Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mídia perdeu a oportunidade para impor um pacto contra o terror

A abertura do vídeo mostrava o arsenal de armas de que dispõe o PCC para as próximas ofensivas contra a sociedade e o Estado de Direito. A TV Globo não a exibiu, ateve-se à exigência de divulgar o manifesto dos bandidos contra o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), o regime prisional que tanto os incomoda.


Qual a necessidade daquela exibição bélica com as armas de guerra, granadas, cargas de dinamite e coquetéis molotov? Aterrorizar. Para divulgar o seu poder, o PCC – como qualquer outro grupo terrorista – precisa da mídia. O terrorismo é, em si, uma ação propagadora, comunicativa. Mas sem a mídia, por mais espetaculares que sejam as suas ações, limita-se a sua capacidade de aterrorizar.


Depois do preâmbulo intimidador, o vídeo apresentou o manifesto ‘político’. Depois de mostrar os dentes (estragados pelo uso da cocaína), veio o chororó dos bandidos sanguinários que reclamam da desumanidade carcerária enquanto fecham os olhos às barbáries que praticam, inclusive contra os presidiários.


O terrorismo precisa justificar-se, inventar ‘causas’, desfraldar bandeiras, enganar. Comover. Anestesiar qualquer repulsa aos seus métodos insanos com algum tipo de apelo aos bons sentimentos. O bom bandido é aquele que consegue passar por Robin Hood.


Omissos e pusilânimes


A tática do PCC não se distingue das táticas da al-Qaeda e demais grupos terroristas que sonham em converter-se em guerrilheiros políticos e assim garantir um lugar à mesa das negociações. Agarrado a qualquer justificativa de ordem legal, sentimental ou ideológica, qualquer bando sente-se no direito de reclamar uma participação no ‘debate’. De manhã matam, de noite imploram compreensão.


Foi tola, tosca e desonesta a tentativa do governo paulista de evitar a exibição do manifesto sob a alegação de que abriria um grave precedente e estimularia novos seqüestros.


Quem abriu um grave precedente foi justamente o desnorteado governo do estado de São Paulo quando, em maio, na primeira ofensiva do PCC, despachou policiais graduados para conversar com o comando narcoterrorista e seus representantes legais.


A TV Globo agiu responsavelmente ao atender às exigências dos bandidos. Num país sem polícia e diante de governos omissos, pusilânimes, interessados apenas na guerrilha dos palanques, a única instância é o bom senso, a única proteção é a transparência. Com as instituições em frangalhos e o regime fazendo água, só resta a uma empresa jornalística refugiar-se junto ao seu público. E agarrada à verdade.


Coragem cívica


Os bandidos lêem jornais, perceberam as vacilações e discórdias que grassam na esfera pública. Sabem perfeitamente que têm as mãos livres para fazer o que lhes der na veneta até outubro ou novembro. Enquanto não forem acionadas as urnas, sabe o PCC que poderá acionar impunemente os seus gatilhos.


Na segunda-feira (14/8), o ministro Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, finalmente reconheceu – e de forma inequívoca – que o ano eleitoral dificulta o combate ao crime. ‘Não é só questão de dinheiro, é muito mais uma questão de todos trabalharem no mesmo lado.’, disse.


Os meios de comunicação, o Quarto (ou Sexto) Poder, o organismo jornalístico, o sistema midiático ou que nome tenha o conjunto de vozes que fazem a mediação com a sociedade, desperdiçaram uma rara oportunidade para impor uma agenda nacional aos ineptos governantes e políticos. O seqüestro do jornalista e do técnico que o acompanhava, ao invés de revelar a vulnerabilidade da imprensa, poderia servir para mostrar a sua força moral.


Na segunda (14), no Rio de Janeiro, reuniram-se as entidades que congregam jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão. Ao que tudo indica, combinaram procedimentos comuns e sigilosos para enfrentar eventuais repetições de agressões a jornalistas e veículos jornalísticos. Legítimo: preenchiam o vácuo de poder deixado pelas autoridades.


Mas ficaram devendo à sociedade uma cobrança vigorosa contra a exploração eleitoral do flagelo da violência. Só a imprensa tem condições de exigir dos partidos e dos governos um pacto nacional para enfrentar as legiões de criminosos. Só a imprensa tem condições de dar um basta nesta guerrinha suja e antipatriótica desenvolvida à sombra do calendário eleitoral.


Só a imprensa – desde que desinteressada e desprovida de qualquer reivindicação corporativa – tem condição de exigir que os eleitos em 2002 e 2004 comportem-se com um mínimo de coragem cívica para garantir a posse dos eleitos em 2006.


