Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

TV de ‘primeira’, jornalismo de quinta

A emissora que quer ser, a qualquer custo, a primeira colocada em audiência, mostrou neste final de semana que não tem o mínimo escrúpulo para isso. O seqüestro ocorrido em Santo André (SP) só serviu para confirmar que os índices no Ibope são mais importantes que a dor das famílias envolvidas. Era notório que o desfecho seria trágico, ainda mais após longas 100 horas de uma não-negociação com a polícia.

No alto de sua prepotência e arrogância, a Rede Record fez dos seus telespectadores (sádicos) igualmente reféns de Lindemberg. Seus programas passaram a retratar o seqüestro como se fosse uma novela, alongando a pauta por horas intermináveis, mesmo que nenhum fato de relevância estivesse ocorrendo. Os dados do Ibope mostraram para a Rede Record que ela estava no ‘caminho certo’, no tal caminho da liderança que tanto se orgulhava de dizer que estava. Ao longo da semana, o matinal Hoje em Dia se transformou, de novo, em um programa sensacionalista e irresponsável. Pior que é só o Balanço Geral, uma versão famigerada do Aqui Agora (produção de 1991 do SBT), onde o apresentador, em linguagem popular, faz das tripas coração e só consegue chamar atenção na base da gritaria.

Ética não faz parte do dicionário

Após 100 horas, quando a polícia decidiu invadir o apartamento onde as jovens estavam, começaria a pior amostra de que tipo de jornalismo não se deve fazer. Totalmente apelativa, a Rede Record ficou por longas duas horas reprisando, à exaustão, as imagens da invasão do cativeiro, por parte dos policiais. Unicamente porque estava dando audiência. Tanta audiência que fez a emissora, na prévia, ultrapassar a Rede Globo na faixa das novelas das 18h e 19h, na base de um jornalismo cínico, irresponsável e carniceiro.

Tanto é verdade que no sábado (18/10), o Hoje em Dia, normalmente gravado, deu espaço a uma ‘edição especial’ que ficou baseada na repetição daquelas imagens que já eram do conhecimento de todo o público. Tudo em busca do Ibope. A emissora já tinha mostrado essa veia vulgar na cobertura (extensa) do assassinato da menina Isabella Nardoni e agora encontra em Eloá e em sua tragédia uma saída para retomar a vice-liderança perdida no país em agosto para o mais forte concorrente. À tarde, um novo ‘plantão’ foi ao ar. De novo, absolutamente nada. O que se viu foram as imagens de sempre, a gritaria de costume e o manual e a ética do jornalismo sendo rasgados em rede nacional, em nome da ‘informação’. A ética, a propósito, parece não fazer parte do dicionário da Rede Record. Seus apresentadores chutam para o alto esta palavra e parecem ficar contentes com seus altos índices, mesmo que sejam conseguidos à base de tragédias.

Caos midiático

Lindemberg se transformou numa celebridade de quinta linha, tal qual o jornalismo da emissora dos ‘bispos’. E não é de causar surpresa a atitude do canal 7 de São Paulo; afinal, ela é uma emissora que é sustentada por dízimos de seus fiéis. A Rede Record foi quem mais espetacularizou a notícia, fazendo da notícia um verdadeiro circo. Pergunta-se se o Ministério da Justiça ou o Ministério das Comunicações não irá fazer nada diante de tanto abuso de ‘poder’ por parte dos apresentadores/jornalistas da emissora.

Até o Estatuto da Criança e do Adolescente foi ignorado, ao exibirem imagens das reféns menores de idade. A Rede Record conseguiu provar que por enquanto está longe de ser uma emissora de primeira (mesmo não sabendo o que viria a ser este primeira). Mas, já conseguiu ser eleita a emissora de jornalismo de quinta categoria. Onde tem tragédia, pode-se ter uma certeza: lá estará a Rede Record. Justiça seja feita. Não foi apenas a Rede Record a única irresponsável no caso de Santo André. A Rede Globo e a Rede TV!, esta através de Sonia Abrão, deram espaço para que Lindemberg, durante o cativeiro, conseguisse dar entrevistas irresponsáveis e em momento inapropriado. Na Bandeirantes, José Luiz Datena pedia que o seqüestrador piscasse as luzes do seu apartamento caso estivesse assistindo o programa. Um verdadeiro caos midiático.

******

Jornalista, Rio de Janeiro, RJ