Tuesday, 30 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O diálogo das empresas com o mundo

Atualmente, é complexo iniciar um estudo sobre qualquer tema que tenha como pano de fundo as mudanças pelas quais o mundo está passando. A vasta literatura sobre o assunto, principalmente no meio acadêmico e na mídia especializada, provoca de imediato um esgotamento de qualquer pretensão de se escrever algo novo. De certa forma, os conceitos básicos são sempre os mesmos. O que diferencia e acrescenta é a linguagem, o formato, a visão que o autor tem do mundo e, principalmente, as novas conexões que ele consegue criar entre as mudanças e o recorte social que lhe parece mais sensível a elas.


Com esse argumento e dentro da limitação deste trabalho, tento justificar a minha opção por não discorrer profundamente sobre a infinidade de mudanças que estão revolucionando a vida social, a vida empresarial, o mercado e as instituições como família, universidades e estado. É fato incontestável que estamos vivendo numa nova era. Numa era em que o único fator que pode adquirir o status de permanente, é a mudança. Na minha percepção, creio tratar-se de uma crença que tende a tornar-se universal, embora no Ocidente as revoluções de idéias e valores sejam vivenciadas e assimiladas de forma acelerada, mais tolerante e participativa.


Até há poucas décadas, o mundo empresarial sobreviveu praticamente isolado dos demais setores da sociedade. Formava um campo à parte, no qual o principal objetivo era o lucro, o crescimento e a satisfação de seus acionistas. Suas políticas e atuação eram norteadas pelo estado (por meio de legislações) e suas táticas, para resultados a curto prazo, estavam voltadas basicamente para vencer a concorrência.


Agente social


E, para isso, não havia muitas preocupações em relação aos meios que utilizavam. Afinal, para os consumidores não interessava a procedência dos produtos ou dos serviços, nem mesmo as condições em que eram fabricados. Bastava que fossem eficientes e que satisfizessem suas necessidades imediatas.


Além do mais, a imprensa também não incomodava muito, pois a sua atuação no âmbito empresarial era quase inexistente. Com exceção de um ou outro escândalo que chegava a vazar, muitos fatos aconteciam e permaneciam por ‘debaixo dos panos’. O que chegava à mídia eram os releases enviados pelas próprias empresas e que muitas vezes eram divulgados sem provocar qualquer interesse em investigação por parte do veículo (jornal, rádio, tv, revista). E o cliente, por sua vez, como mero consumidor, também demonstrava pouco ou nenhum interesse pelo assunto divulgado.


Hoje, porém, esse cliente já não é mais o mesmo. Muito mais informado e consciente de seus valores, de seus direitos e deveres e de seus ideais na busca de um mundo mais igualitário, ele está conquistando o ‘status’ de cidadão e agente social. Mais amadurecido, da passividade ele passa a ocupar o centro das atenções e das estratégias empresariais. Ele sai do conformismo e passa a reivindicar ao estado, às empresas e às instituições ações que vão ao encontro de seus valores.


Descobrindo fraquezas


Isso, sem dúvida, levou as empresas a repensarem a sua missão, a sua visão, os seus valores e, conseqüentemente, a sua forma de atuação. As táticas adotadas, que supriam as necessidades de resultados imediatos, foram relegadas a segundo plano, cedendo espaço para estratégias em busca de resultados mais duradouros, a médio e longo prazos. Para atender a esse novo cliente, as empresas tiveram de sair do isolamento, (re)conhecer profundamente o ambiente no qual estavam inseridas e aprender a dialogar com os diversos públicos dos quais sofriam influências como também influenciavam.


Com muita propriedade, Cremilda Medina, em Entrevista, o diálogo possível, pontuou: ‘Se quisermos trabalhar com a comunicação humana, proponha-se o diálogo’. Hoje, esse diálogo se estende do ambiente local ao global, do territorial ao virtual, passando pelos trabalhadores (o público interno, atualmente reconhecidos como colaboradores ou associados), sindicatos de classe, associações, fornecedores, concorrentes, distribuidores, governo, investidores, acionistas, universidades, Ong’s e por outros públicos que se relacionam.


No exercício desse diálogo, as empresas passaram a reconhecer suas fragilidades, suas deficiências, enfim, olhar para elas mesmas e descobrir suas fraquezas diante desse novo cenário cambiante, no qual não há espaço para zona de conforto. Vulgarmente falando, isso significa o mesmo que ‘colocar o dedo na ferida, pressionar e girar’ para ‘acordar’.


O único caminho


Acordar, abrir bem os olhos, livrar-se dos antolhos e enxergar o mundo que está a sua volta. Quando falo em ‘mundo’, estou falando especialmente de pessoas e de tudo que elas expressam e produzem. Estou falando de pessoas e de todas as nuances da natureza humana. Estou falando de suas necessidades, de seus desejos, de seus anseios, de suas inquietações, de sua cultura, de seus valores, de seu conhecimento e, principalmente, de suas reivindicações.


Penso ser extremamente difícil, senão impossível, uma empresa sobreviver sem sair em busca desse conhecimento. Se partirmos do princípio de que tudo que se produz é voltado direta ou indiretamente para pessoas, é óbvio que elas, no papel de clientes, deverão ocupar o lugar privilegiado no topo da pirâmide hierárquica das empresas, como bem desenhou James C. Hunter em O monge e o executivo.


Embora possa parecer por demais óbvio ou até mesmo irônico, as pessoas falam, percebem, pensam, sentem, ouvem, lêem, reconhecem, fazem conexões com os fatos, se relacionam, assimilam sentidos simbólicos, se expressam de diversas formas, enfim, se comunicam. Ora, se as pessoas se comunicam, é evidente que a comunicação é o único caminho que vai possibilitar o diálogo das empresas com o mundo. É ela, a comunicação, que deverá nortear quaisquer estratégias traçadas pelas organizações.


