Saturday, 14 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Para desengessar o telejornal

Há poucos dias, o Jornal Nacional, oráculo do povo brasileiro há quarenta anos, além das notícias, traz a novidade do papo amigo entre William Bonner, Fátima Bernardes e o telespectador que o apresentador mesmo definiu na polêmica reunião com professores de comunicação, em 2005, quando comparou o Homer Simpson ao espectador padrão do noticiário, que adora ficar no sofá comendo rosquinhas e bebendo cerveja. É preguiçoso e tem o raciocínio lento. Depois dos ditos e desditos da polêmica entre o jornalista e o professor que escreveu o artigo ‘De Bonner para Homer‘, reproduzido neste OI, parece que o espectador ganhou disputa.

Durante anos, a postura dos apresentadores do telejornal mais visto no país foi engessada. Tradicional como o noticiário de rádio, era interpretado com inflexões, pausas interpretativas e frases de efeito. Os manuais de telejornalismo recomendam que ‘o locutor converse com o telespectador’ ou ‘é como se a gente abrisse a janela e contasse para o vizinho a novidade do dia’. Outros telejornais já procedem assim. O Jornal da Globo utiliza a fórmula ‘papo de fim de noite’ há alguns anos.

No ‘Jornahoje’, como os dois apresentadores – a excelente dupla Sandra Annenberg e Evaristo Costa – pronunciam, a liberdade na transmissão das notícias é tão grande que se tem a impressão que qualquer hora vão brincar de roda em cima da bancada. Risos, perguntas indiscretas, mais risos e brincadeiras com alguns temas. É a desconstrução total da seriedade que sempre envolveu a linguagem jornalística do rádio e TV, que tinha na postura eclesiástica de Cid Moreira o modelo brasileiro de ler notícias na TV. Justiça seja feita, foi Leda Nagle, no mesmo Jornal Hoje, nos anos 1980, quem ousou romper com o tradicionalismo na leitura de notícias.

Ruptura dos códigos simbólicos

No JN, a estratégia busca resgatar ou manter cativo o espectador que abandona o consumo de notícias reafirmando a tendência contemporânea de fascínio por outras mídias. Mas a falta de hábito ou intimidade dos jornalistas com os arranjos da performance, ornamentos da palavra das relações combinatórias dos textos de ontem com os de hoje provoca saia justa na telinha da Globo. São visíveis e divertidos os constrangimentos ou falta de sintonia no ‘ao vivo’ das últimas edições. São pérolas de ‘falha nossa’ que nunca irão para o Vídeo Show. Foram anos de palavras, gestos, movimentos precisos e sincronizados em segundos e de relação com o sagrado que ganham nova dimensão e perspectiva na produção de conteúdo e credibilidade do informativo.

Volta, aqui, o filósofo russo Mikhail Bakhtin e sua percepção carnavalesca do mundo. Segundo Artur Roman (1993), ‘destila-se da obra de Bakhtin uma profunda crença na solidariedade como condição para o homem realizar-se como sujeito de sua história. Percebe-se a proposta da `abolição de todas as distâncias entre as pessoas´ através da familiarização carnavalesca, efetivada nas relações dialógicas’. Assim, o JN se rende e vai buscar a solidariedade com o espectador, com comentários, gracinhas e pitacos antes só permitido a âncoras como Boris Casoy ou o anárquico Ratinho.

Com as inovações na postura comunicacional, o JN revela nova gramática de informação, gestual e verbal, diminuindo a hierarquia entre emissor e receptor. A ruptura dos códigos simbólicos do jornalismo da Globo, que tinha no noticiário a principal referência, é a tendência de sobrevivência e resgate da audiência. Um produto que renova seu ciclo de vida para manter a atenção. William Bonner já está mais solto, porém Fátima Bernardes precisa acreditar mais na idéia e como editores refletirem sobre os perigos da credibilidade da notícia após quarenta anos de fórmula cristalizada.

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Jornalista, professor universitário e mestrando em Comunicação e Tecnologia, Juiz de Fora, MG