Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Intrigas, boatos e jornalismo de opinião

O Jornal da Globo, na noite de 2/5, prestou um desserviço ao jornalismo brasileiro. Na abertura do noticiário sobre a decisão do governo boliviano de nacionalizar as reservas de hidrocarbonetos (petróleo e gás natural), o que já está sendo chamado de ‘guerra do gás’, o âncora fez a seguinte chamada:

‘O Jornal da Globo apurou que, em particular, desabafando numa roda de ministros, o presidente Lula só conseguia expressar-se com palavrões ao falar do colega boliviano Evo Morales. Mas em público a postura do governo brasileiro frente ao decreto de expropriação assinado pela Bolívia quase equivale a passar a mão na cabeça de Morales’.

Não se pode chamar isso de jornalismo de opinião. Eu até aceitaria que veiculassem a opinião simples da segunda parte da chamada: ‘A postura do governo brasileiro frente ao decreto de expropriação assinado pela Bolívia quase equivale a passar a mão na cabeça de Morales’.

Até aí dá para entender que se trata de uma orientação editorialista, uma posição da empresa jornalística diante dos fatos. Seria, certamente, uma opinião precipitada, visto que o problema é recentíssimo e tramita nos meios técnicos e diplomáticos do governo. No entanto, nos últimos meses, já vimos denúncias mais graves e sem provas serem veiculadas insistentemente.

Não creio que algum ministro tenha confidenciado a qualquer repórter a informação de que o presidente Lula possa ter insultado o presidente Evo Morales com palavrões, conforme denunciou o Jornal da Globo. Menos ainda acredito que o presidente Lula seja capaz de tratar a questão, em reunião com os seus assessores, fazendo uso de palavras de baixo calão, para se referir ao presidente boliviano. O mais provável, neste caso, é que não passa de mais um dos muitos boatos que abundam e medram (e haja medra!) nos últimos tempos.

No dia 3/5, a manchete principal de O Globo foi: ‘Lula reconhece direito de Bolívia nacionalizar o gás’. Porém, no telejornal das oito, o JN, no mesmo dia, editou-se um único discurso do presidente, colocando-se imagens em dois tempos, de forma a parecer tratar-se de pronunciamentos em dias e locais distintos. Assim, tentou-se passar ao telespectador a impressão de que o presidente Lula mudara de opinião: de uma suposta condescendência, passara a hostilizar a atitude de Evo Morales. Fizeram o Homer entender que o presidente Lula, ao dizer que uma nação não pode intervir na soberania de outra, estaria reclamando da decisão boliviana em ‘encampar’ as instalações da Petrobras naquele país. No entanto, por ter sido muito mal-editado, os telespectadores mais atentos podiam perceber que, com isso, Lula apenas reiterava seu respeito às decisões de Evo.

Observe a gravidade da ‘informação’ dada no Jornal da Globo, ontem. Aquela de que o presidente Lula supostamente mandava farpas para cima do presidente boliviano, quando distante dos repórteres. Imagine o embaixador da Bolívia informando ao presidente Evo Morales:

– Excelencia, el presidente Lula insulta a vuestra excelencia cuando se reúne con sus ministros.

– ¿Con qué improperios?

– Según el Jornal da Globo, hijo de p. es lo más cariñoso.

(Diz a sabedoria popular: quem conta um conto aumenta um ponto.)

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Funcionário público, Rio de Janeiro