O negócio principal


No entanto, para que isso funcione a contento, não basta simplesmente saber fazer uso da técnica, das ferramentas e da infinidade de softwares disponíveis no mercado. Embora seja importante o domínio da técnica, as empresas terão de considerar outros fatores de peso no uso da comunicação como elemento estratégico.


Nesse sentido, selecionar profissionais de comunicação qualificados, com visão de mercado, visão sociológica e filosófica, envolver profissionais de diversas áreas das ciências humanas, pautar as ações de comunicação na transparência, na ética e na verdade, valorizar o discurso e as inquietações de cada um de seus públicos e saber ler o mundo com a visão de cada um deles, são atitudes que apontarão o caminho para sinalizar uma estratégia vitoriosa.


Para garantir a sobrevivência, a competitividade e até mesmo liderar o mercado temporariamente, é imprescindível que as empresas reconheçam que a comunicação é o seu principal negócio e é ela que, se utilizada com inteligência e de forma estratégica, vai agregar valor e diferenciar seus produtos e serviços dos produzidos pelos concorrentes. No nível de avanço tecnológico que atingimos, os bens produzidos nunca foram tão semelhantes. As especificações, salvo raras exceções, são basicamente as mesmas. As variações de preços são geralmente inexpressivas.


Novas conexões


Então, que critérios as pessoas utilizarão para escolher os bens de que necessitam? Ora, vivendo num mundo que passa por uma sucessão de crises políticas, desastres ambientais, choques culturais, guerrilhas urbanas (especialmente nos grandes centros) desigualdades econômicas e sociais, violência por causas ideológicas ou gratuita, poucas perspectivas, tudo leva a crer que as pessoas, no papel de ‘clientes’ escolherão aqueles produtos e serviços procedentes de empresas íntegras, com credibilidade, reputação e legitimadas por todos os seus públicos.


E como os clientes poderão perceber e diferenciar essas empresas? É claro que por meio da comunicação, pois é ela que vai formatar a identidade, a imagem e a marca da empresa. Na trajetória de existência das empresas, as imagens e as marcas que sobreviverão e se tornarão memoráveis são aquelas construídas sobre os pilares de valores compartilhados pelos seus diversos públicos. São essas marcas que, certamente, chegarão até a mente e coração das pessoas.


Com essa visão e atuação, as empresas se fortalecem e só têm a ganhar. Em situações de crise, por exemplo, os clientes e todos os stakeholders serão muito mais tolerantes e até mesmo compreensivos. Será muito mais fácil gerenciar uma crise quando uma empresa tem uma imagem sólida e positiva no coração de seus públicos. Quando, ao longo de sua existência, soube construir sua imagem e relacionamentos balizados na ética, na transparência e no respeito às diversidades, sejam elas ideológicas ou culturais. Nesse cenário, surgem, tanto para as empresas quanto para as universidades e para os profissionais de comunicação, novas oportunidades de atuação. São caminhos que se abrem para novas conexões entre as ciências humanas e novas ações relacionais entre as empresas e seus públicos.


Mercado promissor


Para as empresas, surge a oportunidade de rever a sua missão, a sua visão, o seu core-business e adotar estratégias visando neutralizar suas fraquezas internas e ameaças externas, estimular seus pontos fortes e desenvolver inteligência para transformá-los em vantagem competitiva, ou seja, ocupar um lugar na mente e no coração dos clientes. Com a adoção dessas estratégias, além de elas terem seu fluxo de caixa sensibilizado, elas tendem a aumentar de forma significativa o seu capital mais importante: o capital social.


Para as universidades, surge a oportunidade de rever as grades dos cursos de comunicação e incluir disciplinas voltadas para a comunicação empresarial e disciplinas que possam dialogar e transitar entre as áreas mercadológica e social, uma vez que os cursos atuais continuam voltados para as mídias tradicionais e o mercado dessas mídias, há muito tempo, não está conseguindo absorver a maioria dos profissionais recém formados.


E para os profissionais de comunicação, surge a oportunidade de ampliar o seu campo de trabalho, sua visão do mundo e de se inserir num mercado altamente promissor, tanto econômica quanto socialmente: o do mundo empresarial. Isso porque a competitividade desse mercado está, cada vez mais, pautada em ações comunicacionais norteadas por valores que vão ao encontro das necessidades de seus públicos. Principalmente, quando essas necessidades fazem a ponte para a construção de valores considerados universais, como o ideal de um mundo mais justo e mais igualitário economicamente, a preservação do meio ambiente, o respeito às diversidades e à paz mundial.


A um mundo melhor


De um simples nome de setor com atuação limitada e muitas vezes conflitante com outros setores das organizações, a comunicação hoje é o elemento estratégico que está se transformando no core-business das empresas modernas e competitivas.


Inseridas em mercados movidos por acirrada concorrência, as empresas que mais têm se destacado e até mesmo se tornado líderes em seus ramos são aquelas que tomaram novos rumos buscando, acima de tudo, a sustentabilidade, a integridade de imagem e a credibilidade junto aos seus públicos. No mundo atual, os modelos de empresas tradicionais, fechadas, já não dão conta de responder às demandas das inquietações sociais.


Por mais utópico que possa parecer, tudo leva a crer que estamos seguindo rumo a um mundo melhor e que as empresas desempenham um papel relevante nesse novo cenário. Ao descobrirem vantagens competitivas embasadas em valores compartilhados pela sociedade e considerados universais, todos saem vencedores: clientes, empresas, mercado e estado. E isso, de certa forma, serve de alento para nossos filhos, netos e gerações futuras.

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Jornalista, pós-graduanda em Comunicação com o Mercado