Wednesday, 23 de October de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1310

Reflexões sobre 2010








O último programa televisivo do Observatório da Imprensa em 2009, exibido na terça-feira (22/12) pela TV Brasil, repetiu a fórmula e os convidados da última edição apresentada em 2008. O programa fez um balanço do ano que passou e traçou perspectivas para o próximo. Alberto Dines dividiu a bancada do Rio de Janeiro com Renato Lessa, cientista social, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj); com o jornalista Claudio Bojunga, formado em Direito e Política Internacional no Instituto de Estudos Políticos de Paris; e Sérgio Besserman Vianna, economista e ecologista, presidente da Câmara de Desenvolvimento Sustentável da Prefeitura do Rio de Janeiro e professor de Economia da PUC-Rio.

No editorial que precede o debate [íntegra abaixo], Dines ressaltou que no ano anterior a crise financeira e a vitória do presidente Barack Obama facilitaram as previsões para 2009. ‘Fomos prudentes ao concluir que a crise financeira será atenuada no Brasil, porém fomos mais longe no exercício prospectivo ao imaginar o declínio do capitalismo irreal, desregulado e delirante’, avaliou.






Clima: uma pauta urgente


No início do debate ao vivo, Dines perguntou para Sérgio Besserman se a questão climática – mencionada com pouco destaque no último programa de 2008 – marcará 2010. Para o economista e ecologista, que participou da 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), o encontro fracassou porque não foi capaz de produzir uma declaração política forte. Os principais Estados – Estados Unidos e China – não chegaram a um acordo para a diminuição da emissão de gases poluentes.


O ponto positivo do evento, segundo ele, foi a mobilização da opinião pública mundial. Os efeitos das mudanças climáticas foram discutidos nos lares e nas ruas. Por isso, Besserman avalia que na reunião marcada para 2010, no México, os governantes estarão sob a pressão dos cidadãos de seus países para a produção de medidas concretas.


Renato Lessa comentou a criação de um espaço público internacional fora do controle das instituições de governo. O tema ambiental foi fixado na agenda de forma definitiva, independente dos ciclos eleitorais de cada país. ‘Isso dá alento à atividade política e à relevância da intervenção dos cidadãos na arena política’, afirmou. De sua parte, Claudio Bojunga avalia que a mobilização da opinião pública internacional marca o início de uma cidadania supranacional e internacional mundializada.


A crise financeira já acabou?


Outra questão discutida no Observatório foi a crise financeira que alcançou dimensões mundiais em 2008 e abalou 2009. Dines questionou se o processo ainda se prolongará em 2010. ‘A crise é muito mais profunda que os impactos no crescimento do PIB ano a ano e na taxa de emprego. Há desequilíbrios macroeconômicos fundamentais que permanecem sem que se vislumbre ainda qual seria a equação para a sua solução’, disse Sérgio Besserman.


Dines comentou que uma das ações empreendidas nos Estados Unidos para evitar a débâcle foi a não usual intervenção do Estado. Para Dines, o presidente Barack Obama caminha na direção de construir um Estado menos passivo. ‘Não há democracia possível sem a dimensão da política social – e nisto o Estado tem um papel insubstituível. E é fundamental em um país onde isso [a intervenção estatal] soe com anátema que seja posto na ordem do dia de maneira muito clara’, explicou Renato Lessa. ‘Há muita reação da sociedade americana com relação a isto. Não só por parte da direita conservadora, mas de uma ideologia muito antiga nos Estados Unidos de que `viver da ajuda alheia´ é uma coisa indigna.’


Ainda em relação às mudanças ocorridas nos Estados Unidos após a posse de Obama, Dines relembrou o fato de o presidente norte-americano ter dito que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ‘é o cara’. Bojunga destacou alguns fatores que aproximaram os dois países, como o crescimento do Brasil na diplomacia internacional e como liderança regional moderadora dos ânimos. O jornalista advertiu que a ‘grande novidade’ no cenário internacional é a China, mas o país asiático não tem tido destaque no noticiário. É o mais importante parceiro comercial do Brasil, o segundo mais importante do Peru e compra cobre do Chile, por exemplo. ‘Isso muda um pouco o nosso xadrez. A gente não tem mais aquela dependência que o México ainda tem – e isto é um fato novo. `O cara´ é um pouco `o cara´ que está na crista desta onda’, disse.


Censura prévia


No panorama nacional, Dines chamou a atenção para o grande número de casos de corrupção e para o aumento da sensação de impunidade. Outro fato discutido foi a atuação do Judiciário. ‘A judicialização da vida pública brasileira reflete a demissão, a omissão e a desmoralização do Legislativo brasileiro, que causa constrangimento e vergonha’, comentou Bojunga. Dines perguntou a avaliação dos participantes sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de manter a censura a O Estado de S.Paulo, classificada pelo jornalista como uma distorção. Há mais de 140 dias o jornal está proibido de veicular informações obtidas pela Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, sobre o empresário Fernando Sarney, filho do senador José Sarney (PMDB-AP).


Para Sérgio Besserman, a Constituição brasileira deveria ser clara o suficiente para o assunto não ser controverso. ‘A melhor maneira de corrigir os excessos que ocasionalmente possam ser cometidos no exercício da liberdade de imprensa é com mais liberdade de imprensa, e que se penalize ocasionais atos de irresponsabilidade’, disse. Bojunga prestou uma homenagem ao voto proferido pelo ministro Celso de Mello. Na sessão que julgou a censura ao jornal, o ministro ressaltou a importância da liberdade de imprensa e taxou a decisão como ‘absurdo histórico’.


