Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os novos velhos do Restelo

Um artigo que escrevi, intitulado “Superação carioca” e publicado no Globo no dia 29 de março, motivou um longo texto críticodo engenheiro José Paulo Grasso, coordenador do movimento Acorda Rio, colocado no ar neste Observatório em 12 de abril. No artigo, limitado naturalmente pelo espaço disponível no jornal, expressei minha satisfação com a mudança de inflexão na situação do Rio de Janeiro. Afinal, vivi grande parte de meus 41 anos escutando lamúrias sobre a inexorabilidade da decadência da cidade e sinto agora que o Rio vive um bom momento, marcado por excelentes notícias nos campos econômico e social.

Ainda que seja escrito em primeira pessoa e fale de minha experiência pessoal, o texto aparentemente não agradou o engenheiro. Não tive ainda o prazer de conhecê-lo, mas acho que o conheço bem seu tipo. Grasso é um daqueles que vive repetindo o que chamei no artigo de “cantilena pessimista” sobre a cidade. Para estes, nada dá certo, nada deu certo e nada nunca dará certo no Rio.

Apesar do negativismo do autor da crítica, acredito realmente que temos razões para otimismo. Basta ver que, segundo matéria publicada no Globo no dia 17 de abril, 100% dos executivos entrevistados pela PriceWaterhouse acreditam que o Rio de Janeiro irá crescer mais que os demais estados nos próximos anos. Ou descobrir que a consultoria internacional McKinsey incluiu a cidade do Rio numa lista de hot spots globais para 2025, prevendo que o município terá então PIB total de US$ 256 bilhões e per capita de US$ 19 mil. Não menos importante foi a pesquisa Global Metro Monitor, da London School of Economics, que coloca o Rio como uma das dez cidades do mundo que melhor reagiram à crise mundial. Isso sem falar do fato de a cidade ter recebido o status de investment grade das principais classificadoras mundiais de risco.

Voltamos a nos integrar à cadeia produtiva mundial

No artigo, destaquei alguns fatos sociais e econômicos positivos que me chamaram a atenção recentemente. Nenhum deles, como pude ver pela análise do engenheiro, suficiente para convencer os pessimistas inveterados. De qualquer forma, como mencionei no texto, considero extremamente relevante que o estado do Rio tenha se tornado o maior mercado nacional da Nestlé, superando São Paulo.

Também relevante é o fato de a capital ter voltado a atrair empresas gestoras de recursos e corretoras de valores. Aliás, neste caso específico, o argumento do engenheiro para diminuir a importância do movimento de recuperação é quase risível: segundo ele, a volta das empresas só estaria ocorrendo “para suprir nichos de mercado, porque o Rio ainda concentra a maior folha de pagamento de aposentados do Brasil, além das sedes de BNDES, Petrobras, Furnas, Eletrobrás e Vale”. Lembro ao autor que estas mesmas condições se davam nas décadas de 1980 e 90 e nem por isso foram suficientes para impedir a migração maciça do mercado financeiro para São Paulo.

Em sua argumentação contra outro ponto que destaquei, o autor novamente parece desconhecer totalmente a história recente da cidade. Será que ele não se lembra do estado de abandono do Fundão nas décadas de 1980 e 90, apesar de todos os esforços da comunidade acadêmica da UFRJ? A disputa por espaços para investimentos em centros de pesquisa no campus do Fundão – caracterizada, falaciosamente, pelo engenheiro como “hipotética” – seria inimaginável no passado recente e mostra claramente como a inflexão econômica mudou no Rio: voltamos a nos integrar à cadeia produtiva mundial.

Notícias de investimentos

O engenheiro, pelo visto, tampouco gosta de samba e de petróleo. Se comemoro o sucesso do carnaval de rua da cidade neste ano, o autor questiona os números de movimentação da economia durante a festa. Se falo da importância da descoberta do pré-sal, a resposta é de que sua exploração irá gerar um número “ínfimo” de empregos, além de quebrar o governo estadual pela disputa em relação aos royalties. Número ínfimo de empregos? Será que o engenheiro já andou pelo Centro do Rio de Janeiro? Será que ele ainda não teve oportunidade de cruzar com alguns dos milhares de executivos e funcionários de empresas nacionais e multinacionais de exploração, engenharia, tecnologia, perfuração, consultoria, apoio marítimo, aviação, tubos e acessórios, advocacia e demais serviços, que surgiram ou investiram no Rio por conta do petróleo? Será que ele já foi a Macaé ou passou recentemente pela ponte Rio-Niterói, região onde as atividades portuárias e os estaleiros renasceram?

Por fim, o engenheiro me acusa de “arrumar” um taxista que dissesse que o Rio estava caminhando para se tornar uma cidade do primeiro mundo em termos de segurança, caso efetivamente ocorrido com um amigo argentino que desembarcou no Galeão em fevereiro. Deixando de lado a grosseria do comentário, prefiro lembrá-lo das recorrentes notícias sobre a redução consistente de crimes violentos na cidade. Escrevo este texto ainda sob a influência de uma das manchetes da edição do Globo do dia 16 de abril, na qual o jornal registra uma redução de 23,5% nos chamados casos de “letalidade violenta” no mês de fevereiro, o melhor resultado desde 1991. Se o autor não confia nos dados da Secretaria de Segurança, basta apelar para um setor que sofre diretamente os efeitos da violência urbana: o de seguros. A informação do IBGE é de que o preço médio do seguro de automóveis no estado caiu quase 13% em 2010, como resultado da redução do número de roubos e furtos de veículos.

Eu poderia continuar este texto quase indefinidamente listando novidades positivas registradas recentemente no Rio de Janeiro. Como mencionei no artigo publicado no jornal, basta abrir a coluna da jornalista Flávia Oliveira, no Globo, para perceber uma mudança no ambiente econômico e social de nossa cidade e nosso estado. As famosas notas “Bye-bye, Rio”, uma marca da extinta coluna do Swann nas décadas de 80 e 90, foram substituídas, felizmente, por notícias de investimentos, novos negócios, bons resultados e crescimento.

Pessimistas profissionais

Isso não significa que vivamos no paraíso e que tudo, de repente, tenha se transformado no Rio. Ainda convivemos com problemas graves, de difícil solução. A violência, com a marca do tráfico de drogas e da ação das milícias, é uma trágica nódoa em nosso estado. A favelização da cidade e de muitas áreas do interior é uma prova de que, em pleno século 21, nossa sociedade não conseguiu superar problemas do século 19. A desigualdade social, a falta de investimentos nos transportes públicos, a decadência de zonas tradicionais da capital e do interior, a dengue, a baixa qualidade da educação pública, a corrupção na política, entre outras, são questões de uma premência angustiante para qualquer carioca e fluminense.

Apesar de todos esses problemas, que não são novos, não há como não se perceber a mudança de ares no Rio. Há uma inflexão clara e inegável de crescimento, recuperação econômica e melhoria de indicadores sociais. As notícias positivas são diárias. Para alguém que, como eu, viveu a maior parte de sua vida sob a sombra de um processo de decadência que se arrastava por décadas, a sensação é de que se respira melhor no Rio, vive-se aqui ultimamente com mais esperança.

Restam, no entanto, os pessimistas profissionais, que se recusam a reconhecer a mudança dos ventos. Ficam como o Velho do Restelo, personagem de Os Lusíadas, a prever um futuro sombrio e irremediavelmente perdido. Não compartilho desse sentimento e me alegro por isso.

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Jornalista e sócio-diretor da FSB Comunicações