Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ubiratan Brasil

‘O jornalista americano Gay Talese desenvolveu múltiplas formas para fazer uma reportagem. Em Frank Sinatra Está Resfriado, por exemplo, para traçar o perfil do famoso cantor e ator, ele descobriu que a falta de cooperação da pessoa a ser retratada não importa muito – e o texto, publicado na edição de abril de 1966 da revista Esquire, tornou-se clássico por desvendar o personagem sob diversos ângulos, pois, na impossibilidade de entrevistar Sinatra, Talese ouviu dezenas de pessoas de alguma forma ligadas a ele que forneceram informações para um retrato sólido.

Já para escrever sobre a construção da ponte Verrazano-Narrows, que liga os distritos de Brooklin e Staten Island, em Nova York, Talese acompanhou a rotina dos operários, visitando o canteiro de obras mesmo em seus dias de folga, o que permitiu desenvolver uma rara intimidade com os entrevistados.

Esses textos são dois dos destaques de Fama e Anonimato (536 páginas, R$ 52), obra que a Companhia das Letras promete enviar hoje para as livrarias, aumentando sua coleção Jornalismo Literário. Sobre essas reportagens, que se tornaram referência de texto elegante e plenamente informativo, Talese respondeu, por fax, às seguintes perguntas do Estado.

Estado – É mais difícil escrever sobre pessoas anônimas do que sobre famosas?

Gay Talese – Não para mim. É mais desafiante escrever sobre ‘pessoas anônimas’, pois exige mais trabalho do autor, que ele escreva melhor, descreva melhor. Quando se escreve sobre uma pessoa famosa (estrela do cinema, etc.), o leitor tem um retrato em sua mente. Mas se o escritor está lidando com o que você chamou de ‘pessoas anônimas’, então necessita apresentar essas figuras da forma que um romancista faria. É preciso fazer um retrato em palavras. É preciso descobrir uma forma de delinear o ‘anônimo’ de tal forma que o leitor possa visualizá-lo. Em meu texto, você pode encontrar uma escrita ‘visual’, ‘cenas’ e ‘cenários’ que são ferramentas típicas de um romancista mas que emprego para escrever não-ficção, muito particularmente sobre ‘anônimos’. Além disso, romancistas e dramaturgos estão sempre escrevendo sobre ‘anônimos’, dão-lhes nomes e descrevem seus maneirismos, usando técnicas que dão ‘vida’ a essas pessoas.

O grande dramaturgo Arthur Miller, em A Morte do Caixeiro Viajante, retrata um ‘anônimo’, Willy Loman, que adquire vida na linguagem do mundo da literatura. Sei que não é simples emparelhar um grande escritor como Miller, mas vale o esforço, em não-ficção, de observar os mestres como inspiração.

Em Fama e Anonimato, note Sr. Má Notícia. Esse escritor de obituário (Alden Whitman) é um ‘personagem’. Sim, ele tem um nome. Mas o que importa? O que importa é como a história é escrita, concebida, descrita. Também, observe a cena de abertura de O Perdedor (Floyd Patterson). Não é preciso saber sobre quem se trata (Patterson) para apreciar o artigo. É sobre o fracasso, perseverança, que são temas humanos. E também em meu trabalho sobre famosos (Sinatra), você nota que o texto é construído a partir de ‘anônimos’ – o assessor de imprensa de Sinatra, seus companheiros de bebida, a senhora que carrega suas perucas em uma mochila…

Estado – O escândalo Jayson Blair, repórter que encheu páginas do The New York Times com matérias inventadas, pode significar um afastamento das atuais redações dos preceitos do chamado ‘Novo Jornalismo’?

Talese – Ele não é parte do ‘novo’ nem do ‘velho’ jornalismo. Ele é a incorporação da fraude. Sempre insisti que não sou um ‘novo’ jornalista, pois não gosto do termo (embora Tom Wolfe não pretendesse me insultar quando me associou a ele). Penso que o jornalismo pode ser criativo sem confiar em mentiras para parecer interessante. Sou criativo na forma como organizo uma história. Pesquiso com precisão e, quando surge tempo para preparar minha pesquisa, faço a fim de (espero) estimular o interesse do leitor. Novamente, observe como o texto sobre Sinatra é organizado, assim como o sobre DiMaggio e todos os artigos de Fama e Anonimato – não há mentiras nesse livro, nem desvios ou diálogos inventados, ou preguiça (como a de Jayson Blair) que afasta a confiabilidade.

Estado – Você teve alguma dificuldade para virar o espelho para si e analisar o próprio trabalho?

Talese – Sim, no livro que escrevo agora (e que ficará pronto até o meio do ano) é uma reflexão sobre mim mesmo como escritor, como pesquisador e como uma pessoa cuja curiosidade desencaminha, que me leva distante do lugar que previa como ponto de chegada. Ou seja, é a ‘viagem’ que é satisfatória, não o ponto de saída ou chegada. Não tenho título para o próximo livro, mas é um relato (pessoal) da minha odisséia através da segunda metade do século 20 – do pós-guerra dos anos 1950 até chegar ao século 21 e se ocupa dos temas principais da minha vida, apesar de a história ser contada por meio de ‘pessoas anônimas’.

