Wednesday, 09 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1308

Pedofilia na igreja e nas manchetes





Desde o início do ano, crimes de pedofilia
envolvendo integrantes da igreja católica tomam as manchetes dos jornais. A cada
dia a imprensa noticia novas denúncias de abuso sexual contra menores cometidos
por religiosos católicos em diversos países. Os crimes não são recentes, mas só
agora ganham repercussão. No Brasil, a situação se repete em diversos estados.
No interior de Alagoas, em Arapiraca, padres são acusados de envolvimento sexual
com coroinhas de sua paróquia.



No centro da crise, está o papa Bento XVI. O líder católico tenta salvar a
imagem da igreja, severamente abalada. Em nome da igreja, o papa pediu desculpas
aos fiéis e, recentemente, prometeu medidas efetivas para evitar novos crimes. O
Vaticano informou que todos os acusados serão entregues à Justiça. Bento XVI é
acusado de negligência na apuração de crimes durante sua gestão como arcebispo
de Munique e como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. O
Observatório da Imprensa exibido ao vivo na terça-feira (27/4) pela TV
Brasil discutiu a cobertura da imprensa nestes episódios.


Participaram do programa os jornalistas Roberto Cabrini, no Rio de Janeiro, e
José Maria Mayrink, em São Paulo. Em Brasília, o convidado foi o presidente da
Comissão Parlamentar de Inquérito da Pedofilia, senador Magno Malta (PR-ES). A
CPI foi criada em 2008 para investigar a utilização da internet na prática de
crimes de pedofilia e atualmente também investiga casos de pedofilia envolvendo
religiosos. A CPI esteve em Arapiraca para acompanhar os desdobramentos das
investigações policiais. Jornalista investigativo, Cabrini é repórter e
apresentador do programa Conexão Repórter, do SBT, que veiculou na TV as
primeiras denúncias dos crimes de Arapiraca. José Maria Mayrink é repórter
especial de O Estado de S. Paulo. Católico e ex-seminarista, estudou
filosofia e teologia. É especializado em religião.


Antes do debate ao vivo, na coluna ‘A mídia na semana’, Alberto Dines
comentou fatos recentes que ganharam destaque no noticiário. O primeiro tema da
seção foi a falta de interesse da mídia brasileira em relação à iniciativa do
juiz da Audiência Nacional da Espanha, Baltasar Garzón, de investigar
desaparecimentos ocorridos durante o regime franquista. Em seguida, Dines
comentou a morte do jornalista Mário de Moraes, aos 81 anos, ocorrida no domingo
(25/04). O último tema foi o aniversário de 119 anos do Jornal do
Brasil.


Crimes em segredo


Em editorial, Dines destacou que a questão da pedofilia tem aspectos
teológicos, morais e criminais e que a igreja inicialmente optou pelo sigilo. ‘A
explosão do noticiário sobre pedofilia não é fruto de uma conspiração contra o
Vaticano, como alegam alguns fanáticos. É fruto de um represamento que se tornou
insustentável’, disse [ver íntegra abaixo].


Antes do debate no estúdio, o programa exibiu uma reportagem sobre os casos
de pedofilia envolvendo integrantes da igreja católica no Brasil e no mundo. A
reportagem mostrou que as denúncias de crimes de abuso sexual contra menores
cometidos por padres em Arapiraca foram veiculadas em primeira mão pelo site
Cada Minuto. O repórter Wadson Correia, responsável pela cobertura, explicou que
a equipe começou a investigar o assunto no ano passado, quando tomou
conhecimento de uma gravação em vídeo que mostrava um padre mantendo relações
sexuais com um coroinha. A comprovação ocorreu quando localizaram o coroinha e o
rapaz exibiu a gravação.


O advogado da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Hugo Sarubbi
Cysneiros de Oliveira, disse que é preciso investigar as denúncias dos crimes
cometidos em Arapiraca porque não apenas o Direito Canônico, mas também o
ordenamento jurídico brasileiro punem esta conduta. A partir das conclusões,
será averiguado se houve ou não omissão por parte da igreja. Cysneiros critica a
associação direta do papa com os crimes cometidos durante sua atuação como
prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Para o advogado, não há prova que
associe Bento XVI a este tipo de conduta.


