Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Publicidade alertará sobre riscos de alimentos

Leia abaixo a seleção de segunda-feira para a seção Entre Aspas.


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Folha de S. Paulo


Segunda-feira, 7 de julho de 2008


 


PUBLICIDADE
Cláudia Collucci


Propaganda de alimento alertará para risco de doença


‘‘Esse alimento contém elevada quantidade de gordura saturada/trans. O consumo excessivo aumenta o risco de desenvolver doenças do coração.’


A partir do próximo ano, esse aviso-que também alerta para os perigos do sal e do açúcar- vai estampar as propagandas de sorvetes e tortas, entre outros alimentos industrializados. Estuda-se também criar uma tarja preta -como de remédios- para identificar alimentos perigosos à saúde.


As propostas fazem parte de uma resolução que está sendo elaborada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que vai restringir a publicidade de alimentos com quantidades de açúcar, gorduras saturada e trans e sódio elevadas.


As restrições devem ser ainda mais duras em relação às propagandas destinadas às crianças. Há uma proposta de limitar o horário de veiculação no rádio e na TV e outra que proíbe que as propagandas usem personagens infantis.


A consulta pública sobre o tema -que reuniu 676 sugestões- será publicada nesta semana. Depois, o texto passará por uma audiência pública, e a previsão é que as novas normas passem a valer em 2009.


Segundo Maria José Delgado, gerente de monitoramento e fiscalização de propaganda da Anvisa, uma das questões que ainda precisa ser definida é o limite seguro do consumo dessas substâncias (ponto de corte). ‘Quantas bolachas eu posso comer por dia sem que isso represente um risco à saúde?’


Delgado defende que a mudança na legislação seja um passo fundamental para reverter crescentes índices de obesidade e sobrepeso no país. Só entre os jovens, a obesidade já atingiu a marca de 6 milhões.


Hoje, a comunidade científica não tem dúvida de que o tipo de alimentação veiculada na publicidade é fator de risco para doenças como hipertensão.


Dados do IBGE mostram que em 30 anos houve um aumento de 4% para 18% no número de crianças e adolescentes do sexo masculino acima do peso. O crescimento entre as meninas foi de 7,5% para 15,5% no mesmo período. Ao mesmo tempo, doenças como diabetes, obesidade e infarto são responsáveis por quase 50% das mortes no Brasil e representam atualmente 69% dos gastos do SUS, segundo o Ministério da Saúde.


‘Existem indústrias que não fazem publicidade de alimentos que causam obesidade em outros países [porque são proibidas], e o fazem aqui. Será que nossas crianças são diferentes das demais?’, questiona José Augusto Taddei, professor de nutrologia infantil da Universidade Federal de São Paulo.


De 73 países estudados pela Organização Mundial da Saúde, 85% regulamentam a publicidade (veja quadro).


Taddei afirma que as crianças não conseguem separar o personagem do desenho daquele mesmo que aparece na propaganda de alimentos.


A pedagoga Daniele Novelini de Ávila, 28, conta que os personagens influenciam na escolha dos alimentos preferidos da filha Fernanda, 7. ‘Tenho muito cuidado na hora de comprar, mas não dá para escapar do bolinho da Mônica ou do iogurte do Bob Esponja. É muito grande a influência dessas propagandas sobre as crianças’, diz.’


 


 


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Governo quer tutelar pessoas, diz publicitário


‘Um desejo do governo de tutelar a vida das pessoas. É como o publicitário Dalton Pastore, presidente da Abap (Associação Brasileira das Agências de Propaganda), define o projeto da Anvisa que regulamenta a propaganda de alimentos.


‘Parece que agora os males do país estão representados pela publicidade e que vamos corrigir isso através da proibição de tudo. Parece que a gente não aprendeu muito com a ditadura’, afirma ele.


Para Pastore, as regras que restringem a propaganda são uma forma de o governo dizer que ‘as crianças, os pais, os professores, as pessoas em geral não têm vontade própria, não têm capacidade de decidir o que é melhor para elas e precisam que o Estado decida por elas’.


Questionado sobre como lida com a influência da publicidade de alimentos em relação aos seus filhos -ele tem três-, Pastore argumenta que age ‘como todos os pais deveriam agir’.


‘O que eu acho que faz bem, eu incentivo. O que eu acho que faz mal, eu proíbo, evito que comam. Não preciso que o governo entre na minha casa para dizer como eu devo fazer.’ Sobre as legislações que já existem em outros países que vetam ou restringem a propaganda de alimentos às crianças, ele afirma que as desconhece.


Segundo o publicitário, as mudanças não deverão afetar a indústria de alimentos. ‘A publicidade é apenas uma ferramenta. É evidente que para as agências de publicidade o prejuízo será maior.’


Ele diz que há hoje no país 640 mil pessoas trabalhando na indústria da comunicação e 35 mil formandos por ano. ‘A partir de agora, os formandos deveriam sair da escola de comunicação e ganhar um par de algemas junto com o diploma.’


Edmundo Klotz, presidente da Abia (Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação), afirma que a entidade não contesta a proposta da Anvisa e que várias empresas já estão produzindo alimentos mais saudáveis, com menos gorduras, sal e açúcar. ‘Estamos praticando a solução do problema, não queremos contestar nada.’


Segundo ele, as indústrias estão mais preocupadas com a escassez mundial de alimentos do que com os produtos gordurosos, com excesso de açúcar e de sal.’


