoria ao nos manifestamos a respeito da dicotomia ciência x religião, somos intitulados como pessoas ‘sem coração’, frias, com capacidade de causar distúrbios na ordem moral vigente e, mais perturbador ainda, disseminadores do lado obscuro do ser humano. Grande parte desse discurso está na mídia e é difundido sem uma análise crítica mais consistente, uma vez que o ceticismo, que eu categorizo como uma das prerrogativas dessa profissão, o jornalismo, não é aplicado. Vez por outra as revistas que se denominam de divulgação científica, ao abordarem a tal dicotomia, preferem dar um enfoque determinista e estabelecem que as angustias e sofrimentos humanos só poderão ser respondidos graças ao papel ‘moderador’ da religião.

Com muitos erros de interpretação, os cadernos de ciência dos grandes jornais são multiplicadores das revistas científicas espalhadas pelo mundo e raramente qualquer articulista desses órgãos é capaz de apresentar suas colocações sobre a matéria divulgada, quem sabe até porque lhe falte conteúdo. Os artigos, por questões de economia, acabam sendo repassados de forma resumida, omitindo-se partes importantes das análises dos pesquisadores, como o aprofundamento nas análises estatísticas, relatando apenas entrevistas e um ou outro conceito solto. Em vista disso, esses textos, em sua maioria, são passíveis de serem apresentados fora do contexto, sem muito aprofundamento, pois ‘o povo não ia entender mesmo disso’, o que acaba gerando dúvidas e incertezas na comunidade em geral. Não dá para perceber se isso é proposital, e se o for é de um maquiavelismo contundente. Mas fica a constatação de que essa atitude da mídia apenas amplia o entendimento de que as informações transmitidas às pessoas possuem um caráter duvidoso. O incompreensível na ciência seria apenas mais uma forma de manipulação da vida do cidadão.

A natureza pode ser interpretada sob as seguintes formas: filosófica, religiosa, artística, científica e sob o senso comum. Incrivelmente, quando o programa Globo Repórter (uma das tentativas das corporações jornalísticas e laicas de divulgar ciência) resolve apresentar alguma matéria do ponto de vista científico, o que menos se vê são especialistas debatendo o assunto. E se algum é chamado, normalmente é dado um enfoque filosófico, ou religioso, ou até do senso comum, e que ‘os mistérios da natureza são insondáveis’ e fica-se com a impressão de que as discussões práticas, honestas e objetivas da ciência não fazem parte do cotidiano humano. Para comprovar isso, basta assistir às inúmeras matérias desse programa sob alimentação e saúde, nos quais até curandeiros já foram chamados para divulgar suas bobagens em detrimento de uma mais bem apurada análise do que representam certas ervas dadas como curas definitivas às patologias que nos afligem. Vou usar a frase de Carl Sagan, que ‘se você for acometido de um resfriado pode decidir por duas coisas: realizar uma boa reza, ou tomar um vidro de vitaminas’. O surpreendente é que a maioria das pessoas acabe por se decidir pelas duas atitudes, mas configura importância, ao obter a ‘cura’, apenas, e tão-somente, em suas rezas.

Fico com a constatação de que, com a modernização de nossa vida, os artefatos culturais que utilizam uma pedagogia de divulgação científica também se expandem e assim também começam a surgir os incrédulos, a pôr à prova essas histórias de mitos, batendo de frente com os religiosos que não queriam assumir, ao longo da história da humanidade, suas rentáveis mentiras, e que agora os primeiros problemas para eles surgiram. Enquanto se puderam fabricar falsificações para atestá-las foi possível esconder o engodo. Até que a ciência desafiada e a tecnologia de investigação de objetos e textos antigos começaram a jogar água na alegria dos falsificadores. Ninguém hoje acredita na manifestação religiosa embutida nos épicos de Homero, das lutas entre os homens de Tróia e da Grécia, movidos pela vaidade dos deuses. Mas essas passagens épicas eram, na verdade, uma espécie de Velho Testamento daqueles povos. Foram escritos para evocar a sua religiosidade, muito embora não tenham tido esse caráter. Hoje são encaradas como peças de literatura.

As próprias histórias da Bíblia, concluiu-se, são uma mitologia igual a outra qualquer. Começou-se a perceber que, para o século 21, com a cultura contemporânea, não é mais possível ampará-las no discurso da razão. Reforço sempre a mesma premissa: quem tem raciocínio e pensamento críticos não pode acreditar em lendas e crendices, sob pena de se tornar contraditório, perder a credibilidade e suas palavras irem-se ao vento. Não é só uma questão de se passar a ‘acreditar apenas na ciência’, mas de questionar a metafísica, que, aliás, é muito boa para a literatura e filmes de ficção, mas não tem confirmação na realidade, no cotidiano.

