Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Reportagem, urgente

O noticiário sobre a escolha do novo papa é de doer de ruim. Os jornais estão perdidos entre milhares de bobagens de agências e chavões de redatores. Sem contar com os serviços online, que chutam vergonhosamente. Quem mandou economizar correspondentes em Roma e no Vaticano?


Há na imprensa um embananamento em torno de rótulos, como ‘conservador’, ‘liberal’ e ‘progressista’. Se, algum dia, alguém soube o que essas palavras significavam, agora, com certeza, não há mais ninguém.


Há centenas de questões já expostas ao pensamento e à ação dos cardeais, do aborto ao sincretismo litúrgico na África. Mesmo assim, a simples colagem de opiniões só conduziria o leitor ao inefável terreno da ‘cascata’ porque não conseguiremos apontar quais os temas prioritários para os cardeais.


Nós, jornalistas, ainda não nos esforçamos em captar os temas sobre os quais os eleitores do sucessor de João Paulo II podem refletir. Da exposição desses temas nascerá o perfil do futuro papa. Qual a questão a reunir mais cardeais nessa escolha? Eis a pauta, que não pode ser cumprida com agências internacionais e achismo.


Na eleição de Karol Wojtyla ficou clara a preocupação no Vaticano de que a Teologia da Libertação, nascida sob Paulo VI, rompesse com a unidade da Igreja. Houve um embate nada discreto entre os cardeais Giuseppe Siri e Giovanni Benelli. Rolaram lances incríveis, incluindo uma discutível entrevista antecipada de Siri.


O conflito era tão forte que o cardeal Joseph Ratzinger chegou a dar entrevista a um jornal alemão na qual manifestava seu temor diante do avanço esquerdista na Igreja. A divisão estava feia e existia um foco de discórdia definido. Os cardeais acabaram escolhendo a unidade e a ortodoxia, votando em Wojtyla. Talvez não contassem com o carisma e a longevidade dele, mas isso é outra história.


Sem lugares-comuns


Hoje, as tendências entre os cardeais devem ser outras, até porque, entre um conclave e outro, o clero sentiu o peso da mão da Cúria Romana, talvez até mais papista do que João Paulo II. Portanto, está na hora de parar com essa bobagem de rotular o cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes. Outra bobagem é a hipótese de dom Cláudio ser favorito porque foi simpático ao sindicalismo do ABC. Ah, é? Quer dizer que o arcebispo de Milão, dom Dionigi Tettamanzi, é favorito porque apoiou as manifestações contra o G-8? Então, os idosos cardeais estão empenhados em um campeonato por pontos corridos contra o capitalismo? É ruim, hein? A citação de biografias improvisadas, sem a menor consideração histórica, leva a conclusões tão importantes quanto a cor do cavalo de Napoleão.


Não tenho a mais remota simpatia por cardeais e bispos. Só confesso minha condição de ex-corintiano, mas minhas preferências não interessam, assim como também nada significam as pérolas de achismo dos encarregados desse noticiário. O importante é que algum coleguinha mostre competência em uma reportagem sobre a escolha do papa. É um esforço que exige conhecimento do assunto, fontes cultivadas e descarte imediato de lugares-comuns e rótulos.


Não é legítimo, porém, exigir o impossível. Se há dificuldades em contar com gente especializada na Itália, que se enviem repórteres daqui. De cabeça, poderia citar uns seis, só em São Paulo. Se essa providência custa muito caro, existe uma alternativa: reduzir o espaço dedicado ao tema porque não temos o que dizer.

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Jornalista