Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O fantasma do paredón

Afinal, o Dossiê Vedoin foi uma ‘trapalhada do PT’ ou armação da ‘imprensa golpista’? Na sua primeira matéria sobre a ‘trama da mídia’, CartaCapital (nº 415, de 18/10/2006) constata na própria capa que ‘a partir da trapalhada do PT, a mídia, em especial a Rede Globo, beneficiou o candidato tucano de forma decisiva’. Sofisma clássico: a mídia conseguiria beneficiar o candidato tucano se antes não tivesse ocorrido a ‘trapalhada do PT’?


Na segunda matéria, esta intitulada ‘Dossiê da Mídia’ (nº 416, de 25/10), o semanário não se preocupa em desfazer o sofisma ou esclarecer a questão. Vai em frente. Tal como os outros dossiês fabricados ultimamente, autores e editores não parecem interessados em coerência, racionalidade, muito menos em clarificar ou completar as confusões anteriores. Tomados por aquele toque delirante e inconfundível cometem uma série de barbaridades e perversidades, inclusive contra este Observatório da Imprensa. A saber:


** Não registram que a gravação da conversa do delegado Edmilson Bruno com os repórteres (que receberam os CDs com as fotos da dinheirama) foi editada (por acidente ou intencionalmente). Não se deram ao trabalho de desfazer uma informação enganosa e incompleta.


** Não reproduzem no corpo da matéria (págs. 26-28) a íntegra do depoimento de Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da Rede Globo, acusado de forma extensa e veemente na matéria anterior. Tudo bem, não havia espaço, coisas da vida.


** Mas aceitaram reproduzir integralmente o mesmo depoimento como matéria paga (págs. 50-51). Significa que os guardiões da correção jornalística só se dispõem a oferecer ao leitor uma informação correta, completa e isenta mediante uma contribuição à caixinha.


** Acontece que essa matéria paga foi publicada sem qualquer indicação explícita de que entrou na edição por vias extrajornalísticas. A obrigação de uma publicação que preza os seus leitores é informar que se trata de publicidade ou, pelo menos de um ‘Informe Publicitário’ (caso haja preferência por eufemismos). A adoção de paginação ou tipologia diferenciadas é insuficiente para caracterizar um anúncio.


Campeã absoluta


Irrelevâncias? Depende do grau de exigência ou do padrão de relativismo adotados pelos novos críticos da mídia. Relevantes e inquestionáveis são algumas questões que o ‘Dossiê da Mídia’ ostensivamente deixou de lado.


A mais importante: muito antes da ‘trapalhada do PT’ que produziu o Dossiê Vedoin, tanto o governo como o comando do PT e a coordenação da campanha eleitoral do presidente Lula juntaram-se num intenso e inédito bombardeio contra a mídia.


Casualidade ou causalidade? Ação tática preventiva ou apenas descuido?


O fenômeno estava visível a olho nu e não apenas para jornalistas-críticos da imprensa. O deputado mineiro Paulo Delgado (fundador do PT, não reeleito) já havia declarado a O Globo (26/9, pág. 5) que o partido não deveria cuspir nas rotativas que tanto o ajudaram no passado. Poderia incluir além de rotativas, os teclados, microfones, gravadores, câmeras e antenas.


Além dos sucessivos comentários deste e de outros observadores a respeito da inusitada cruzada contra a mídia [ver abaixo], na edição televisiva do Observatório da Imprensa em 17/10, um dos convidados, o professor Renato Lessa, chamou a atenção para o perigoso processo de ‘vilanização da imprensa’ (tema retomado pelo ombudsman da Folha, Marcelo Beraba, também participante do programa, na sua coluna de 22/10).


É capciosa e perigosa a utilização do genérico media (mídia) quando não se dispõe de dados precisos sobre o desempenho deste ou aquele medium. A idéia de ‘farinha do mesmo saco’ é preconceituosa, irracional, antidemocrática e demagógica. Sugere intimidação e empastelamentos. Um candidato-presidente deveria evitar estas generalizações. Também o ministro de Relações Institucionais. Não fica bem nos respectivos currículos.


Fica ainda pior na história de um semanário de prestígio como é o caso de CartaCapital, que na corrida para obter um certo protagonismo não se incomoda em fazer o papel de pau-mandado de um governo que tanto o tem ajudado (ver na mesma edição 416, as oito páginas ‘patrocinadas’ pela Petrobras, retranca ‘Diálogos Capitais’, págs.35-45).


Cometeram-se abusos nestes 17 meses da Era do Mensalão. Veja foi a campeã indiscutível. Seguida de perto por IstoÉ Dinheiro quando enrustiu a denúncia da secretária de Marcos Valério e assim atrasou as revelações por algumas semanas. Mas CartaCapital não primou pela assiduidade no acompanhamento deste megaepisódio político.


