Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Leitura labial não é
invasão de privacidade

Foi indevido o longo pedido de desculpas da TV Globo ao técnico Carlos Alberto Parreira e interpretado pela apresentadora Fátima Bernardes (Jornal Nacional, segunda, 26/6).


Parreira irritou-se com um quadro da última edição do Fantástico no qual três jovens especialistas decifraram seus comentários durante o jogo contra o Japão, captados por poderosa teleobjetiva e inaudíveis para os comuns mortais.


Leitura labial não é invasão de privacidade. David Beckham foi flagrado pelos fotógrafos quando vomitava durante o jogo contra o Equador. Não poderia alegar que as câmeras quebraram sua intimidade.


Beckham e Parreira estavam num evento público, sujeitos ao escrutínio de câmeras, gravadores ou especialistas em todos os tipos de linguagem – corporal, gestual ou labial.


É compreensível que a direção da TV Globo não queira prejudicar as suas excelentes relações com a Comissão Técnica e a seleção. Está preocupada com os próximos jogos e as próximas exclusivas.


Mas este pedido de desculpas é descabido, mesmo que transmitido com o charme de Fátima Bernardes. Uma cartinha seria mais do que suficiente. Do jeito que saiu, revela uma inadmissível submissão do veiculo à fonte. A Globo precisa de Parreira, mas Parreira precisa da Globo.


 


Folha distribui cartões amarelos


A Folha de S.Paulo‘ começou a apertar a marcação de faltas – aderiu de corpo e alma à observação da mídia. E não apenas na página A 6 do primeiro caderno onde aos domingos, há duas décadas, pontificam os seus ombudsmans.


Na capa e página E-6 da ‘Ilustrada’ de domingo (25/6) está lavrado o compromisso público de que, doravante, os privilegiados leitores da Folha nunca mais verão a cobertura televisiva da Copa do mesmo jeito.


As crônicas de Pedro Bial foram escolhidas para personificar os piores momentos desta cobertura. Não estão sozinhas: lá estão Galvão Bueno, o casal Fátima Bernardes-William Boner, o grupo Oludum e a ‘comunicadora’ Adriane Galisteu.


Não importa a justeza ou injustiça das observações, o que importa é a decisão da Folha de olhar em volta e romper o tal acordo de cavalheiros vigente nos salões do Country Club mediático.


Importa é o exemplo: se a Folha afinal ligou o seu olhar crítico para a mídia significa que a recíproca está automaticamente validada: a mídia está autorizada a ficar de olho na Folha.


Qualquer que seja o vencedor, o dado novo trazido pela Copa da Alemanha é que os jornalistas já não conseguem agüentar o pacto de silêncio acertado pelas empresas. E começaram a comentar o desempenho da mídia já que ela é também protagonista.


Em 1982, os jornalistas que acompanhavam a seleção na Espanha referiam-se aos insistentes repórteres de rádio como ‘latinhas’, era assim que pareciam seus antigos gravadores.


As ‘latinhas’ de hoje, às vezes, parecem latões de lixo.


 


Na guerra, revistas sem garra


Nossos semanários capitularam ao cronograma dos jogos. Abriram mão de comentar, analisar, interpretar – abriram mão de fazer jornalismo. Veja mandou à Alemanha um brilhante e experiente jornalista esportivo, Carlos Maranhão (ex-Placar) mas não lhe concedeu o espaço nem o destaque para mostrar o papel do jornalismo hebdomadário num torneio internacional.


A denúncia sobre a venda por cambistas brasileiros de ingressos na Alemanha com o nome da CBF seria, sem favor, excelente matéria de capa. É mais jornalística, mais responsável e mais palpitante do que a milionésima matéria sobre os poderes da mente que acabou selecionada. Denúncias menos investigadas e mais levianas já foram levadas para a capa da maior revista brasileira de notícias sem qualquer vacilação.


Época mandou uma pequena equipe mas o pessoal da retaguarda preferiu destacar uma matéria evidentemente cozinhada na redação.


IstoÉ ganhou a parada do fim de semana 24-25/6: com a assinatura do veterano Fábio Altman, montou uma avaliação sobre os dilemas estratégicos de Parreira, escrita depois do jogo com o Japão e perfeitamente válida até a véspera do jogo contra Gana.


Badulaques primitivos


‘Será que a imprensa tem futuro?’, perguntou na quinta-feira (22/6), em Nova York, Michael Kinsley, o fundador da revista digital Slate (que comemora, como este Observatório, o seu 10º aniversário na web).


Quem respondeu foi Norman Pearlstine da revista Time: a coisa mais excitante que pode ocorrer no mundo de jornais e revistas é a sua transformação em veículos de opinião.


Opinião significa análise, análise nada tem a ver com o placar de um jogo. Quando uma revista cobre uma guerra não pode preocupar-se com o horário das batalhas. O jornalismo impresso é referencial. Abrir mão dele é entregar-se aos badulaques televisivos ou ao primitivismo da maioria dos portais digitais de notícias.


 


Questões vernáculas


Juninho, Cicinho, Robinho, Ricardinho, Ronaldinho desmontaram o Japão. E, de quebra, liquidaram a milionária e delirante campanha publicitária do Estadão. Foi concebida para valorizar o aumentativo ão-ão-ão e esmagar os desprezíveis inhos. Não contavam com a Copa. Até o Fenômeno, que na fase de peso-pesado chamavam de Ronaldão, foi transformado naquela quinta-feira (22/6 )pelo entusiasmado Galvão-ão-ão Bueno em Ronaldinho


O idioma, ele sim, é uma caixinha de surpresas.