Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Futebol, preconceito e incivilidade

Por que um comentarista da Globo, ao transmitir um jogo da Copa do Mundo, enxerga que entram em campo uma seleção ‘civilizada’, européia, e outra menos civilizada, africana? Que a África ainda é vista com olhos preconceituosos nós sabemos, embora ainda existam muitas pessoas que persistem em dizer que não há racismo no Brasil. Darcy Ribeiro já nos ensinou que negar o racismo é a melhor forma de deixá-lo impune.


Mas não é necessariamente racismo o assunto que quero evocar. É a indiferença histórica com a África, que começa na omissão da escola, onde não se aprende a história desse continente que praticamente foi estuprado para nos gerar. Aprendemos apenas um pouco de escravidão e ‘libertação’ (já no século 20), ao passo que aprendemos quase tudo da história européia e dos Estados Unidos.


Fenômeno perverso


Não que seja errado aprender a história européia, afinal ela influenciou a do Brasil, mas é inacreditável a maneira como se trata a história da África. Omite-se a trajetória de um continente gigantesco, de milhões de culturas, e que foi um dos berços da cultura brasileira. Esses traços estão até hoje notórios em nosso dia-a-dia. Percebo que isso demonstra que aprendemos a história dos continentes que importam, ou seja, aqueles que têm dinheiro, em detrimento do que nos formou.


Omitir a história da África não causa somente ignorância, mas também alimenta o preconceito de quem acha que a África não passa de uma selva. O desconhecimento de nosso povo-mãe faz com que não entendamos a cultura do outro (nossa também), e assim cultivamos o etnocentrismo em nossa população.


Mas não é só a escola a culpada disso. O outro culpado é a mídia, que ajuda nesse fenômeno perverso quando não faz da África notícia (por exemplo, o maior genocídio do século 21, no Sudão) e que ajuda a distorcer a imagem do continente mostrando meias-verdades (quando só mostra selvas).


Área de exclusão


Outro fato negativo da imprensa em relação à África é a desinformação dos formadores de opinião. Por exemplo, no jogo entre Togo e Suíça, pela Copa do Mundo, transmitido pela Globo, cuja audiência alcança níveis fantásticos, o comentarista esportivo Sérgio Noronha afirmou que era um jogo interessante, pois se tratava de uma partida entre ‘a Suíça, um país civilizado, contra Togo, um menos civilizado’.


Não sei o que esse comentarista entende por ‘civilização’, mas ficou patente, primeiro, o desconhecimento dele em relação à África; segundo, seu caráter preconceituoso e etnocêntrico. Quem é ele para dizer o que é civilizado ou não? O que se aproxima da cultura dele é? O que detém uma grande economia é? Ignorância que o impediu de conhecer a cultura de Togo e o fez externar de maneira absurda seus preconceitos.


Quando algum estrangeiro diz que no Brasil andamos nus e caçamos para almoçar todos se indignam, mas é algo semelhante o que ele fez com os togoleses. A imprensa reconhecidamente tem um papel de grande relevância para a democracia. Portanto, é inadmissível que se permita absurdo como esse, ainda mais na maior rede de televisão do país. Sérgio Noronha poderia muito bem restringir seus comentários duvidosos ao futebol. Poderia criar uma espécie de área de exclusão para suas opiniões, ou seja, comentar apenas o futebol, e deixar povos, nações e culturas à parte.

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Estudante de Ciências Sociais da UFRJ, Rio de Janeiro