Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Os senhores da guerra e do crime





De helicóptero da polícia alvejado por
bandidos a corpos despejados em carrinhos de supermercado, passando por agentes
da segurança pública que guardam para si o produto de um latrocínio. Nas últimas
semanas, as primeiras páginas dos jornais cariocas estamparam os mais diversos e
chocantes crimes e expuseram a incapacidade do poder púbico em frear a escalada
da violência.

Dias depois do anúncio do Rio de Janeiro como cidade sede
dos Jogos Olímpicos de 2016, os leitores foram obrigados a


confrontar a
dura realidade.Embora as mazelas da Cidade Maravilhosa ganhem destaque nos meios
de comunicação no Brasil e no exterior, a criminalidade não fica restrita ao
Rio. A partir deste cenário, o Observatório da Imprensa exibido ao vivo
na terça-feira (27/10) pela TV Brasil discutiu a relação ente mídia e violência.


Um time de especialistas foi convidado para discutir o tema. Em Brasília, o
deputado federal Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) dividiu a bancada com o
sociólogo Antônio Rangel Bandeira, do Viva Rio. Biscaia foi secretário nacional
de Justiça e de Segurança Pública. Como procurador-geral de Justiça do estado do
Rio, comandou a luta contra o crime organizado e o jogo do bicho. Rangel
Bandeira coordenou a pesquisa ‘Ranking dos estados no controle de armas’, que
acaba de ser publicada.


O convidado no estúdio de São Paulo foi o desembargador Wálter Maierovitch,
que preside o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais,
especializado em criminalidade organizada e terrorismo. No Rio de Janeiro,
participou o jornalista Jorge Antonio Barros, editor-adjunto de Rio de O
Globo
e autor do blog Repórter de Crime.


Antes do debate no estúdio, na coluna ‘A mídia na semana’, Alberto Dines
analisou dois episódios de destaque. O fato de a Folha de S.Paulo
publicar denúncias contra a família Sarney sem ser punida, enquanto O Estado
de S.Paulo
está sob censura há mais de 80 dias foi o primeiro tema da seção.
Em seguida, comentou a polêmica entrevista que o presidente Luís Inácio Lula da
Silva concedeu à Folha, quando afirmou que o papel da mídia é informar e
não fiscalizar.


No editorial que precede o debate no estúdio, Dines questionou se apenas o
Rio de Janeiro tem altos índices de criminalidade ou se este estado é a ‘vitrina
de violência’ do país. O jornalista chamou a atenção para o fato de que a
violência é federal, e não restrita. ‘O estado de Direito está perdendo a guerra
contra o `estado-bandido´ não apenas no Rio, mas também em toda a extensão do
país’, disse.


No início do debate ao vivo, Dines pediu para Antonio Carlos Biscaia analisar
a ‘catástrofe que vem minando a confiança do cidadão brasileiro na força do
estado’. O deputado avalia que a situação é grave e destacou que não é uma
exclusividade do Rio de Janeiro. Para ele, é um equívoco não reconhecer a
gravidade do problema. Autoridades, políticos e instituições que têm
responsabilidade na segurança pública deveriam admitir que o quadro é de extrema
gravidade. Para Biscaia, nos últimos 25 anos houve uma degradação progressiva do
quadro e as alternativas adotadas para solucionar a questão da criminalidade não
foram adequadas.


O desembargador Wálter Maierovitch contou que a notícia do helicóptero da
polícia alvejado por criminosos no Morro dos Macacos o fez consultar a sua
coleção de jornais. Surpreso, constatou que em 2007 a imprensa publicou que uma
empresa de táxi aéreo alterou a rota dos seus helicópteros para fugir das
proximidades daquela comunidade e evitar que as máquinas fossem atingidas por
balas de armas de grosso calibre. Na mesma época, autoridades recomendaram o uso
de helicópteros blindados e anunciaram que seria feita uma concorrência para a
compra dos aparelhos.


Notícia volátil


‘Uma notícia de 2007 já não é lembrada mais em 2009, e volta como se fosse
uma grande novidade’, criticou. Um dos motivos que poderia explicar o grande
destaque que a imprensa de todos os estados dá às notícias de criminalidade no
Rio de Janeiro é que neste estado há ‘organizações pré-mafiosas’ em maior
número. A disputa entre elas pelo controle de pontos de venda de drogas rende
manchetes. Em São Paulo o panorama é diferente, pois há um grupo hegemônico,
conhecido como PCC (Primeiro Comando da Capital).


Falta vontade política para resolver o problema da violência, na opinião de
Antonio Rangel Bandeira. O poder econômico da indústria de armas e munições
inibe a atuação das autoridades. O sociólogo colaborou com a CPI das Armas que,
entre outros estudos, mapeou a forma como os armamentos pesados chegam ao Rio de
Janeiro e como são distribuídos.