Estado – Em recente entrevista ao Estado, o historiador inglês Peter Burke disse que o terrorismo produz o drama consumido pela televisão. O que você pensa disso?

Talese – Essa questão provoca outra, irrespondível: o que é terrorismo?

Chamar alguém de terrorista é presumir que todos vêem coisas de forma similar. Nós, nos Estados Unidos, tachamos muitos de nossos inimigos de ‘terroristas’, ao passo que muitos desses inimigos nos vêem, americanos, também como ‘terroristas’. No Iraque, por exemplo, muitos cidadãos odeiam os Estados Unidos, especialmente seus pilotos militares e atiradores que invadem cidades e destroem pessoas inocentes – incluindo pessoas que estão defendendo meramente sua pátria (ou tentando) contra invasores estrangeiros e ocupadores nada bem-vindos. A história é escrita pelos vitoriosos, diz o provérbio. E há líderes apontados como ‘criminosos de guerra’, mas quem define isso? – as pessoas que ditam as regras, é claro. O secretário americana da Defesa, Donald Rumsfeld, apontou certas pessoas como ‘terroristas’, mas há estrangeiros que o vêem (assim como seus colegas do Pentágono, do Departamento de Estado e do Salão Oval) tão terrorista quanto.

É uma questão de várias faces.

Estado – Como você analisa a imprensa americana na era Bush?

Talese – Sou um tanto crítico com a imprensa. Acredito que ela foi ‘enganada’ pela administração Bush, em parte porque, como conseqüência do 11 de setembro, uma onda de patriotismo varreu a nação (e as empresas de comunicação) pela qual todos eram suscetíveis de ser ‘não-americano’ ou ‘não-patriota’ e isso desencorajou a crítica pública sobre a campanha presidencial ‘antiterrorista’ de Bush. Quando a mídia se ‘encaixou’ com as tropas americanas no início da guerra do Iraque, um ano atrás, a imprensa quase se transformou em assessora do Pentágono. A mídia nunca questionou Bush sntes, como deveria ter feito, sobre sua presunção de que havia ‘armas de destruição em massa’ no Iraque. A imprensa deveria ter provado, antes do ataque, se havia real evidência dessas armas. Mas, ai de mim!, a imprensa acompanhou Bush e tornou-se culpada por enganar os americanos. A morte de dezenas de soldados poderia ser evitada. Sempre fui contrário à política administrativa de Bush em invadir o Iraque sozinho e aqui deixo meu ponto de vista.’



Luciano Trigo

‘O repórter que ainda vai às ruas’, copyright O Globo, 25/04/04

‘Gay Talese, 72 anos, costuma ser identificado como um dos criadores do Novo Jornalismo, por conta dos perfis de famosos e anônimos que publicou na revista ‘Esquire’ nos anos 60, e das grandes reportagens em forma de livro que escreveu desde então, como ‘A mulher do próximo’, sobre a revolução sexual nos Estados Unidos, ou ‘O reino e o poder’, uma história dos bastidores do ‘The New York Times’.

Mas a verdade é que ele nunca se sentiu à vontade com essa suposta e imposta paternidade. Isso porque Talese considera que não havia nada de novo no Novo Jornalismo. O que ele mais preza em seu próprio trabalho – a apuração rigorosa, a pesquisa exaustiva e o persistente trabalho de campo – sempre foram requisitos para um bom texto jornalístico, velho ou novo. O que Talese e seus colegas Tom Wolfe, Norman Mailer e Truman Capote fizeram foi conciliar esse rigor profissional com recursos narrativos tradicionalmente da ficção, dando um tratamento artístico a histórias e personagens verdadeiros.

Aqueles perfis da ‘Esquire’ – sobre Frank Sinatra, Joe DiMaggio, Peter O’Toole e o redator de obituários do ‘Times’, o Sr. Más Notícias – e outros textos do início da carreira de Talese foram reunidos na edição brasileira de ‘Fama e anonimato’, que a Companhia das Letras está lançando. Neste livro, Talese proporciona aos leitores a agradável ilusão da intimidade. Tão informativos quanto sedutores, esses artigos são retratos das almas de seus personagens, e por isso conservam sua atualidade 30 ou 40 anos após terem sido escritos.

Filho de imigrantes italianos, Talese herdou da mãe, uma dona de butique, a paciência para ouvir as pessoas e conquistar sua confiança – e suas confidências mais íntimas. Começou a burilar seu estilo na editoria de esportes do ‘The New York Times’, de onde saiu em 1963 para trabalhar na revista ‘Esquire’, onde tinha ampla liberdade para experimentar métodos literários em suas reportagens. Foi assim que ele passou um mês e gastou mais de US$ 5 mil da revista tentando entrevistar Frank Sinatra sem sucesso, o que não impediu que ele escrevesse um de seus perfis mais famosos, o já clássico ‘Frank Sinatra está resfriado’.

