Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Sotaque catarinense de enviados nada especiais

Não é exagero dizer que milhares de jornalistas se acotovelam nas ruas da Alemanha caçando notícias para a cobertura da Copa do Mundo. Do Brasil, centenas de profissionais afivelaram suas malas e cruzaram o Atlântico atrás da redondinha. De Santa Catarina quase ninguém foi, mesmo o estado se gabando de ser o mais alemão do país… Para não dizer que a imprensa catarinense deixou de cobrir a Copa, dois nomes conhecidos da imprensa local se deslocaram para a Europa: Roberto Alves, comentarista esportivo de rádio e TV e colunista do Diário Catarinense, e Cacau Menezes, colunista social do mesmo jornal.


Desde domingo (4/6) os dois abastecem os veículos do grupo com o que se espera que seja uma cobertura com sotaque catarinense. Entretanto, a se julgar pelo material que vêm mandando para os telejornais locais e para suas colunas, o público vai sofrer. Provincianismo, amadorismo e deslumbramento gratuito permeiam falas e textos dos enviados, nada especiais.


Antes de embarcar para a Alemanha, Cacau Menezes despediu-se dos colegas de trabalho com um texto em sua coluna diária. Lembrou que na Copa anterior se sentiu injustiçado por não ter sido convocado para a cobertura. ‘Sem mover um palito, fui chamado, agora (…) Surpreso? Não. Trabalhei para isso’. Mesmo não sendo repórter da área nem especializado no tema, o colunista foi chamado e, nitidamente agradecido, prometeu empenho aos colegas que ficaram. Ainda em 3 de junho, Roberto Alves não deixou por menos: ‘Vamos na certeza de fazer o melhor, trazendo a visão de SC na Copa’.


Palavras, palavras


Devidamente instalada em terras germânicas, a dupla passou a fazer das suas. Cacau ‘deu sorte’ e encontrou na fila de credenciamento algumas celebridades do esporte bretão. O ex-técnico argentino Cesar Luiz Menotti e o craque do Barcelona Samuel Eto’o. Gostou do primeiro, mas torceu o nariz para o segundo. ‘Eto’o é extramente mascarado. Não falou com ninguém, não olhou pra ninguém, sequer devolveu os cumprimentos. Quando muito deixou que eu o fotografasse. Parecia um rei’ (DC, 5/6). Mas uma pergunta me assalta: Por que Eto’o deveria demonstrar tanta simpatia, se não conhece o colunista?


Roberto Alves relatou sua chegada a Frankfurt. ‘Já encaramos um desafio desta monta, e esta será mais uma cobertura diferenciada. Nos preparamos para isso’. Acho que não. Em uma de suas participações no Jornal do Almoço, na TV, o jornalista mostrava um show popular com dançarinas brasileiras. Roberto Alves estendeu um microfone para uma anônima e perguntou: ‘O que você está achando?’. A entrevistada respondeu em alemão, e o repórter arregalou os dois olhos. Ele retorquiu num inglês macarrônico: ‘Beautifol, não?’ A entrevistada falou mais algumas frases e Roberto Alves voltou-se para a câmera e chamou o estúdio. Isso é que é preparo: vai à Alemanha sem falar alemão nem inglês.


Detalhes eloqüentes


No terceiro dia em Königstein, Roberto Alves não pôde mais se conter: ‘Estou me sentindo poderoso. Por onde passamos, com traje de cor amarela, com Brasil escrito, é uma correria. Autógrafos? Estou começando a ficar cansado’. Subiu à cabeça, rapidinho…


Mais contido, Cacau Menezes se limitou a cobrir o centro de imprensa em Munique. Conversa com jornalistas, mostra a construção de cenários de outras emissoras, focaliza crachás e plaquinhas nas portas. Detalhes realmente imprescindíveis…


Flagrante jornalístico…


Qual a distância entre jornalismo e tietagem? Para Cacau Menezes, pouco separa as duas coisas. Na edição de 7 de junho do Diário Catarinense, voltou a falar que deu sorte ao testemunhar a chegada do presidente da Fifa, Joseph Blatter, no centro de imprensa. Não se conteve desta vez e enviou uma foto do momento. Mesmo absolutamente desfocada, o DC reproduziu. Ê, beleza!


No dia 9, Cacau Menezes clicou o comentarista da Rede Globo e ex-jogador, Casagrande. Mas precisava ir até a Alemanha pra fazer isso?


No dia 11, clicou Galvão Bueno e Falcão almoçando. O estilo da fotografia pode ser chamado de flagrante-norturno-desfocado. O DC também publicou o registro.


Foi engano


Os enviados especiais da RBS de Santa Catarina não se dão por vencidos e sequer se envergonham das gafes que cometem por lá. Roberto Alves ouve a sirene da polícia e saca o passaporte e ensaia um ‘desculpe’ em alemão. Era engano. Cacau Menezes conta que cumprimentou a mãe do tenista Guga duas vezes, jurando que era Alice Kuerten. Também era engano.


Sério, raro, caro


Uma semana apenas de leitura das colunas desses profissionais na Europa é o bastante para se pensar do que depende uma boa cobertura internacional. O que os enviados estão produzindo de material especial? Qual o diferencial de seus colegas que por aqui acompanham as agências de notícias? Cadê o sotaque catarinense nas matérias? Por que só se resumem a cobrir o centro de imprensa e a movimentação dos demais jornalistas? Por que não entrevistam os jogadores nacionais ou de outras seleções? Que tipo de acréscimo seus trabalhos trazem aos suplementos esportivos veiculados diariamente por aqui? Houve planejamento?


Cobertura internacional é coisa séria. É coisa cara. E custa muito mais do que passagens aéreas e diárias em euro. Pode custar a credibilidade de jornais e jornalistas… Mandar enviados nada especiais pode custar muito, muito caro mesmo…

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Professor do curso de Comunicação Social – Jornalismo e do Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Itajaí; responsável pelo projeto Monitor de Mídia e integrante da Rede Nacional dos Observatórios de Imprensa (Renoi)