Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Quando a massa de matérias
não evita erros de avaliação

A cobertura por saturação cansa o leitor e confunde o editor. Pouco adiantaram as toneladas de matérias publicadas depois da morte de João Paulo II até o início do processo de escolha do seu sucessor.


Ao acreditar que a quantidade de informações é garantia de que não haverá surpresas, o editor se distrai: não avalia os textos, não percebe sutilezas e ‘manda ver’, isto é, fecha a página no tapa. Resultado: deixa escapar ou não valoriza a informação menos retumbante e, às vezes, a mais importante.


Foi o que aconteceu com a homilia do cardeal Ratzinger na abertura do conclave, na missa ‘Pro Eligendo Papa’ (segunda-feira, 18/4, publicada nos jornais do dia seguinte). Como já foi ressaltado neste Observatório, a homilia foi a peça-chave para a eleição de Ratzinger. Não pediu votos, proclamou a necessidade de uma Igreja coesa em torno da sua doutrina. O cardeal alemão foi eleito 24 horas depois num dos pleitos mais rápidos da história moderna do Vaticano.


Falsa dicotomia


Nossos três jornalões escorregaram: dois puxaram o teor da fala de Ratzinger para a primeira página (menos a Folha de S.Paulo), porém nenhum deles deu o texto na integra, apenas trechos. E graças a uma leitura apressada sapecaram nas edições do dia seguinte a tese de que o papa Bento 16 será um papa conservador.


Apesar do tropeço na edição de terça (19/4), a Folha assumiu a falha e reagiu corretamente na edição seguinte: publicou a homilia na integra. Converteu-se em referência, pois com este texto pode-se entender o que se passou na capela Sistina.


As manifestações de Ratzinger nos dias seguintes à sua escolha desvendaram o erro de avaliação da mídia internacional, inclusive da brasileira: justamente porque apresentou-se como um ‘conservador’ o novo pontífice será capaz de promover avanços.


Faltou treino, faltou perspicácia para avaliar que a cobertura de um parlamento cardinalício não segue os mesmos parâmetros da cobertura dos parlamentos temporais. Nossos jornais preocuparam-se demais com as frustrações de Leonardo Boff e de menos com as realidades do Vaticano.


Nenhuma religião escolhe o caminho da divisão ou da dissidência. Foi exatamente isso que Ratzinger proclamou horas antes de converter-se em Bento 16. Distraídos pelos rankings dos favoritos e amarrados à falsa dicotomia ideológica (conservadores vs. progressistas), os editores de plantão não souberam valorizar aquela prédica que seria fundamental, horas depois, na escolha do novo papa.


Moral da história: jornalismo de saturação é enganador para quem faz e para quem lê jornal.