Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

O Estado pirata

Para quem não leu os jornais franceses, vale a pena citar dois títulos da terça-feira (1/6), dia seguinte ao ataque pela marinha de Israel à frota humanitária, que transportava remédios e produtos de primeira necessidade para furar o bloqueio de Gaza.

O jornal comunista L´Humanité deu a seguinte manchete da primeira página: ‘Terrorisme d´Etat en haute mer’. No Libération, o título principal era: ‘Israël, Etat pirate’. Os subtítulos de ambos contextualizavam o ataque, condenado e debatido no mundo inteiro.

Para nós, jornalistas, é reconfortante saber que os jornalistas do Libération ainda definem a linha editorial, apesar de o jornal ter entre os acionistas Édouard Rothschild (38% do capital) e Bernard-Henri Lévy, ambos judeus franceses. Apesar de muito criticado pelos intelectuais de esquerda, Lévy assinou em maio deste ano o documento Jcall (European Jewish call for reason) em que judeus franceses de centro-esquerda (mais de centro que de esquerda) pedem negociações de paz urgentes para a criação de um Estado Palestino, para a própria segurança e no interesse de Israel.

O editorial do Libération de 1° de junho, assinado por François Sergent, intitulado ‘Règles’ (Regras) era claro e categórico na condenação da ação brutal do exército israelense que custou a vida de nove militantes pacifistas:

‘Nada pode justificar a operação israelense ao largo de Gaza (em águas internacionais). As explicações do Estado hebreu são patéticas. (…) Em vez de se explicar, ou melhor ainda, de se desculpar, o governo israelense mente. Como pode-se pensar que o exército mais poderoso da região não teve outros meios senão a força bruta e cega para interceptar os navios em águas internacionais? De novo Tel-Aviv se encontra acima das leis e de novo as vítimas são civis.

Israel acusa os militantes turcos de ações ilícitas mas o embargo (bloqueio) de Gaza que a frota queria interromper não é ele mesmo considerado ilegal por toda a comunidade internacional?

Na questão de Gaza, na questão nuclear ou na ocupação da Cisjordânia, o Estado hebreu se recusa a submeter-se às regras do direito, sempre em nome de sua segurança. (…) Se Israel quer pertencer ao concerto das nações, deve respeitar as regras que regem esse concerto. A comunidade internacional deve, se necessário, impor essas regras, inclusive por sanções. Israel não pode continuar a gozar de uma impunidade incentivada pelo Ocidente, sobretudo pelos Estados Unidos, e utilizada pelo mundo árabe.

É necessário que uma investigação independente seja efetuada e Israel aceite as conclusões dessa investigação, contrariamente ao que sucedeu com o relatório Goldstone sobre a guerra em Gaza, recusado por Israel. A segurança do Estado hebreu não passa por um uso maciço de sua força mas por um respeito das obrigações internacionais comuns a todos os países.

Israel deve ser um Estado como os outros’.

Campo oposto

Engana-se quem pensa que essa ação foi um ato impensado dos militares israelenses. O historiador palestino Elias Sanbar, representante da Palestina na Unesco, disse em entrevista ao L´Humanité : ‘É fácil demais dizer que foi um ato de loucura. Isso dispensa uma análise. Trata-se de um ato calculado pelos militares para tornar toda e qualquer negociação impossível’.

A representante palestina em Paris, Hindi Khoury, concorda e acrescenta: ‘O governo israelense quis, com esse ato selvagem, sabotar a retomada das discussões de paz na véspera do encontro do presidente Obama com Netanyahu. Esse governo tenta empurrar a Turquia para o campo oposto, acusado de terrorismo, porque não se conforma com o papel desempenhado pela Turquia recentemente’.

O L´Humanité é uma leitura indispensável.

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