‘A CNBB entende que, em relação à abordagem, está de fato existindo por parte
da mídia uma valorização extremada não dos fatos em si – que precisam ser
noticiados –, mas de como se dá o posicionamento da igreja em relação a eles.
Não há como negar que o posicionamento da igreja é muito contundente no sentido
de não só condenar, mas de exigir dos responsáveis, da própria igreja e das
autoridades públicas, medidas que combatam este tipo de conduta desviada’,
afirmou.


Uma instituição em crise


Para o jornalista Luiz Paulo Horta, o papa Bento XVI é um grande teólogo, mas
não um administrador. Na avaliação do jornalista, este é um momento muito
difícil para a igreja católica como um todo, não só em relação às acusações de
pedofilia. Há uma substancial perda de fiéis e, antes de se chegar a um ponto de
equilíbrio, a força da igreja diminuirá ainda mais. São necessárias reformas
profundas e dolorosas ‘no sentido de botar os pés no chão de novo’. Horta
criticou a centralização das decisões dentro da estrutura da igreja. ‘Um bispo,
em sua diocese, tem que ter o direito, a capacidade de agir rápido e depois, se
quiser, comunica o fato a Roma’, assinalou.


O correspondente italiano Francesco Colonna ponderou que quando há suspeita
de envolvimento pessoal de Bento XVI, o interesse da mídia é muito maior porque
pode ocasionar uma crise dentro da instituição papal. Para a cientista política
Roseli Fischman, não houve sensacionalismo na cobertura da mídia. A igreja
católica que, segundo ela, historicamente tem uma relação próxima com os meios
de comunicação está ‘estranhando ser colocada na berlinda’ neste momento em que
preferiria a discrição.


No debate ao vivo, Dines perguntou a Roberto Cabrini o porquê de as graves
denúncias de Arapiraca não encontrarem eco no restante da mídia brasileira. O
repórter acredita que este fato pode ser explicado pela força da igreja católica
no Brasil, que teve um papel importante em vários momentos da vida política.
‘Ela tem também um alto poder de censura no país, que não pode ser negado. Esta
censura existe de forma velada e às vezes de forma violenta’, disse Cabrini.


O poder da igreja sobre a mídia


A igreja católica, na avaliação de Cabrini, tem poder sobre a mídia
principalmente no interior do país. Grande parte dos veículos de comunicação no
Nordeste, por exemplo, está nas mãos de políticos. Estes ‘bajulam’ a igreja para
fins eleitorais e, como isso, a igreja ‘consegue com muita facilidade abafar
este caso’. Cabrini contou das numerosas tentativas de divulgar o conteúdo do
vídeo que mostra um padre mantendo relações sexuais com um coroinha, mas não
houve interesse algum na mídia local. ‘Existe uma política do silêncio’, disse.
Documentos e testemunhas apontam que uma cópia do vídeo foi entregue ao bispo
local, mas este afirma que só tomou conhecimento das denúncias por meio do
programa Conexão Repórter.


José Maria Mayrink comentou que reage às notícias como jornalista e como
católico, não separa as duas esferas. A primeira reação do repórter às notícias
foi de dor, assim como tem sido para a igreja católica como um todo. ‘Outro dia
eu escrevi que quanto mais se explica, mais complicada tem ficado esta questão’,
lembrou. Ao mesmo tempo, como jornalista, avalia que todas as informações devem
ser noticiadas. Não se deve tentar escondê-las, sobretudo porque o assunto ainda
não está encerrado. A cada dia, surgem novas denúncias.


A igreja ‘nem sempre foi santa’, mas sobreviveu a todas as crises, lembrou
Mayrink. A diferença para o atual momento está na transparência. Há uma cobrança
pública que chega até o papa, que pela primeira vez está sendo cobrado
diretamente pelos erros da igreja. ‘O problema é que a igreja trabalha em dois
planos. No plano interno, ela mesma ouve os criminosos em confissão, perdoa,
pede a conversão e pune. Ao mesmo tempo, ela tem que dar satisfação à
sociedade’, disse. Mayrink considera que os padres têm dificuldade de entregar
os religiosos pedófilos e sente-se aliviada quando a denúncia parte da polícia
ou do Ministério Público.