Bojunga sublinhou que o artigo 220 da Constituição diz claramente que não se pode causar embaraço à atividade da imprensa. ‘Essa decisão com relação ao Estadão é inédita. Ela é de uma bizarria institucional total e é um péssimo sinal’, afirmou Renato Lessa. O cientista social disse estar preocupado, mas não acredita que a liberdade de imprensa esteja ameaçada no plano imediato. ‘É uma porta aberta para outras iniciativas desta natureza’, avaliou. Mobilizados por interesses políticos eventualmente expostos pela imprensa, é possível que outros cidadãos possam promover o mesmo tipo de ação.


Para Renato Lessa, um país como o Brasil – com milhões de eleitores e com uma vida social muito ativa – deveria ter mais veículos de imprensa. Este fator contribui para ameaçar a liberdade de expressão. ‘Isso não justifica nenhuma medida política ou jurídica que cerceie este ou aquele veículo. Mas há uma dinâmica na imprensa que fez com que perdêssemos a pluralidade de jornais que nós tínhamos’, criticou.


Lessa destacou que há cerca de 30 anos circulavam no Rio de Janeiro mais de 30 jornais. Atualmente capitais importantes têm apenas veículos regionais, com cobertura nacional ‘medíocre’ e internacional insignificante. ‘Eu tenho a sensação de que a imprensa, sobretudo os jornais, está perdendo a corrida pela informação e para a formação de um público minimamente atento à vida pública. Portanto, fica vulnerável a este tipo de solicitação política feita ao Judiciário’, avaliou.


Estadistas e aloprados


O Observatório discutiu também a presença de ‘aloprados’ no cenário político nacional e internacional. Sérgio Besserman ressaltou que há uma carência de dirigentes políticos que possam ser chamados de estadistas, com o perfil de Winston Churchill, primeiro ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. ‘Este contraste entre dirigentes que se emocionam muito com questões pequenas de seus países, mas incapazes de apresentar propostas, e a demanda que a sociedade global hoje tem por soluções para problemas grandes que estamos todos vendo, é muito interessante e vai continuar aparecendo sucessivas vezes em 2010’, disse.


A qualidade da liderança política está em processo de descrédito em várias sociedades, na avaliação de Renato Lessa. ‘A política ganha cada vez mais foro de espetáculo, de exposição pessoal, biográfica’, ressaltou. O premiê italiano Silvio Berlusconi e o presidente francês Nicolas Sarkozy são exemplos de políticos midiáticos com grande popularidade. O cientista social ponderou que quando o presidente Lula deixar o poder, a população corre o risco de cair em um ‘vácuo de precipitação pessoal’. As alternativas pós-Lula não têm o mesmo carisma do atual presidente.


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Para onde vamos?


Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 533, exibido em 22/12/2009


Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.


Embora a nossa Corte Suprema tenha estipulado que jornalismo não é profissão, preferimos o entendimento de Hipólito da Costa que, em junho de 1808, enxergou os ‘redatores das folhas públicas’ como cidadãos ainda mais úteis do que os demais porque apresentam os fatos do momento, as reflexões sobre o passado e ‘as sólidas conjecturas sobre o futuro’.


No último programa de 2008, com o aval do patrono da nossa imprensa, sem bolas de cristal ou búzios, acrescentamos ao rol de atribuições dos jornalistas a tarefa de desdobrar os fatos de hoje até chegarem ao amanhã. Com os mesmos convidados e idêntica disposição jornalística, um ano e seis dias depois, vamos avaliar o que aconteceu e conjecturar (ou inferir ou presumir) as tendências ora em gestação.


Nossa tarefa no ano passado foi facilitada por dois fatos decisivos, cruciais, ocorridos pouco antes. Não seria difícil prever que a quebra de grandes instituições financeiras em Wall Street e a vitória de Barack Obama produziriam fortes alterações no cenário econômico americano, internacional e também brasileiro. Fomos prudentes ao concluir que a crise financeira será atenuada no Brasil, porém fomos mais longe no exercício prospectivo ao imaginar o declínio do capitalismo irreal, desregulado e delirante.


Neste contexto era inevitável mencionar um estado mais presente e lembrar o presidente Franklin Roosevelt e o seu New Deal progressista dos anos 1930, que Barack Obama não poderia ignorar quando assumisse.


Duas efemérides nos espreitavam: os 70 anos do início da Segunda Guerra Mundial nos empurrou para o conjunto de fenômenos responsáveis pela maior catástrofe produzida pela humanidade (ou desumanidade) nos últimos 500 anos e ainda não superados. Daí foi um passo para falar nos ‘aloprados’ políticos e nos fantasmas do fanatismo e da intolerância disfarçados atrás das religiões, todas as religiões.


A segunda efeméride também relacionou-se com a Segunda Guerra: os 20 anos da queda do Muro de Berlim deveria marcar o fim da Guerra Fria mas serviu para exibir os perigos do pensamento único.


Outra herança da Segunda Guerra Mundial foi positiva: a criação da Comunidade do Carvão e do Aço que acabou com as guerras no coração do Velho Mundo e desaguou na criação da União Européia, primeira federação supranacional da história da humanidade. Porém aqui, no Novo Mundo, este modelo de integração não ‘pegou’ e só conseguirá decolar quando os caudilhos sossegarem.


Óbvio, não poderíamos esquecer a mídia e especialmente a imprensa. A crise que a assola já dura duas décadas e, na realidade, é uma crise de identidade estimulada pela explosão das novas tecnologias e pela concentração empresarial. Uma imprensa pouco diversificada não avança e não promove avanços.


O que nos espera em 2010 – mais do mesmo? Muito mais, certamente, os processos não se interrompem, só tendem a encorpar e algumas circunstâncias de ontem, hoje são mais agudas e prementes. Hora de perguntar: para onde vamos?

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Jornalista