 


 


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Escolas fazem cruzada para instituir alimentação saudável


‘‘Uol, uol, uol, nós queremos colesterol’. Há quatro anos, era com esse grito de guerra que os alunos do ensino médio da Escola da Vila, em São Paulo, abordavam a nutricionista Elaine Occhialini no recreio, em protesto à implantação de um cardápio saudável.


Desde então, os alunos passaram a aprender sobre a composição nutricional dos alimentos e os perigos de uma alimentação rica em gorduras.


Ao mesmo tempo, a escola instituiu um padrão de qualidade dos produtos vendidos no local e os dias em que todos os alunos deveriam trazer frutas.


Apesar de o consumo de refrigerante ter diminuído cerca de 35%, recentemente, as lancheiras dos alunos não apresentaram alimentos saudáveis, em um estudo feito com 590 alunos do ensino fundamental. ‘Foi uma surpresa. Pegamos biscoito de polvilho com muita gordura trans e sódio e o hambúrguer com mais gordura.’


A cruzada por uma alimentação mais saudável também acontece em outros colégios. A Escola Carlitos, em Higienópolis, oferece uma mesa de frutas aos alunos do sexto ao nono ano do ensino fundamental. ‘Mesmo aqueles que resistiam um pouco acabaram incorporando o hábito’, diz a nutricionista Adriana Martins de Lima.


Na escola Stance Dual, zona central de São Paulo, as crianças podem levar lanche de casa, desde que seja saudável. Não é permitido o consumo de refrigerantes, salgadinhos e chocolates, por exemplo.’


 


 


Angela Pinho


Empresas não seguem no Brasil regras adotadas nos EUA


‘Ao menos oito das maiores multinacionais da indústria de alimentos não seguem no Brasil os compromissos que firmaram nos Estados Unidos para restringir a publicidade voltada à criança, diz representação feita pela ONG Instituto Alana ao Ministério da Justiça.


Os compromissos foram assinados em 2006 no Council of Better Business Bureau (conselho para melhores negócios, em inglês), um tipo de órgão de auto-regulamentação nos EUA.


As medidas vão desde restringir a publicidade infantil a alimentos considerados saudáveis até deixar de fazer propaganda em veículos em que as crianças representem determinada parcela do público.


Segundo avaliação do instituto, porém, oito multinacionais não cumprem as regras no Brasil -Burger King, Cadbury Adams, Coca-Cola, Kellogg’s, Kraft Foods (fabricante do biscoito Trakinas), McDonald’s, Pepsi e Unilever.


A Folha procurou as empresas na tarde da última sexta-feira. A assessoria de imprensa da Pepsi não foi localizada. Burger King e McDonald’s disseram que só poderiam se manifestar hoje.


A Cadbury afirmou que ‘respeita integralmente a legislação brasileira’. A Kraft disse que se comprometeu a restringir a propaganda apenas de alimentos com ‘determinados perfis nutricionais’. A Coca-Cola afirmou que iria analisar a representação. As demais empresas não se manifestaram até as 19h de sexta.’


 


 


FOTO
Fernando de Barros e Silva


O tucano e o papagaio


‘SÃO PAULO – Alckmin e dona Lu tomam café da manhã. Com a fisionomia ainda marcada pelo sono, ela sorri, distribuindo simpatia. Atrás dela, um pouco à esquerda sobre o encosto da cadeira, o papagaio do casal tem o rosto virado para o tucano, que parece retribuir o olhar.


Tem-se a impressão de que Zé Carioca e Alckmin conversam, compenetrados. O ambiente de classe média retratado pela foto na Folha de ontem lembra um cenário de novela, de tão típico. Se o tucano tivesse não um papagaio, mas um cachorro, seu nome seria Rex.


Podemos imaginar a conversa entre Alckmin e Zé Carioca com o resultado do Datafolha na mão:


– Eu falei, Zé, não quiseram me escutar. Com o PT não se brinca. Subestimaram o poder de fogo deles, agora a mulher taí, com 38%. E quem pode derrotá-la? Só eu, Zé, mais ninguém. Quero ver agora o que o outro Zé, o Serra, vai fazer. O candidato dele tá lá, empacado nos 13%. Kassab é inviável, eu avisei, Zé. Vão continuar brincando? Será que querem perder a eleição?


Zé Carioca poderia lembrar a Alckmin o que ele mesmo dizia quando estava lá embaixo nas pesquisas, em eleições passadas: a campanha só começa de verdade depois do horário gratuito na TV. Sim, pode ser, mas Kassab não precisa do papagaio para saber que sua situação ficou preta.


O prefeito está montado numa máquina de guerra: tem o respaldo da turma do governador, muito mais dinheiro e o dobro do tempo de exposição na TV em relação ao rival tucano. É quase certo que cresça alguma coisa. Mas sua tarefa é inglória: tirar, em menos de três meses, 18 pontos de vantagem de um adversário cuja taxa de rejeição (18%) é bem mais baixa que a dele, Kassab -30%, como a de Marta.


Polarizado como está entre PT e PSDB, o quadro eleitoral deve obrigar Serra a tirar pelo menos um pé da canoa de Kassab para colocá-lo no barquinho alckmista. Os kassabistas do PSDB estão condenados a um dilema shakespeariano: ser ou não ser Zé Carioca, eis a questão.’


 


 


TODA MÍDIA
Nelson de Sá


Agora, o ministro


‘No ‘El Espectador’ de Bogotá, Álvaro Uribe chegou aos 79% de intenção de voto, se candidato a novo mandato em 2010.