O senador Magno Malta contou que quando a CPI foi instalada, poucas pessoas
conheciam o termo pedofilia e a comissão teve êxito em aspectos importantes,
como a quebra de sigilo de usuários da internet. Outro avanço foi a
criminalização da posse de material contendo cenas de pedofilia, o que facilitou
numerosas prisões. O presidente da CPI destacou que as investigações se
concentram nos indivíduos e não na igreja, mas que a instituição tem que
aprender com este episódio. Descoberto o criminoso, ele precisa ser punido e
entregue às autoridades.


***


Silêncio e impunidade


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na
TV nº 543, exibido em 27/4/2010


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


A questão da pedofilia tem aspectos teológicos, morais e criminais. Mas a
pedofilia chega a este Observatório por suas implicações jornalísticas. A
igreja adotou com relação à pedofilia a mesma arma utilizada no passado no
tocante à Inquisição: o sigilo. Os réus do Santo Ofício que escapavam da pena
capital eram obrigados a assinar um termo de segredo, compromisso de jamais
revelar as torturas que sofreram, o sequestro de seus bens e os injustos
procedimentos a que foram submetidos. Este sigilo funcionava no século 16, 17,
18 e mesmo no início do 19. Mas na sociedade moderna, obrigatoriamente aberta e
participante, crimes não podem ser mantidos eternamente sob o manto de
segredo.


A explosão do noticiário sobre pedofilia não é fruto de uma conspiração
contra o Vaticano, como alegam alguns fanáticos. É fruto de um represamento que
se tornou insustentável.


A mídia bem que tentou manter o regime de autocensura nas questões mais
sensíveis da igreja, mas não aguentou: a quantidade e a intensidade das
informações eram grandes demais. As comportas cederam, a avalanche que hoje
assistimos é mera consequência de anos de acumulação de sigilo. Sigilo e
complacência. Complacência e impunidade.


Nada ilustra melhor os malefícios do sigilo como o escabroso caso de
Arapiraca, Alagoas, revelado em meados de março no SBT pelo programa Conexão
Repórter
, de Roberto Cabrini. A grande mídia simplesmente o abafou, apesar
da repercussão na mídia internacional e mesmo depois que a Veja ousou
quebrar o pacto de silêncio.


O Estado brasileiro finge que é secular mas a mídia brasileira não pode
fingir: ou trata todas as confissões de igual forma ou assume-se como protetora
de uma delas.


***


A mídia na semana


** A Espanha está novamente dividida, 71 anos depois da Guerra Civil. E os
motivos desta dramática divisão são justamente os crimes cometidos pelos
partidários do ditador Francisco Franco que o famoso juiz Baltasar Garzón quer
investigar. Magistrados do Tribunal Supremo querem suspender Garzón por abuso do
poder, mas na realidade estão incomodados com as investigações ordenadas por ele
na alta direção do partido de direita, o Partido Popular (PP). A mídia mundial
apoia a ação de Garzón mas a mídia brasileira praticamente ignora o assunto.
Como em 1936, a Espanha ainda é muito longe.


** O presidente Lula veio de Pernambuco para São Paulo num tipo de caminhão
que ficaria conhecido como pau de arara. Mas quem popularizou a expressão foi o
repórter e fotógrafo de O Cruzeiro, Mário de Moraes, numa matéria que
ganhou em 1955 o Prêmio Esso de jornalismo. ‘Os paus de arara, uma tragédia
brasileira’ conta a história dos nordestinos que, de caminhão, fugiam da seca e
da fome para o sul-maravilha. Mário de Moraes quase morreu de tifo na viagem e
tornou-se uma das estrelas da nossa reportagem. Morreu domingo (25/4), aos 84
anos.


** O Jornal do Brasil não é o jornal mais antigo do país: perde para o
Jornal do Commercio do Rio, para o Diário de Pernambuco e O
Estado de S. Paulo
. Mas, ao festejar os seus 119 anos, o Jornal do
Brasil
fundado por Rodolfo Dantas e, em seguida, dirigido por Rui Barbosa
exibe a sua inquebrantável disposição de sobreviver em meio ao haraquiri
coletivo da mídia impressa.

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Jornalista