‘Entram pela Baía de Guanabara à noite. Todo o mundo sabe disso e nada é
feito. A polícia trabalha de dia na proteção da baía, mas à noite, não’,
afirmou. Outros fatores que interferem no combate ao crime são a falta de
fiscalização das empresas de segurança pública do Rio – uma das maiores fontes
de desvio das armas de fogo –, do transporte das armas e munições e dos pontos
de venda dos produtos. ‘É um queijo suíço cujos buracos são conhecidos’, disse.


A violência do vizinho


É uma tradição da imprensa paulista focalizar a criminalidade do Rio de
Janeiro. Pesquisas apontam que cerca de 40% do noticiário de segurança pública
dos jornais paulistas têm caráter local, enquanto 30% são dedicados ao Rio. Para
Jorge Antônio Barros, o quadro pode ser influenciado por uma vocação mais
opinativa e menos informativa dos meios de comunicação paulistas.


‘Os jornais nacionais [com sede em São Paulo] se impressionaram muito
com a explosão da violência que começou a ocorrer no Rio nos anos 1980 por dois
fatores: a massificação da cocaína nas favelas do Rio e a ausência do Estado
nestas comunidades, e a grande quantidade de armamentos que passou a chegar
nestes locais, muitas vezes levados pelos próprios policiais corruptos’,
disse.


Dines chamou a atenção para o fato de o crime organizado estar diversificado
e perguntou a Antonio Carlos Biscaia se há algum estudo que aponte para
possíveis ramificações no Poder Legislativo. O deputado afirmou que se percebe
com clareza a infiltração desses grupos. ‘O passo seguinte depois da obtenção
dos recursos é a busca do poder’, explicou.


No Rio de Janeiro, em especial, a situação é agravada pela constituição de
‘milícias’, grupos de poder paralelo que atuam em comunidades carentes. No
último pleito, elegeram vereadores e deputados estaduais e chegaram a impedir a
campanha local de candidatos que não negociaram com as facções.


‘O crime organizado só tem uma ideologia: o lucro. A obtenção de vantagens de
todo tipo’, disse Wálter Maierovitch. O desembargador explicou que a regra
básica para enfrentar o crime organizado é atacar a estrutura econômica do
grupo. ‘Isto é do be-a-bá da luta contra o crime’, enfatizou. O mercado de armas
movimenta cerca de 290 bilhões de dólares ao ano. Existem três grandes grupos de
indústrias bélicas no mundo. O primeiro é formado pela Rússia e pelos Estados
Unidos, o segundo pela China e pela França. O Brasil ocupa a terceira posição.
‘Então, as armas que estamos fazendo aqui acabam tendo também como destinatários
o nosso crime organizado. Parece uma grande hipocrisia’, disse
Maierovitch.


O papel do Legislativo


Dines perguntou a Antonio Carlos Biscaia quais ações o Poder Legislativo tem
produzido para diminuir os índices de criminalidade e fiscalizar a indústria de
armas e munições. ‘Lamentavelmente, com todo esse quadro de violência, o que se
percebe é exatamente o movimento contrário do Legislativo Federal. São inúmeras
as iniciativas para liberalizar as armas e flexibilizar o Estatuto do
Desarmamento, que foi um avanço muito grande para coibir esta ilegalidade, esse
emprego crescente de armas de fogo’, disse.


O deputado contou que com freqüência, na Comissão de Segurança Pública,
depara-se com iniciativas da chamada ‘Bancada da Bala’ para atenuar a legislação
sobre armas no Brasil. ‘É uma luta inglória porque a maioria pretende cada vez
mais armar a população brasileira, como se isto significasse algum tipo de
proteção’, criticou.


 


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A violência é federal e a mídia não enxerga


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 526,
exibido em 27/10/2009


Só o Rio é violento? Ou o Rio de Janeiro é a vitrine da violência do
país?


É verdade que os narcoterroristas nunca conseguiram derrubar um helicóptero
da polícia com uma metralhadora anti-aérea, mas também é verdade que o PCC já
parou São Paulo com ordens emitidas de dentro dos presídios. Porém, muito mais
audaciosa do que a derrubada de um aparelho da polícia foi a ação dos bandidos
em Amparo, no interior de São Paulo, que metralharam um carro forte e roubaram
mais de R$ 1 milhão. No Morro dos Macacos, o sucesso dos bandidos foi obra da
casualidade. Em Amparo foi tudo minuciosamente planejado, a metralhadora foi
instalada no banco posterior de um carro do qual foi retirado o parabrisa
traseiro.


Esta competição de audácias regionais só serve para desviar a nossa atenção
para um dado mais importante: nossa violência é federal. O armamento pesado
entra no Brasil pelo Paraguai, Bolívia e Suriname.


Dentro de alguns anos teremos jatos de última geração defendendo nosso espaço
aéreo, mas até lá as nossas polícias continuarão usando coletes a prova de balas
vulneráveis, pesados e antiquados simplesmente porque é proibido importar
equipamentos do exterior quando há similares nacionais, como revelou Miriam
Leitão.


O estado de direito está perdendo a guerra contra o estado-bandido, não
apenas no Rio, mas também em toda a extensão do país. É isso que a mídia
nacional não consegue enxergar, principalmente porque ela é essencialmente
paulistana.

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Jornalista