Opiniões e critérios


Outro dado ostensivamente ignorado nas duas edições do ‘Dossiê da Mídia’ foi o desempenho de outro semanário, IstoÉ. A ‘trapalhada do PT’ só existiu porque houve a ‘trapalhada da IstoÉ‘. O carro-chefe da Editora Três teve um comportamento, no mínimo, imprudente. Omitir o fato gerador da crise num dossiê que se pretende extensivo e conclusivo é, no mínimo, estranho (ver ‘A vilanização da imprensa‘).


As viciosas referências a este Observatório e a este observador demonstram novamente o tamanho do estrago que o ‘estilo Veja‘ de perversidade produziu em nosso jornalismo. Na página 25, referindo-se a Ali Kamel, o redator diz que ele ‘publicou’ o seu depoimento no Observatório da Imprensa. O verbo ‘publicar’ foi utilizado perfidamente para passar uma relação de submissão.


Ali Kamel, assim como outros jornalistas, inclusive de CartaCapital, recorreu ao Observatório da Imprensa para divulgar a sua opinião sobre uma questão eminentemente técnica, profissional no qual estava envolvido. Este Observatório nasceu e se desenvolveu ao longo de uma década justamente para tornar público o debate sobre a imprensa.


Mais adiante (pág. 30), para vingar-se do ceticismo deste observador no tocante à primeira denúncia da revista, a redatora de plantão diz o seguinte: ‘Alberto Dines, que encampa o Observatório da Imprensa, discorda da conclusão… etc., etc.’.


Ninguém encampa o Observatório, ao contrário do que acontece nas sombras de CartaCapital. As matérias dos diversos blogs são publicadas automaticamente pelos respectivos blogueiros, sem qualquer interferência. As matérias mais novas, obviamente, tendem a ser destacadas. Quem decide os destaques é o editor-chefe, Luiz Egypto.


Outros observadores já haviam comentado um dia antes a ‘denúncia’ de CartaCapital (ver ‘O vídeo, divulgado. O áudio, ocultado‘, de 15/10); este observador preferiu ir adiante, fez uma suíte: comentou a capa de CartaCapital junto com a capa de Veja e concluiu que a mídia não poderia ser culpada pelos conflitos dentro da PF (‘A mídia não é culpada pelos conflitos na PF‘, de 17/10).


Escapou aos neocríticos de CartaCapital que a primeira contestação ao sigilo em torno da fonte que forneceu as fotografias da dinheirama foi escrita por este observador no dia do primeiro turno da eleição, 1/10. A contestação foi inequívoca e contrariou opiniões de outros observadores (‘Cinco questões-chave sobre as fotos do dinheiro‘, 1/10/2006).


Ninguém encampa o Observatório, singular combinação de veículo e fórum. Aqui, há lugar para todas as opiniões e critérios.


Há lugar na sociedade brasileira para muitos observatórios e laboratórios de jornalismo. Quanto mais, melhor para a sociedade e melhor para o jornalismo. O que preocupa é o radicalismo, a exclusão. O que preocupa é o fantasma de um paredón.


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Lula defende a imprensa



Comentário para o programa radiofônico do OI, de 24/10/2006


‘Eu sou o que sou por causa da imprensa.’ E o presidente-candidato Lula foi adiante: ‘Eu sou o resultado da liberdade de imprensa’.


O debate organizado pela Record ontem [23/10] à noite foi o melhor dos três. A diferença foi produzida pelas perguntas dos três jornalistas, sobretudo as do jornalista Bob Fernandes, que obrigou o presidente Lula a encerrar a irracionalidade que domina os bastidores da mídia e ameaça transbordar perigosamente para o resto da sociedade.


A mídia apareceu muito nos palanques, mas esteve ausente dos debates. Agora a situação se reverte. As duas afirmações do candidato-presidente em defesa da imprensa vão certamente desarmar o clima de linchamento que estava sendo montado.


Mas o presidente pisou na bola quando lembrou a necessidade de uma comissão para fiscalizar o conteúdo da TV aberta. Seu governo recusou-se a promover uma revisão dos horários da programação televisiva e, pior, esvaziou completamente o Conselho de Comunicação Social.


Lula teve razão ao reclamar contra a concentração da mídia num determinado Estado. Referia-se ao Rio Grande do Sul. A Rede Globo terá que rebolar para dar ao último debate, na próxima sexta-feira, a mesma animação dos blocos finais do debate de ontem à noite na Record. (A.D.)