Mas outro se lança. O ministro da Defesa, Juan Manuel Santos, deu entrevistas ao colombiano ‘El Tiempo’, do grupo espanhol Planeta, e ao espanhol ‘El País’, para afirmar: ‘O presidente já disse que não quer se reeleger, não quer truncar novos líderes, e que o importante é que a segurança democrática continue, porque o país não pode retroceder em nenhuma circunstância’.


E Ingrid Betancourt prossegue. Ela deu entrevista ao francês ‘Le Journal du Dimanche’ para repisar o ‘milagre’ e depois se mostrou atenta aos reféns que faltam, em entrevista à rádio colombiana Caracol.


E O PREFEITO


A Agência Brasil postou ontem a manchete ‘Prefeito de Bogotá rechaça terceiro mandato para Uribe’. Samuel Moreno Rojas, ‘dos oposicionistas mais representativos do país’, do Pólo Democrático Alternativo, de esquerda, atacou ‘de maneira enfática a luta armada’ e só depois a reeleição, por ‘fechar os espaços da democracia’.


E O COLUNISTA


De sua ilha, Fidel Castro escreveu na sexta-feira no ‘Granma’ que as Farc devem soltar os reféns, mas manter a luta armada. E ontem, na manchete do ‘Granma’, seu irmão, Raúl, recebeu por ele um ‘Prêmio Nacional de Jornalismo’


‘MONSTER COUNTRY’


Também ontem no ‘El País’, entrevistas, reportagens e artigo trataram do Brasil. Tarso Genro prometeu reforma política. O ex-presidente uruguaio Julio María Sanguinetti saudou o ‘monster country’, inglês no original, que vive ‘momento próspero’ e ‘não é mais país do futuro’.


Mas o destaque foi para mais uma longa entrevista do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, sobre Tupi, quando começa a produção dos novos campos etc. Está em Madri para evento global do setor de petróleo.


NO ATLÂNTICO SUL


A CNN entrevistou um executivo da Chevron ‘de olho na Nigéria e no Brasil’, em Madri. Ele abordou investimentos e ‘o primeiro ataque’ a uma plataforma


PARA APRENDER


O ‘Nightly News’, da NBC, deu reportagem dizendo que, ‘enquanto os EUA caem, o Brasil vive boom’. Abriu se perguntando se ‘os EUA podem aprender alguma coisa’ daqui


FORA DO AR


A Folha, a Reuters Brasil e outras ressaltaram como a resolução 22.718, editada pelo TSE ainda sob Marco Aurélio Mello, ‘restringe uso da web na campanha’. E o primeiro dia de campanha paulistana, ontem na cobertura, já foi um grande vazio. Marta Suplicy foi à missa. Geraldo Alckmin, à periferia. E Gilberto Kassab, à Fórmula Truck.


A ALSTOM CONTINUA


No topo da busca de Brasil ontem no Google News, a Forbes deu, desde Paris, que o grupo Alstom anunciou ter assinado ‘um contrato de 280 milhões de euros com o Metrô de São Paulo, para instalar um sistema automatizado nas linhas 1, 2 e 3’. Segundo a própria empresa, trata-se do ‘maior projeto de metrô já vencido pela Alstom’.’


 


 


APAGÃO
Elvira Lobato


Cresce o risco de novas panes na internet, afirma especialista


‘A capacidade da rede de transmissão de dados do Brasil, por onde trafegam a internet e a telefonia, é uma caixa-preta, e há riscos de novos blecautes no país, como o ocorrido, na semana passada, em São Paulo, afirma o ex-superintendente de Serviços Públicos e de Universalização da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), Edmundo Matarazzo, 53. O consultor diz que as empresas mantêm ‘a sete chaves’ os dados sobre a capacidade e o nível de utilização das redes. Para ele, o investimento na infra-estrutura de transmissão não acompanhou a demanda. De 1995 para cá, o número de telefones fixos passou de 13 milhões para 40 milhões; e o de celulares, de 1,4 milhão para 130 milhões. Já são 40 milhões os usuários de internet.


FOLHA – Por que o sr. defende a separação da infra-estrutura de transmissão da exploração dos serviços?


EDMUNDO MATARAZZO – Por ser um insumo comum para telefonia fixa, celular e internet. Quando um meio de transmissão é atingido, o estrago na prestação de serviços é muito grande.


FOLHA – O senhor tem informação sobre os investimentos feitos pelas empresas na transmissão? Elas têm metas a cumprir nesta área?


MATARAZZO – Têm a obrigação de manter a infra-estrutura para o serviço funcionar adequadamente, mas não há metas obrigatórias de investimento. Em caso de interrupção, a Anatel apura e, se houve negligência, a empresa será multada.


FOLHA – A capacidade de transmissão acompanhou a explosão dos serviços?


MATARAZZO – Com certeza, não. Quando o modelo atual foi construído, o serviço telefônico fixo era a base de tudo. Fax e internet eram unicamente por acesso discado. A internet evoluiu, cresceu, mas o sistema de transmissão é o mesmo, embora o acesso em banda larga não passe pela central telefônica. Os contratos feitos na privatização da Telebrás [1998] obrigaram as concessionárias a implantarem sistemas digitais de transmissão nas capitais até 2005. Não foram criadas novas metas na renovação dos acordos de concessão. A autoridade deve se preocupar mais em regular os meios de transmissão, até porque os serviços mudam, mas a capacidade de transmissão é sempre essencial.


FOLHA – O apagão em São Paulo deve ser o início de uma discussão sobre a infra-estrutura de internet?


MATARAZZO – É o momento para isso, porque o setor está envolvido na discussão do novo Plano Geral de Outorgas (PGO) e do Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações no Brasil . O foco da discussão, porém, está na fusão de empresas [compra da BrT pela Oi], na entrada da terceira geração do celular e na banda larga nas escolas. Se fosse uma discussão sobre energia elétrica, com metas para aumento de consumo, alguém perguntaria sobre a fonte de energia e a linha de transmissão. Em telecomunicações, como não há fonte de energia, parece que a infra-estrutura virá do céu. Mas não é assim. O que vai difundir a internet não é a banda larga, mas a existência de meios de transmissão pelo Brasil afora. O desafio do país não é colocar um telefone público em lugarejos de até cem habitantes, mas levar o meio de transmissão até lá.


FOLHA – A infra-estrutura de transmissão é a soma das redes de várias empresas. Como o governo poderia, então, coordenar os investimentos?


MATARAZZO – No modelo atual, não tem como. Quem faz telefonia fixa vai providenciar estrutura para o negócio dele, e o mesmo acontece na móvel. Para ter coordenação seria preciso integrar os competidores. Está claro para mim que a infra-estrutura de transmissão deveria ser explorada separadamente da prestação de serviços. Não se trata de separar toda a rede, só a que é usada por todos. A construção da infra-estrutura exige investimento antecipado, de amortização demorada, diferentemente do serviço, que é faturado no dia seguinte. Para haver confiabilidade na rede de transmissão, é preciso existir capacidade ociosa, o que conflita com o interesse de competição na prestação de serviços ao usuários. A linha de transmissão é o calcanhar-de-aquiles das comunicações e a capacidade de suportar falhas é muito baixa. A possibilidade de haver blecautes é crescente, pela velocidade de expansão da demanda.


FOLHA – O que o senhor sugere para evitar os blecautes?


MATARAZZO – O meio tem de ser compartilhado. Não é possível construir redes de transmissão individuais para telefone fixo, celular e internet. Por isso, são necessários modelos de negócios diferentes para a exploração de serviços e para a infra-estrutura. O prestador de serviços tem de ter a garantia de que não lhe faltará infra-estrutura.


FOLHA – O senhor diria que os dados sobre a rede de transmissão são uma caixa-preta?


MATARAZZO – Muito preta. Como consultor, tentei identificar e quantificar a rede de transmissão (capacidade instalada das fibras ópticas, nível de utilização, projeção de vida útil etc.) e não consegui. Os dados são trancados a sete chaves.


FOLHA – A Anatel tem acesso?


MATARAZZO – Suponho que sim. Mas, na discussão do PGO, a Anatel não mexe no modelo de infra-estrutura de transmissão, o que seria prioritário.’


 


 


Sílvia Freire


Falha derruba conexão da Oi em 2 Estados


‘Usuários de telefonia móvel e de internet de banda larga da operadora Oi no Pará e no Maranhão ficaram sem conexão da manhã até a noite de sábado. Segundo a empresa, a pane foi causada pelo rompimento de dois cabos subterrâneos de fibra óptica, responsáveis pela conexão, em dois locais diferentes. Segundo a Oi, a pane não atingiu todos os usuários, e os serviços foram restabelecidos na noite de sábado.


O rompimento dos cabos subterrâneos foi causado, segundo a empresa, por obras de terceiros, que não têm ligação com a operadora de telefonia. Um dos cabos foi danificado por uma retroescavadeira, entre os municípios maranhenses de Alto Alegre do Pindaré (346 km de São Luís) e Santa Inês (254 km da capital maranhense). O outro rompimento, que também foi provocado por uma retroescavadeira, aconteceu próximo à divisa com o Pará, a cerca de 400 km de Belém.


Técnicos da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) entraram em contato com a Oi para iniciar procedimentos de investigação da interrupção. Somente após o conhecimento das causas da pane é que a Anatel decidirá sobre abertura ou não de um processo administrativo ou aplicação de multa à operadora.


Com a Sucursal de Brasília’


 


 


BOSSA NOVA
Luiz Fernando Vianna


Mostra cria cantinhos em plena Oca


‘Como preencher 8.000 metros com algo que é um cantinho, um violão, só bim bom, bim bom, bim bim, e não tem mais nada não? A resposta da exposição ‘Bossa na Oca’, comemoração dos 50 anos da bossa nova que será inaugurada hoje para convidados e abre amanhã para o público, não está nos Dolby Surround e Imax da vida contemporânea, mas em várias áreas para poucas pessoas, onde se pode ouvir (e ver) música em baixo e bom som, ou até escutar o silêncio.


Os curadores Marcello Dantas e Carlos Nader são os responsáveis por fazer o grande se render ao mínimo, algo coerente, aliás, com a arquitetura de Oscar Niemeyer, que projetou a Oca. O evento conta com 240 caixas de som, mas, se tudo der certo, cada visitante só ouvirá o que está bem perto dele.


‘Tudo reverbera na Oca. Seria impossível ouvir bossa nova de outro jeito’, explica Dantas. ‘O ajuste é delicado. Se errar o ponto, vira pizzaria’, diz Nader.


Mas ‘Bossa na Oca’ vai bem além de escutar músicas já extremamente conhecidas. A visita começa, no térreo, com fotos de personagens e acontecimentos de 1958 (Niemeyer, Brasília, Pelé, a viagem da cadela Laika à lua etc.), para mostrar que, no ano em que João Gilberto gravou ‘Chega de Saudade’, havia muito mais coisas no ar do que os aviões de carreira. ‘O mundo estava mudando e precisava de uma trilha sonora.


João Gilberto entrou num quarto em que havia um botijão de gás e riscou o fósforo’, diz Dantas, numa metáfora explosiva para a suave bossa nova.


Princípio intimista


No mesmo andar, há seis estações de áudio que estão sendo chamadas de jukeboxes. O visitante escolhe na tela a música que quer ouvir, e o som não vaza para o vizinho. Toda a exposição segue esse princípio. No subsolo, dez minidocumentários passam simultaneamente sem que um interfira no outro. Estão neles imagens raras do célebre concerto de 1962 no Carnegie Hall, em Nova York, e do show ‘A Noite do Amor, do Sorriso e da Flor’, realizado no Rio, em 1960.


No primeiro andar, há três ambientes em que são exibidos ‘Vou Te Contar’, curta-metragem de Dora Jobim sobre o avô; ‘Vinicius de Moraes’, edição feita por Miguel Faria Jr. de cenas que ficaram de fora do seu filme ‘Vinicius’; e uma versão reduzida de ‘7 x Bossa Nova’, série dirigida por Belisário Franca. Cada espectador tem a sua própria caixinha de som.


Nos 15 minutos editados por Dora, o público poderá ver um Tom ainda acanhado em programas de TV nos EUA -explicando ‘Garota de Ipanema’ em português mesmo- ou íntimo em cartas para a família ou para o amigo Vinicius.


‘Acho que ser neta dele já é um filtro gigante na hora de selecionar as imagens, de editar e procurar retratá-lo. [Contou] meu envolvimento, o amor por ele, a intimidade com os arquivos da família’, diz Dora. Será difícil não sentir falta de imagens em movimento de João Gilberto. Mas é que ele não autoriza o uso de praticamente nenhuma. É o caso, por exemplo, do concerto que fez com Tom Jobim em 1992, no Teatro Municipal do Rio.


‘Mas ele está em todo lugar’, afirma Dantas. ‘O silêncio dele é ensurdecedor’, diz Nader. Silêncio mesmo se dá na câmara anecóica [sem eco] do primeiro andar, onde se escuta só o próprio corpo. O silêncio é um dos elementos fundamentais da bossa nova, e, se Caetano Veloso estiver certo, só João pode ser melhor do que ele.


BOSSA NA OCA


Quando: ter. a dom., das 10h às 21h; de amanhã a 7/9


Onde: Oca (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3 do pq. Ibirapuera; tel. 0/xx/11/4003-2050; livre)


Quanto: R$ 20; grátis às terças’


 


 


TELEVISÃO
Laura Mattos


Série revela destinos para lua-de-mel


‘É sempre hora para uma lua-de-mel. Se não for a primeira, que seja a segunda, terceira, quarta… Ainda mais se o destino for algum dos apontados por uma série brasileira exibida no Discovery Travel & Living.


O primeiro mérito de ‘Destino Lua-de-mel’ (hoje, às 23h, e nas próximas 12 segundas-feiras) é justamente o de ser um programa nacional em um canal estrangeiro. O segundo é o de ser bem-feito. A série mostra românticas cidades da América Latina, no Brasil inclusive. Cada episódio é dedicado a um lugar, entre eles Mendoza, Buenos Aires, Cartagena, Florianópolis e o clássico destino dos recém-casados, Rio.


Outro ponto interessante é o formato. Um ator e uma atriz encarnam Henrique e Mônica, que dormem no mesmo quarto (sempre ultraluxuoso), jantam à luz de vela, dançam agarrados e fazem massagem juntos, mas não são nem namorados. Com texto bem-humorado, a dupla passeia por lugares incríveis.


Não é para esperar dicas econômicas ou mesmo uma visão crítica das cidades, como mostrar a favela do Rio. Eles só ficam em hotéis caríssimos e comem em restaurantes top. Quem não puder bancar o pacote completo de sugestão, certamente aproveitará uma ou outra. Lua-de-mel, veja tudo pelo lado bom, relaxe e goze.


DESTINO LUA-DE-MEL


Quando: hoje (às 23h) e mais 12 episódios às seg. (23h); classificação indicativa não informada


Onde: no Discovery Travel & Living’


 


 


 


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O Estado de S. Paulo


Segunda-feira, 7 de julho de 2008


 


ARGENTINA
Ariel Palacios


Crise abala casamento dos Kirchner


‘‘La presidenta soy yo, carajo!’ Esta teria sido uma das frases furiosas que a presidente Cristina Kirchner teria disparado nos últimos dias na cara de seu marido, o ex-presidente Néstor Kirchner. O motivo: a intromissão excessiva do ‘primeiro-cavalheiro’ nas decisões de seu governo. Mais especificamente, o protagonismo de Kirchner no conflito com os ruralistas.


A frase foi a manchete do jornal Perfil. Uma fonte citada relata que ‘eles quase nem conversam mais… e quando o fazem, Cristina explode’. Segundo o diário, vários caciques do Partido Justicialista (peronista) estão preocupados com a ‘fragilidade emocional’ da presidente.


No último sábado, o governo conseguiu aprovar na Câmara dos Deputados o polêmico projeto de lei que determina o aumento de impostos sobre as exportações agrícolas, pivô da crise com os ruralistas. Apesar da aprovação, a vitória do governo foi negociada, evidenciando a crescente fragilidade da presidente, que vem sofrendo com uma debandada da base aliada.


A tensão entre os peronistas foi potencializada dias antes por Kirchner, que ligou pessoalmente a deputados vacilantes para forçá-los a votar pelo governo. Uns cederam, enquanto outros reafirmaram a dissidência. Kirchner até ameaçou ir à Câmara para intimidar parlamentares durante a votação.


A crise com os agricultores, que acumula 120 dias, provocou a disparada da inflação, a redução do consumo e a queda abrupta da popularidade da presidente. O ego de Cristina também teria sido abalado pela crise, já que analistas e eleitores consideram que quem despacha é seu marido, deixando de lado a indicação predominante no início do ano de que a administração era ‘bicéfala’.


Os próprios ministros de Cristina (a maioria herdados de Kirchner) não colaboram, já que costumam chamar o ex-presidente de ‘presidente’, como se ela não existisse. Comentaristas políticos e os representantes da oposição ironizam com a frase ‘Cristina no governo, Kirchner no poder’.


A credibilidade do governo, enquanto isso, despenca. Segundo o relatório mensal da Universidade Di Tella, o índice de confiança caiu 9% em junho em relação a maio. Em uma escala de 0 a 5 pontos, Cristina só conta com 1.21 ponto.’


 


 


TELEVISÃO
Gustavo Miller


Olivier estréia ao vivo


‘O padeiro francês Olivier Anquier lança nesta sexta-feira seu novo programa de culinária: o Programa do Olivier ao Vivo. Ele será transmitido às 22 horas, mas não na TV, e sim no seu site, o www.olivieranquier.com.br, que completou 10 anos.


Essa experiência não é novidade para Anquier. Desde 2004 ele produz um programa em sua página pessoal, o que o torna um dos pioneiros no Brasil no gênero de ‘criar uma televisão pessoal e independente na internet’, como gosta de dizer.


A atração seguirá os moldes da anterior: ele vai testar receitas em sua (nova) casa e será mensal, entrando no ar um novo episódio na primeira quarta-feira de cada mês.


O diferencial, além de ser ao vivo, é a interação oferecida ao público. ‘Quero adaptar o programa para essa nova realidade tecnológica. Os internautas poderão participar via chat e pretendo convidá-los para mostrarem suas receitas’, diz. ‘Sexta-feira será um teste. Quero ouvir críticas e sugestões dos meus fãs para aprender como fazer um programa ao vivo na internet’, continua.


Longe da Record desde dezembro, Anquier não tem contrato com emissora de TV nenhuma no momento.’


 


 


AP, Nova York


NBC compra o Weather Channel por US$ 3,5 bi


‘A NBC Universal e dois sócios anunciaram ontem que chegaram a um acordo para comprar o Weather Channel da Landmark Communications Inc., finalizando um processo que atraiu várias companhias de mídia.


Os termos financeiros do negócio não foram divulgados, mas uma pessoa próxima às negociações disse que o preço de compra foi de US$ 3,5 bilhões, em dinheiro. Os sócios da NBC no negócio são as empresas de private equity Blackstone Group LP e Bain Capital LLC.


Além do Weather Channel, que pode ser visto por 97% dos assinantes de televisão a cabo dos EUA, o acordo inclui vários ativos relacionados, como serviços de tempo para jornais e estações de rádios e o popular site na internet Weather.com.


A NBC, uma unidade da General Electric Co., se tornou a única empresa a dar lance pelo Weather Channel no mês passado, depois que a Time Warner Inc. desistiu do negócio. A CBS Corp. e a empresa de TV a cabo Comcast Corp. também chegaram a demonstrar interesse pela compra.


A NBC já opera um serviço de tempo e notícias digital chamado NBC Weather Plus, que foi lançado em 2004. O NBC Weather Plus pertence à NBC e suas estações de TV afiliadas e pode ser vista nos serviços de cabo digitais.


A NBC e a Landmark disseram em um comunicado que o Weather Channel vai operar como uma empresa separada a partir de sua base em Atlanta.


Eles disseram que o negócio deve ser fechado até o fim do ano, dependendo da aprovação das autoridades que regulam o mercado.


A Landmark, baseada na Virgínia, colocou o Weather Channel à venda em janeiro, junto com outros negócios, incluindo oito jornais.’


 


 


PEQUIM 2008
Marili Ribeiro


Internet e celular no marketing olímpico


‘Megaeventos globais, como as Olimpíadas, sempre injetam dinheiro extra no negócio da comunicação. No Brasil, as estimativas são de algo entre 10% e 20% de aumento das receitas publicitárias. Multidões se mobilizam para acompanhar as histórias de superação que acompanham as disputas esportivas. E as marcas aproveitam a oportunidade para vincular sua imagem a esse clima.


Uma das novidades das Olimpíadas que começam em um mês na China em relação às anteriores é que elas terão, por aqui em especial, uma forte presença da internet e dos celulares na busca da atenção da audiência. O motivo é simples. Por causa do fuso horário, os eventos transcorrerão basicamente durante a madrugada brasileira. Pela manhã, deve crescer o acesso online às notícias.


‘Em Sydney (Olimpíadas de 2000, na Austrália) isso já se delineava’, diz Carlos Perrone, presidente da agência de marketing esportivo Pepper. ‘Mas, desta vez, o processo parece irreversível, não só pelo crescimento do mercado da mídia online como também pelas iniciativas de consolidação dessa plataforma de negócios, caso do portal Terra, que comprou os direitos de transmissão dos Jogos.’


Há oito anos , o acesso à internet no Brasil se concentrava na leitura de e-mails, segundo dados recém compilados pela agência Talent. Hoje, além do número de usuários ter mais que dobrado no período – são mais de 40 milhões de internautas -, a web virou ambiente de leitura de notícias, troca de informações em redes sociais e local de se assistir a vídeos.


Antes do avanço das mídias digitais, a televisão aberta dominava esses eventos. ‘O modelo de negociação sempre foi centrado nos interesses da TV’, diz Abel Reis, presidente da Agência Click, especializada em mídia online. ‘Este ano, foi a primeira vez em que os meios digitais foram considerados como donos de uma audiência que se quer atingir.’


Com investimentos de US$ 7 milhões, o portal Terra TV, empresa do Grupo Telefónica, vai transmitir os jogos Olímpicos com exclusividade, a exemplo do que a Rede Globo faz para a televisão aberta, e para o qual pagou cerca de US$ 12 milhões. O Terra já havia tentado ação similar durante a Copa do Mundo. Desta vez, obteve sucesso no Comitê Olímpico Internacional (COI). O acordo se estende ao uso de imagens das Olimpíadas em telas de celulares.


Há 128 milhões de aparelhos celulares no Brasil, o que põe o País em quinto lugar no ranking de uso desse recurso. O primeiro é justamente a China, seguida dos EUA. Com esse universo, dá para entender a preocupação de operadoras como a TIM, que já criou um hotsite para dar aos seus clientes informações sobre as Olimpíadas. ‘Acho que, mais do que ver um jogo na tela de um celular, as pessoas vão querer saber como o Brasil se saiu na competição’, avalia Gabriel Mendes, gerentes da empresa.


‘Os sites noticiosos em geral vão ter uma audiência muito grande nas manhãs’, diz Dado Lancellotti, vice-presidente de Operações da Fischer America. ‘Logo, esse passa a ser um bom canal para os anunciantes que não compraram as cotas de patrocínio das Olimpíadas.’


Geraldo Rocha Azevedo, presidente de soluções integradas da NeogamaBBH, destaca que esses eventos são sempre fonte de incremento a atividades como campanhas de incentivo nas empresas ou mesmo motivação para ações promocionais com os consumidores.


Perrone, da Pepper, aliás, lembra que as arenas esportivas das Olimpíadas não liberam espaços publicitários para placas, banners ou faixas. ‘O que os anunciantes compram é o direito de dizer que estão comprometidos com o ideal olímpico e, a partir daí, desdobrar esse conceito em ações de marketing.’


Um bom exemplo disso é a Coca-Cola, que há anos compra cota de patrocínio das Olimpíadas. A companhia investe em uma série de eventos paralelos, como a criação de um novo sabor em edição limitada – uma mistura de laranja com melão, em embalagem decorada com temas relacionados ao evento -, que será vendida no combo China, uma ação global feita em parceria com a rede de lanchonetes McDonald?s.’


 


 


LITERATURA
Ubiratan Brasil


Tom Stoppard e a aula de como escrever bem


‘O final de semana da Flip foi carregado de surpresas, da palestra de Tom Stoppard, que traçou em linhas gerais o ato de escrever bem, até a ameaça de prisão de um sósia de Machado de Assis, que estaria dificultando a circulação de pessoas ao posar de estátua em local público. Principal convidado deste ano, Stoppard dividiu, na noite de sábado, com um inspirado Luis Fernando Verissimo, uma conversa que, embora resvalasse momentaneamente em um certo pedantismo, traçou bem delineada explicação sobre o mistério da escrita.


Para Stoppard, escrever bem é um ato que pode ser traduzido de duas formas. Em uma, há a manipulação de palavras que resulta em um pensamento poderoso; em outra, a adequada colocação das expressões pode garantir a um chavão um efeito único. ‘Nós, escritores, sabemos como uma frase é feita e, mesmo que nem sempre ela saia tão boa, nela não há mistério nenhum para nós.’


O dramaturgo esteve presente em boa parte das palestras, acompanhando atentamente da platéia. Uma das que mais lhe chamaram a atenção foi a que reuniu o jornalista inglês Misha Glenny e o brasileiro Guilherme Fiúza, na tarde de sexta. O tema era a globalização do crime e, como os dois autores estavam afinados na opinião, os aplausos eram recorrentes.


‘A extorsão virtual é cada vez maior e o pior crime organizado atualmente é feito pela internet’, observou Glenny, que propôs ainda uma consciente legalização das drogas. ‘Vamos começar liberando a maconha por cinco anos e veremos se a civilização ocidental vai ruir’, disse ele, aplaudido.


Já o bom humor foi garantido pelo radialista e humorista americano David Sedaris, na última mesa de sexta-feira. Mediada por um antenado Matthew Shirts, que não continha o riso escancarado, Sedaris disparou diversas frases divertidas, bem ao estilo americano. ‘Fiquei impressionado com os bonecos que vi na praça pública (feitos pelas crianças de Paraty para enfeitar a cidade). Eles são ótimos, parecem o rosto de alguém que fez plásticas muito ruins.’ A primeira impressão que teve do Brasil também foi marcante: ‘Em nenhum lugar vi uma área de recolhimento de bagagens tão alucinado como o do aeroporto de Cumbica.’’


 


 


Antonio Gonçalves Filho


Pierre Bayard ensina como falar de livros não lidos


‘Entre as obras discutidas na Flip, a do psicanalista e escritor francês Pierre Bayard, Como Falar dos Livros Que Não Lemos (Editora Objetiva), tem provocado grandes erros de leitura (ou de não-leitura), visto como livro que desestimula o hábito de ler com seriedade. Participando ontem de um debate com o jornalista Marcelo Coelho, que teve como mediador o psicanalista e colunista Contardo Calligaris, Bayard tratou de explicar, definitivamente, que não teve intenção de estimular comentários superficiais sobre obras não-lidas, mas livrar leitores da culpa, do ‘trauma cultural’ provocado pela leitura obrigatória, especialmente na França, onde as fichas de leitura obrigam os pais a uma tarefa suplementar, escrever resumos de livros para seus filhos escolares.


Bayard, no debate, não recomenda o ‘zapping’ cultural, mas sugere uso de técnicas de leitura que as escolas não ensinam e que professores e críticos literários cansam de usar para poupar tempo com livros que às vezes merecem apenas ser folheados. O crescimento da exigência da leitura tem feito, segundo ele, mais vítimas que grandes leitores. Marcelo Coelho citou, então, um dos resultados dessa opressão: o advento de uma indústria de resumos que o mercado editorial põe à disposição de estudantes sem compromisso com a qualidade ou fidelidade aos autores.


Livros como A Metamorfose ou Dom Quixote, segundo Coelho, podem ser reduzidos a uma breve sinopse, porque ‘a sacada do autor é tão forte que eclipsa a realização literária’, mas outros, como Guerra e Paz e O Vermelho e o Negro ‘não se resumem tão facilmente por não trazer uma idéia tão evidente’. Há, ainda, diz ele, os impossíveis de serem resumidos, como a obra-prima de Proust, Em Busca do Tempo Perdido. Os resumos, em síntese, só prejudicariam ainda mais os livros, ‘que não andam bem de saúde’, segundo Coelho, opinião não compartilhada pelo mediador Calligaris, que aprova os resumos.


Bayard, aplaudido várias vezes em suas intervenções, é defensor da descoberta pessoal de títulos que possam estimular a leitura. ‘Nos EUA, ao contrário da França, as bibliotecas permitem que o usuário circule entre os livros, levando-o a títulos que na pretendia tomar emprestado.’ A curiosidade ainda é o melhor incentivo que um leitor pode ter, concluiu. ‘O livro não é um objeto morto, mas um ser vivo, pronto a ser descoberto.’’


 


 


Matthew Shirts


Capitu no centro do universo


‘A festa literária de Paraty, mais conhecida como Flip, foi aberta com estilo na noite de quarta-feira última. O homenageado deste ano é Machado de Assis. Debaixo de uma tenda modernosa, com holofotes dignos de um show de rock, ao lado do canal, o professor Hélio Guimarães apresentou o crítico literário Roberto Schwarz, autor de As Idéias Fora do Lugar e Um Mestre na Periferia do Capitalismo, entre outras interpretações já clássicas da obra do maior escritor brasileiro.


Chegara eu à cidade algumas horas antes, e comecei a circular com a mesma sensação de quando adentrava a Disneylândia, em Los Angeles, ainda criança. O parque temático californiano traz, na entrada, uma placa com a frase ‘O lugar mais feliz do mundo’ e me passou pela cabeça que deveria ser emprestada à Flip, pelo menos para a duração do evento.


Para quem gosta de livros, não há nada melhor. Tem-se a impressão, daqui, que o mundo é composto, basicamente, por leitores e fãs de literatura, uma turma das melhores, a meu ver. Como se não bastasse, os ídolos passeiam entre a gente. Estão presentes Richard Price, autor do roteiro de A Cor do Dinheiro e do livro Lush Life, um dos melhores dos últimos – e próximos – anos; Tom Stoppard, que ganhou um Oscar por nada menos que Shakespeare in Love; e já deve ter chegado meu favorito pessoal, David Sedaris, mas não o vi ainda, sem falar de brasileiros ilustres, santos de casa, como Luis Fernando Verissimo, Roberto DaMatta, José Miguel Wisnik, entre muito outros.


A obra do Roberto Schwarz é densa, exige atenção do leitor. Da minha poltrona assisti com certo espanto à entrada de centenas e mais centenas de pessoas, ávidas para ouvirem sua interpretação da obra machadiana. É um dos poucos, senão o único, popstar seguidor de Georg Lukács no mundo, disso eu tenho certeza. Na poltrona ao lado, o professor Lorenzo Mammi brincava com os fones de ouvido da tradução simultânea. Em vez de passar a palestra para o inglês, sugeria que se utilizasse o aparelho para oferecer uma versão simplificada da fala. E deu um exemplo. Ao ouvir do palestrante ‘fenomenologia do espírito’, os fones transmitiriam ‘o que passa pela sua cabeça’. Achei uma boa idéia.


Quando quer, Roberto Schwarz pode ser claro e didático. A fala dele na quarta-feira passada foi cristalina. Mostrou como a interpretação corrente da Capitu, personagem do romance Dom Casmurro, mudou ao longo do último século. De traiçoeira, perigosa e potencialmente adúltera, passou a ser vista como vítima do patriarcalismo brasileiro. Aí estaria o significado da obra: ou seja, na crítica ao patriarcado que mandava no País e deturpava a imagem de Capitu. Foi brilhante, como sempre, e os aplausos, sinceros. Não é por acaso que se discute a obra do Roberto Schwarz há 30 anos. Mas na saída, comentamos, eu e o Lorenzo, que tudo bem, o patriarcado fez por merecer as críticas de Machado, mas mesmo assim nenhum de nós, nem eu, nem ele, colocávamos a mão no fogo pela Capitu. ‘Fosse eu – emendou Lorenzo -, traía o Bentinho.’


Não sei se não preferiria a interpretação mais antiga da Capitu. Prefiro-a mais perigosa do que vítima. Creio que a neofeminista Camille Paglia, ao menos, concordaria comigo.


E peço desculpas pelo número de autores citados. Você entende. A gente vem aqui, na Flip, assiste a umas palestras e já vai se achando. Tenho a impressão de que meu QI subiu uns dois pontos desde que cheguei. Pena que não dure.’


 


 


 


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