Em tempo


O vigoroso editorial do Globo de terça-feira (15/8), com chamada na primeira página [ver abaixo], deveria ter sido assinado por todas as entidades de mídia e não apenas as empresariais, também as corporativas. Quando governantes e políticos perceberem que a mídia está unida e exige mais compostura, mais coragem e sobretudo mais responsabilidade, acaba a vergonhosa guerrilha eleitoral que está oferecendo ao PCC a cobertura para as suas ações terroristas.


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Sociedade atingida


Editorial, copyright O Globo, 15/8/2006


O seqüestro de dois funcionários da Rede Globo, o repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado, é parte de um processo de deterioração da segurança pública em escala nacional, mas que alcança em São Paulo uma dimensão assustadora.


O estado, desde maio, já enfrentou três ondas de ataques comandadas de dentro de presídios pelo PCC. Foram cometidos mil atentados, com mais de 60 mortes atribuídas à organização criminosa, entre policiais, agentes penitenciários e cidadãos comuns.. A polícia, por sua vez, matou mais de 100 suspeitos, com confrontos na capital, em cidades da região metropolitana de São Paulo e no interior.


Nessa guerra, grupos de bandidos têm praticado atentados no estilo terrorista contra delegacias, postos policiais e viaturas. Na última leva de ataques, a relação de alvos foi ampliada com o lançamento de bombas contra o prédio do Ministério Público. Aqui, o banditismo terrorista estendeu o raio de ação dos ataques contra as instituições. E escolheu para isso o MP, pela resistência que promotores e procuradores fazem a qualquer relaxamento da disciplina nos presídios porventura permitido pelo Poder Judiciário. Antes, a organização criminosa já havia matado um juiz no interior de São Paulo, por causa do rigor adequado com que ele administrava o cumprimento de penas por bandidos desse grupo.


Mas a criminalidade não se choca apenas contra o Estado brasileiro. O seqüestro de Portanova e Alexandre Coelho marca nova escalada do terror. Não se trata mais de uma agressão apenas ao poder público e ao estado de direito. O seqüestro de profissionais da área de comunicação, para impor a veiculação de mensagem de uma organização criminosa, retira de vez a questão do âmbito da criminalidade comum e atinge de frente toda a sociedade. Sequer é um problema exclusivo dos meios de comunicação.


A conversão do banditismo ao terror, com o auxílio de advogados cooptados por quadrilhas, nivela o Brasil a países em que o narcotráfico e a criminalidade em geral ganharam musculatura, passaram a agir com um forte braço armado contra todos: o Estado, empresários, jornalistas, políticos, cidadãos comuns, quem seja. Nesse estágio, o seqüestro para a obtenção de fundos e com fins publicitários é arma usada sem parcimônia.


O deputado do PT gaúcho Paulo Pimenta, relator da CPI do Tráfico de Armas, sugere que o presidente Lula convoque o Conselho da República, do qual também fazem parte o vice-presidente e os responsáveis pelo Poder Legislativo, entre outras autoridades. A proposta do deputado deveria ser analisada com atenção pelo presidente.


A dúvida é se governantes e políticos como um todo estão à altura da grave crise por que passam São Paulo e o país. Pelo debate político que se trava desde a primeira leva de ataques, conclui-se que não estão. Infelizmente para a nação, tucanos, pefelistas e petistas, Lula e Geraldo Alckmin, correligionários de ambos os lados, transformaram a crise em combustível de campanha eleitoral. Nada é discutido a sério, nenhuma medida de caráter estrutural é tomada. A intenção é responsabilizar o adversário – se isso for conseguido, missão cumprida. Não importa se organizações criminosas ficam cada vez mais fortes diante da incapacidade do Executivo federal, de governadores e prefeitos das principais cidades se entenderem em torno de um plano comum de segurança pública.


Já passou, há tempos, a fase de se imaginar que o envio de tropas do Exército a este ou aquele estado seria uma ação efetiva contra bandidos. Não é mais – se é que já foi um dia. É mais fácil acenar com soluções ilusórias – que poderiam servir para acusar o adversário de não aceitar ajuda – do que investir tempo e trabalho na execução de um programa nacional e integrado de luta contra a violência, com todos os estágios operacionais devidos: serviços de inteligência, compartilhamento de informações, prevenção, repressão etc.


O agravamento da crise em São Paulo e a impossibilidade evidente de governos combaterem o banditismo também em várias outras regiões do país – como no Rio de Janeiro, exemplo notório – precisam despertar a atenção dos governantes, e da própria sociedade, para a dimensão dos riscos que se correm. Em outros países, momentos como este serviram para dar sustentação a um amplo acordo entre as forças políticas, independentemente de ideologias, para salvar as instituições e defender o estado de direito. O Brasil apresenta hoje características de uma fase de aguda deterioração social. Um desses sintomas é a infiltração do crime nos poderes da República. Este é o desafio que a nação tem de vencer.


