Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Homenagem bem-vinda e equivocada

 

O patriarca do nosso jornalismo merece ser lembrado em todas as oportunidades. Os boicotes que vem sofrendo nas mãos dos pósteros justificam o salutar empenho em resgatá-lo dos porões do preconceito.

Mas a bem-intencionada louvação do jornalista Nelson Varón Cadena (OI, 645, “O primeiro editorial e os equívocos de Hipólito”) contém alguns erros e impropriedades que não podem ficar sem reparo.

Ao afirmar que “nenhum dos autores que trataram da obra de Hipólito até hoje prestou atenção nas primas linhas que ele próprio chamou de Introdução”, o exegeta comete senão um tremendo erro pelo menos uma enorme injustiça.

Impossível saber onde descobriu o texto da Introdução, fácil supor que o leu na edição fac-similada da coleção integral do Correio Braziliense produzida pela Imprensa Oficial do Estado de S. Paulo (2001). Nos textos introdutórios do volume I (são 30) há um intitulado “O patrono e seu modelo” que examina detidamente a profissão de fé de Hipólito e detém-se em algumas de suas passagens. Sobretudo as 17 linhas do primeiro parágrafo, que constituem, mesmo para o estudioso contemporâneo, um inovador projeto jornalístico.

 

Pista falsa: apoio a censura

Logo em seguida, o articulista detém-se na expressão utilizada por Hipólito, “censura adequada”, e, a partir dela, sem perceber o que significava a palavra censura no português castiço, elabora uma incrível teoria sobre uma eventual complacência com o sistema censório. Se reparasse que a expressão segue-se a outra, “crítica sã”, perceberia que foi ali colocada como reforço retórico, reiteração.

Hipólito repudiava qualquer controle ou limitação da liberdade de expressão. Seu irônico comentário, ainda em 1808, sobre a tardia autorização da Coroa para o funcionamento de uma tipografia mais de três séculos depois do descobrimento e a publicação da íntegra do clássico panfleto de John Milton, Areopagítica, não deixam margem para duvidar do seu inabalável compromisso liberal e democrático.

É pérfida a hipótese de que poderia admitir uma “censura adequada”.

Esta correção é imperiosa para evitar que a bola de neve das citações acadêmicas (hoje incontrolável) acabe construindo uma lorota histórica semelhante à endossada por Laurentino Gomes no seu best seller 1808 a respeito das negociações de Hipólito com a Coroa para a venda de 500 assinaturas do mensário.

Barbosa Lima Sobrinho há mais de meio século e Isabel Lustosa recentemente esclareceram o assunto – as negociações não se materializaram e mesmo que tivessem chegado a bom termo nada tinham de suspeitas ou impróprias: Hipólito defendia não apenas a ideia do Reino Unido Brasil-Portugal como primeiro passo para a emancipação (com isso contrariando os conservadores portugueses), como defendia o modelo britânico de monarquia parlamentar, o mais avançado na época.

Bem-vindos ao Clube Hipolitano. A entrada é franca, mas convém não tropeçar em conclusões apressadas.