Friday, 26 de July de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1298

Proibição não protege intimidade, mas o bolso

Pergunta da hora: vocês são contra ou a favor que jornalistas, historiadores, professores, entre outros, escrevam sobre a vida e a história de personagens públicos? Escrever sobre a vida e a obra de músicos, atores, artistas e políticos é crime? É o que, finalmente, o Supremo Tribunal Federal vai decidir, nesta quarta-feira, depois de 13 anos de proibições, retiradas de livros da livraria, e outros absurdos. A relatora do processo é a ministra Carmem Lúcia, mineira de Montes Claros.

Uma mentira geral permea todo o processo: o que está em jogo não é a tal intimidade, à qual os personagens contrários à liberdade de expressão clamam. O que está em jogo, de verdade, é grana. É dinheiro, usado de forma mais vil e injusta. Afinal, o artista, o político, usuários da fama, tem a vida pública. Quem entra nesta jogo sabe que não vai ter privacidade, nunca. O que está em jogo é quanto eles vão receber para que se falem dele. O que está em jogo é quanto os herdeiros vão receber para que se conte a história do parente morto. É só grana. Nada mais.

Do lado de cá do balcão, pesquisadores, historiadores e jornalistas tentam desvendar a obra do personagem contando a história da sua vida. E isso é a coisa mais comum da face da terra! Em todo o planeta, livros são escritos, filmes são produzidos, musicais peças de teatro são encenadas, inspiradas nas vidas, destes personagens que são parte da história cultural ou política destes países. Acontece que, quando o Novo Código Civil entrou em vigor, há 13 anos atrás, advogados espertinhos começaram a fuçar e encontraram o tal Artigo 20, que determina que autores e editores sejam obrigados a pedir autorização prévia para falar ou escrever sobre o biografado. Isso é o outro nome de censura. E a forca da grana, de novo, que ergue, etc. etc.

Em qualquer país sério, vale a liberdade de expressão, ou seja, quem quiser, escreva, filme, grave o que quiser, sobre quem quiser. Se a pessoa se sentir atingida, ultrajada, ou ferida em seus brios, entre na Justiça e brigue por seus direitos. O que acontece hoje é que a história de Guimarães Rosa não pode ser contada; nem a de Chico Buarque, para citar um vivo. E contar a história destes personagens públicos é contar a história do Brasil. Portanto, olho vivo na audiência de amanhã, no STF. E eu consegui! Falei tudo que eu queria sem citar o nome do cantor capixaba que mandou recolher uma edição inteira de livros das livrarias. Entendam, queridos ouvintes: na Idade Média, eles foram queimados. Hoje, é pior: eles nem serão escritos, para serem queimados.

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Afonso Borges é escritor, produtor cultural e empresário