Aliás, a crença em algo é sustentada quando ainda não se tem uma comprovação científica do que isso representa, que leve à formulação do conhecimento sobre essa coisa. Quando buscamos o conhecimento estamos querendo é, na verdade, obter o domínio do futuro. Isso é assim em função de nossos medos. E o medo do futuro, da morte, do desconhecido, é o que move essa procura pela subjetividade, porque, ao constatarmos que os mistérios estão somente em nossas cabeças, através da ciência, perdemos o propósito de nossa existência.

Alexandre Carlos Aguiar, biólogo, Florianópolis

Dois mundos distintos – Francisco Stefano Wechsler



A esquizofrenia explica

A resposta, ou respostas, às questões levantadas no texto de Alexandre Aguiar, tese, hipótese, dúvidas racionais estão nos mecanismos mentais que o autor utilizou para expressar seu ceticismo. Os jornalistas fazem parte de um grupo, e ‘os grupos, assim como os indivíduos, sofrem de doenças mentais, no caso a esquizofrenia’. Não sendo portanto capazes de discernir o grau de doença mental que os atinge.

Sidnei Fontes, bancário, Petrópolis, RJ



Doença não é

Certamente religião não é uma doença. Religião é uma prática humana que não é compartilhada pelos animais. O raciocínio não pode se atribuir só ao homem, pois animais superiores demonstram possuí-lo de forma rudimentar. A religião começou a fazer parte da cultura humana há mais de 100 mil anos certamente, demonstrado pelos rituais para sepultamento dos mortos. Mesmo os nossos primos distantes já extintos, os Neandertais, também possuíam uma cultura ritualista. E muito da trajetória da humanidade foi guiado pela cultura das crenças e seus valores. O fato de pessoas doentes alucinarem com a religião se deve ao fato de que, como são crenças muito difundidas, é mais provável que pessoas usem isto. Outro aspecto é que doentes são pessoas que sofrem, procuram na religião o alívio também. Mas não se pode atribuir a crenças religiosas o atributo de doença.

Muito do nosso conceito de justiça tem esta origem judaico-cristã. Marx, ateu, usa para julgar o capitalismo esta doutrina, distribuindo juízos de valor a torto e a direita. Uma questão relevante é que não existe uma religião – justamente por não terem qualidade científica –, mas milhares delas. Se fosse resultado de inspiração divina deveriam todas dizer a mesma coisa. E apesar de pregarem coisas completamente opostas, alguns ainda nos afirmam que todas são verdadeiras. O que em ciência é impossível. Está é a incompatibilidade, não por ser doença. Assim como é inconveniente ela gerir o estado de múltiplas crenças por uma opinião apenas.

Paulo Bento Bandarra, médico, Porto Alegre

Ilusão do outro mundo – Alexandre Carlos Aguiar



Absolutamente nada

Deus está perto do fim, pois eis que 93% dos cientistas de elite não acreditam na existência Dele (não se sabe a opinião dos cientistas, digamos, pés-rapados). Quando os renitentes 7% restantes deixarem de acreditar, o engenheiro José Colucci Jr. virá, gloriosamente, anunciar a morte de Deus (e dizer que, de agora em diante, devemos prestar reverências ao bioquímico francês Jacques Monod). Pelo menos foi isso que depreendi ao ler o texto ‘Ignorância do outro mundo’, do citado engenheiro. Que ainda nos diz que o Deus comumente aceito já não tem validade nenhuma, pois ‘há razões para acreditar’ (ele não diz quais) que os renitentes 7% descobriram um Deus com outra forma e outros poderes. O filósofo alemão Nietzsche, se não me engano, certa vez decretou a morte de Deus. Mas parece que Ele ressuscitou.

Creio que, por coerência, José Colucci deveria apenas refutar a matéria da IstoÉ, sem se aventurar em pregar a inexistência de Deus, pois isso não pode ser comprovado cientificamente. Creio também que José Colucci confude fé e religião, que não precisam estar necessariamente ligadas. Só para saber: Stephen Hawking é aquele que garante que o mundo vai se acabar em cinco bilhões de anos? Isso é científico ou é puro chute? Como a origem do Universo e da Vida, jamais saberemos disso. E tenho cá para mim uma coisa: o que o mais renomado cientista sabe a respeito do destino do Universo é rigorosamente igual ao que eu sei: absolutamente nada. E não deixa de ser estranho que os cientistas (nem mesmo o Deus-Monod escapava) tenham ‘crença’ na objetividade do Universo.

Rogerio Ferraz Alencar, técnico da Receita Federal, Fortaleza