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Ataque à imprensa


Editorial, copyright Folha de S.Paulo, 15/8/2006


O seqüestro neste fim de semana do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da TV Globo, foi um passo temerário nos métodos do crime organizado paulista. O alvo da intimidação não se restringiu aos dois profissionais, tampouco à emissora em que trabalham. Tratou-se de um atentado contra a imprensa, de cuja liberdade depende, em grande medida, a própria democracia.


Quando bandidos arrebatam um jornalista e condicionam a sua libertação à transmissão de uma mensagem pela TV que o emprega, é o direito à informação que está sob ameaça.


Esta Folha se solidariza com a Rede Globo pela decisão difícil que teve de tomar, diante da ameaça covarde contra a vida de seu repórter. Felizmente, Portanova e Calado saíram fisicamente íntegros do episódio.


Esse crime, no entanto, é grave demais – suas implicações, é bom reiterar, transcendem a esfera dos protagonistas imediatos – para que baste a soltura dos reféns. Ou as autoridades reagem de imediato e de modo exemplar, identificando rapidamente os autores e os mandantes do seqüestro, ou o que é por ora um episódio isolado na ação do chamado PCC se tornará o primeiro ato de uma série.


Não podemos tolerar que o Estado mais rico e populoso do Brasil se submeta a coerção fascista comparável à que cartéis da droga e guerrilhas que um dia foram de esquerda chegaram a exercer sobre os meios de comunicação na Colômbia. Só às piores tiranias se compara o poder liberticida de gangues que seqüestram e matam a fim de subjugar o Estado de Direito.


Não há de estar inquieta a facção criminosa paulista necessariamente porque se sinta mais poderosa. O fato de ser levada a aumentar o grau de descaramento de suas ações atesta que os interesses dos líderes da quadrilha estão sendo seriamente contrariados. O fato de vociferar contra o Regime Disciplinar Diferenciado (o que isola chefes criminosos nas penitenciárias) confirma que o dispositivo é mesmo eficaz contra esse tipo de organização e que seu uso deve ser ampliado.


Ocorre que o terror também é filho da impotência. É comum que grupos, ao enveredarem por esse caminho, testem o tempo todo novas formas de espalhar o pânico na população, minimizando custos e riscos. As possibilidades abertas pelos ensaios terroristas do PCC fora dos muros dos presídios, portanto, exigem das autoridades inovações em sua capacidade de resposta.


Não pode ser frágil nem fria a resposta do poder público no momento em que a porta de entrada para a intimidação contra a imprensa foi aberta. É dever da polícia, do Ministério Público, da Justiça e de toda a sociedade afirmar com energia incomum que quem trilhar esse caminho incorrerá em um risco altíssimo. Caso contrário, a apuração e a circulação de informações -um pilar consagrado da democracia- estarão sob risco de seqüestro no Brasil.


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ANJ, ANER e ABERT protestam contra seqüestro


A Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (ABERT) manifestam sua mais profunda preocupação com o chocante episódio do seqüestro do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar-técnico Alexandre Coelho Calado, funcionários da Rede Globo de Televisão.


A escalada do crime no Brasil atinge, desta forma, um nível que deixa perplexa toda a sociedade. O ato covarde, com o objetivo de forçar um veículo de comunicação a divulgar manifesto de criminosos, é demonstração da ousadia e do sentimento de impunidade que domina aqueles que se voltam contra as instituições e os cidadãos.


As entidades acima relacionadas prestam total solidariedade aos profissionais vítimas desse revoltante ato de violência, às suas famílias e à Rede Globo de Televisão. Além de atentar contra a integridade de profissionais de comunicação no exercício de sua atividade, o episódio busca colocar jornalistas e os meios de comunicação como protagonistas da questão do crime no Brasil. A função dos jornalistas e dos meios de comunicação é informar livremente a sociedade e eles não se afastarão, em nenhuma hipótese, dessa missão. Numa sociedade democrática, que felizmente vivenciamos, os meios de comunicação e seus profissionais não são e nunca serão instrumentos a serviço de quem quer que seja, quanto mais daqueles que se colocam à margem da lei.


Todas as entidades representativas dos meios de comunicação no Brasil, examinando o episódio e suas conseqüências, manifestam sua decisão de enfrentar com rigor esta preocupante situação. Por fim, as entidades reafirmam seu compromisso inarredável com a liberdade de informação e exigem das autoridades a defesa da sociedade, vítima constante do descontrole da segurança pública e da incapacidade no combate ao crime. {13/8/2006]


Nelson P. Sirotsky – Presidente da Associação Nacional de Jornais


Jairo Mendes Leal – Presidente da Associação Nacional de Editores de Revistas


José Inácio Gennari Pizani – Presidente da Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão