Sunday, 13 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1309

Qual crítica? A partir de quais critérios?

O ponto de partida para a criação do observatório Mídia&Política do NEMP-UnB, há cerca de um ano e meio, foi a contradição do papel do jornalismo na sociedade: o jornalismo é um serviço público; mas está organizado em nosso país como um serviço privado e obedece às demandas do mercado, que podem não coincidir com as demandas do desenvolvimento humano brasileiro.

Se tomarmos o desenvolvimento humano como referência das demandas sociais, temos de defini-lo: um desenvolvimento político, econômico, ético e espiritual baseado ‘na dignidade humana, na igualdade, no respeito, na paz, na democracia, na responsabilidade mútua, na cooperação, no pleno respeito dos diversos valores religiosos, éticos, e de natureza cultural das pessoas’ (Declaração de Copenhague, 1995).

Entre esse ideal de desenvolvimento humano e a nossa realidade social há uma enorme distância. O Brasil é o 69º colocado no ranking do IDH. Somos o país com a 10ª maior concentração de renda no mundo, as injustiças sociais e as disparidades regionais são gritantes. Temos uma urgente dívida social a resgatar e a necessidade de implantar políticas públicas compensatórias para recuperar nossas desigualdades.

As exigências da sociedade não têm correspondência com os conteúdos dos meios de comunicação de massa. A nosso ver, isso gera tensões permanentes porque o jornalismo não responde às urgentes demandas de informação para o desenvolvimento humano, nem representa de forma equilibrada a pluralidade de interesses da sociedade brasileira. Daí a necessidade de uma crítica sistemática. Não uma crítica raivosa, mas propositiva, de resultados.

Alguns critérios metodológicos ajudaram inicialmente a consolidar o observatório Mídia&Política. Fundamenta esses critérios a convicção de que existem várias verdades relativas, e até antagônicas: nenhuma delas é absoluta. A verdade democrática só pode ser obtida através do pluralismo de versões provenientes de fontes diversas que precisam ser publicamente confrontadas.

A mídia só se transformará em um espaço público democrático se as várias verdades forem tornadas públicas. Os critérios abaixo relacionados servem como ponto de partida para o observatório Mídia&Política. Mas precisam ser constantemente aprimorados para se tornarem instrumentos de uma crítica atenta às demandas do desenvolvimento humano brasileiro. Pretendemos discuti-los e aprimorá-los continuamente. Convidamos os nossos leitores a enviar suas críticas e sugestões.

Os critérios para uma crítica construtiva sugeridas pelo observatório Mídia&Política são os seguintes:

1. Critério de referência geral: o paradigma do desenvolvimento humano. Toma a qualidade de vida das pessoas, não apenas os indicadores econômicos e os de mercado como referência. Utiliza os indicadores sociais, o IDH, e os confronta permanentemente com o conteúdo dos meios.

2. Critérios técnico-sociais específicos derivados das demandas do desenvolvimento humano:

a) Identificação dos atores sociais presentes na cobertura jornalística e a comparação do espaço atribuído a cada um deles;

b) Observação do número de fontes citadas na matéria e da ausência de fontes credenciadas que poderiam ter sido consultadas para ampliar os pontos de vista;

c) Presença na cobertura de preconceitos e prejulgamentos dos atores sociais citados;

d) Verificação se a cobertura é excessivamente factual: relata apenas fatos brutos, desvinculados do contexto social ou histórico;

e) Verificação da presença ou ausência de explicação das causas e das conseqüências sociais do evento narrado;

f) Observação da presença ou ausência de infográficos, tabelas, cronogramas, estatísticas, quadros comparativos e outros recursos gráficos que auxiliam o leitor, ouvinte, telespectador ou internauta a comparar e contextualizar as informações;

g) Referência ou menção, na cobertura, de políticas públicas relacionadas aos eventos relatados;

h) Referência ou menção de legislação pertinente aos eventos relatados na cobertura;

i) Observação do enquadramento (ponto de vista, ângulo) predominante na cobertura: oficialista, comercial, da cidadania, etc;

j) Quando pertinente, se o enquadramento predominante é positivo, negativo ou neutro em relação a cada ator social envolvido e citado;

k) Presença ou ausência de recomendações para a solução das questões, quando pertinente.

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Jornalista, professor de jornalismo na Universidade de Brasília, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política e editor de Mídia&Política