Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Poder público ameaça a publicidade?

O publicitário Marcello Serpa fez, no encerramento da 22ª Semana Internacional da Criação Publicitária, em São Paulo, firme defesa da propaganda brasileira contra o que chamou de ‘ameaças’, entre elas, do poder público.

Falava especificamente das crescentes restrições, por parte do governo, à propaganda. ‘A proibição da propaganda de cerveja é só a ponta do iceberg’, disse, para alertar que poderá vir muito mais pela frente.

O diretor de criação da AlmapBBDO e presidente do CCSP (Clube de Criação de São Paulo) nota hipocrisia no discurso das autoridades: ‘Nesses anos, eu nunca passei por um teste de bafômetro no Brasil’. Mas, no exterior, segundo Serpa, já foi parado várias vezes para fazer o teste. Lembrou também de que, lá fora, a restrição à venda de bebidas alcoólicas para menores de idade é para valer, diferentemente de no Brasil: ‘Aqui não tem’.

Para o publicitário, anunciar cerveja e até cigarro é um direito legítimo: ‘Se é permitido vender, é permitido anunciar’. Ele ironizou o raciocínio dos que defendem restrições, dizendo que, se for levado em frente, também ‘os [comerciais de] biscoitos vão ser proibidos, porque [os biscoitos] têm gordura trans’. Serpa afirmou que, no Brasil, vai se ‘cerceando a liberdade, como se a pessoa não pudesse saber o que é melhor para ela’.

O criativo vê, no desejo de proibir propaganda, motivação político-eleitoral, a fim de fortalecer candidaturas. Citou especificamente o caso da proibição da propaganda de cigarros nos meios de comunicação e em eventos esportivos e culturais, estabelecida, em 2000, pelo então ministro da Saúde, José Serra, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Impacto negativo

Serpa acredita que proibir propaganda de produtos ameace a ‘independência da mídia’, pela conseqüente ‘dependência das verbas estatais’. Sem os milhões de reais dos anunciantes privados, jornais, revistas, rádios, tevês e portais teriam os governos como financiador primordial de conteúdo.

O publicitário também lançou outro questionamento: ‘Quem vai definir o custo da mídia no Brasil?’. Referia-se ao papel das agências de propaganda de comprar os espaços publicitários na mídia, que vê sob ameaça, também. ‘O Brasil é o único país, com exceção do Japão, onde há compra de mídia pelas agências’, explicou.

Nos outros países, lembrou Serpa, foram surgindo fundos de investimento que substituíram as agências nessa tarefa, com forte poder de barganhar e achatar valores. Foram esses fundos que começaram, então, a definir o custo da veiculação dos anúncios.

Para Serpa, se esse papel de comprador for tirado das agências de propaganda no Brasil, elas vão perder relevância e se transformar em meras fornecedoras de comerciais de trinta segundos, e não mais de estratégia para os clientes. O publicitário recordou também que a cultura nacional poderá sofrer impacto negativo, com a ‘dificuldade de criar bom conteúdo, por falta de dinheiro’.

Argentina

O diretor de criação da AlmapBBDO também relativizou a onda de criatividade tão falada da propaganda na Argentina. Para ele, o que vem acontecendo no mercado argentino é, na verdade, muito perigoso. É que grandes anunciantes, como a Coca-Cola, ‘criaram um mecanismo muito perverso’.

Serpa explicou: ‘A Coca-Cola chega e passa o briefing [o pedido de criação] para quatro agências brigarem pela concorrência’. Isto é, quatro agências criam e produzem, sem a garantia de pegar o trabalho e receber por ele, quatro comerciais diferentes e, depois, a Coca-Cola escolhe o de que gostou mais.

O argumento utilizado pela multinacional é o de que vai dar a chance a novos criativos de mostrarem seu trabalho para o mundo, embora pagando pouquíssimo. ‘[A Coca-Cola] Baixa o preço e tem um trabalho criativo brilhante’, explica. Serpa citou conversa que teve com o presidente da BBDO da Argentina, Carlos Perez, quando perguntou: ‘Então a Argentina é a China da criatividade? Você vai lá e compra o mais barato?’. Para o publicitário brasileiro, ‘se isso se espalha, o mercado entra em colapso’.

Serpa afirmou também que os criadores, hoje, precisam se posicionar como ‘contadores de histórias das marcas’, não mais como criadores de comerciais ou de anúncios. Isso se deve a um processo crescente de semelhança entre produtos e serviços, com a comunicação como diferenciador às vezes único. ‘A fantasia e a mística de cada marca vão fazer a diferença’, opina.

O publicitário acredita, também, que ‘a idéia ficou pequena’, porque é muito mais importante, hoje, o insight, isto é, encontrar o conceito que vai dar um caminho maior para a marca. ‘Em cima do insight se constroem diversas idéias. A idéia é o vagão; o insight, a locomotiva.’

O criativo não poupou de críticas algumas práticas atuais do mercado, como a de fazer de tudo para esconder que uma propaganda seja uma propaganda, em nome de se produzir conteúdo. Serpa pediu que se faça propaganda ‘com coragem, sem vergonha’ e defendeu o molde tradicional de anúncio: ‘Propaganda, para mim, tem que aparecer plim-plim, isso é propaganda. Mas virou moda comprar a consciência do consumidor’.

O diretor de arte mais premiado da história da propaganda brasileira também atacou o ‘jornalismo de aluguel’, isto é, a propaganda disfarçada de noticiário, tão disseminada em todos os meios de comunicação, e previu ainda o fim do filme viral de internet, exatamente por fazer propaganda disfarçada de conteúdo. ‘Na primeira e na segunda vez, tudo bem; mas, na terceira, não funciona mais. Cuidado com o limite da ética, em se esconder. Isso vai acabar’.

Com pertinência ou não?

Serpa vê dois caminhos no conteúdo da propaganda atual: um, relacionado diretamente com a pertinência entre produto e mensagem publicitária, com os dois intimamente ligados; outro, com a absoluta dissociação entre mensagem e produto.

Do primeiro caso, citou campanha para o desodorante Axe Dark Temptation, com a assinatura ‘Tão irresistível quanto chocolate’. O filme mostra a personagem como se fosse de chocolate, atraindo o apetite de um número sem fim de mulheres. Do segundo caso, exibiu o filme ‘Gorilla’, para o chocolate Cadbury´s Dairy Milk, cujo ator é um gorila que toca bateria como o Phil Collins, na música ‘In the Air Tonight’. Serpa elogiou o filme, mas lembrou que a assinatura dele poderia ser a de qualquer outra marca, não necessariamente a de um chocolate.

O publicitário também cobrou, da propaganda brasileira, um conteúdo mais próximo ao de nossa realidade: ‘São muitos comerciais para a Vila Madalena [bairro da cidade de São Paulo freqüentado por universitários e intelectuais] e pouquíssimos para Caruaru’.

Respondendo a pergunta da platéia, essencialmente formada por estudantes, Serpa entusiasmou: ‘Vocês vivem um dos melhores momentos. Têm muito mais oportunidades e áreas para trabalhar do que eu tive. Vocês têm é medo de fazer a escolha certa, entre tantas oportunidades’. Citou especificamente a Internet e a promoção como áreas que estão à procura de bons profissionais.

O publicitário encerrou sua apresentação pedindo ‘esperteza’ aos estudantes e profissionais presentes: que não se prendessem ao que ‘já teve brilho um dia’. Uma marca, muitas vezes, nem precisa mais de um comercial de trinta segundos na tevê.

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Jornalista