Para escrever os textos reunidos em ‘Fama e anonimato’, Talese nunca usou gravador, e usou o telefone pouquíssimas vezes. Para ele, mais importante que citar literalmente as falas de seus personagens é captá-los em situações cotidianas mas reveladoras, penetrar na essência de seu pensamento, decifrar sua personalidade e seu caráter. Em outras palavras, mostrar o lado comum de celebridades, e o lado incomum dos anônimos que se encontram pela rua.

Diferentemente de Wolfe, Capote e Mailer, Talese nunca sentiu necessidade de saltar do jornalismo para a ficção. Seu próximo livro, ansiosamente aguardado, será autobiográfico, misturando suas próprias experiências como repórter, as lembranças de sua infância como filho de imigrantes, sua herança cultural italiana e personagens reais como John Bobbitt, uma misteriosa mulher chinesa e um xerife racista do Alabama – todos interagindo com a visão que Talese desenvolveu sobre a América, entre 1950 e 2000.

‘Fama e anonimato’ já tinha sido publicado no Brasil em 1973, com o título ‘Aos olhos da multidão’. A nova edição é enriquecida por um novo prefácio e mais dois textos – ‘Na ponte’, em que Talese relata sua volta à Ponte Verrazano-Narrows, cuja construção acompanhara 40 anos antes, e ‘Como não entrevistar Frank Sinatra’, em que conta sua epopéia para não entrevistar A Voz. Além do posfácio do jornalista brasileiro Humberto Werneck, cujo título, ‘A arte de sujar os sapatos’, sintetiza bem a receita de sucesso de Gay Talese: o bom jornalismo só se faz indo às ruas.

O que é melhor, escrever sobre famosos ou anônimos?

GAY TALESE: Não faz diferença. O que importa é escrever bem, escrever com clareza, escrever de forma completa e convincente. Quem leu ‘Fama e anonimato’ sabe que escrevo igualmente sobre pessoas obscuras e sobre celebridades. E mesmo quando eu escrevo sobre gente famosa, como Frank Sinatra, eu conto sua história também do ponto de vista de pessoas anônimas – seus empregados, seu filho, as amigas de suas filhas etc. Minha abordagem é semelhante em tudo que escrevo. O perfil do lutador ‘perdedor’, Floyd Patterson, não se baseia no fato de ele ser famoso ou bem-sucedido. Hoje ele é uma figura que pertence ao passado, mas mesmo agora, 40 anos depois de eu o ter visto lutar, pode-se ler sua história e considerá-la fluente, agradável e perfeitamente compreensível… É como se eu tivesse inventado a história, como um ficcionista faz nos seus contos, ou um dramaturgo na encenação de uma peça.

É difícil conciliar a criatividade com as exigências de um texto jornalístico, como a pesquisa exaustiva que o senhor sempre faz para escrever um livro?

TALESE: O importante é a abordagem. Escritores de não-ficção, como eu, jamais devem se permitir liberdades em relação aos fatos, mas podemos ser inventivos na maneira como abordamos a história. Sobre a pesquisa que faço, exaustiva ou não, eu diria que ela é o fundamento de meu trabalho. Na minha experiência como escritor de não-ficção, eu escavo bem profundamente, de forma a dispor de várias alternativas mais tarde, quando for escrever; muitos caminhos, desvios e atalhos para escolher. Sei que, quanto mais fundo eu cavar, mais espaço terei para me mover de forma livre e criativa.

As origens italianas de sua família afetaram de alguma forma sua visão do mundo e das pessoas?

TALESE: Sem dúvida, eu fui influenciado pela minha origem ítalo-americana. Minhas raízes italianas se manifestam em tudo que escrevo. Eu sempre vejo as coisas de vários ângulos, e trabalho com muitos personagens, para ter uma visão mais abrangente do assunto em questão. Todos os meus livros são assim: ‘O reino e o poder’, ‘A mulher do próximo’, ‘Unto the sons’… E isso também se aplica aos meus textos curtos, como os de ‘A ponte’, que integram a edição brasileira de ‘Fama e anonimato’. Veja os artigos sobre DiMaggio, Sinatra, Joe Louis etc. Pode-se dizer que esta minha ‘visão prismática’ é algo bastante comum entre os italianos. Uma vez li um romance histórico de Peter Nichols sobre o cardeal italiano Fabrizio Ruffo, um clérigo militante que era leal à monarquia espanhola dos Bourbons em Nápoles e liderou, no fim do século XVIII, uma revolta popular contra as forças invasoras de Napoleão. Um dos personagens do livro lamenta, a certa altura: ‘Nós, italianos, já sofremos o bastante por sermos capazes de enxergar os diversos lados das coisas ao mesmo tempo’.

Que outras influências o senhor sofreu?

TALESE Além do meu temperamento italiano, alguns escritores me influenciaram, como Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald, com certeza. Entre os dois, eu preferia o estilo de Fitzgerald, que era mais fluente e romântico, muito embora, como você pode argumentar, eu me refira a Hemingway em meu artigo sobre DiMaggio.

O senhor é considerado um dos criadores do Novo Jornalismo, mas parece não gostar muito disso. Por quê?

TALESE: Qual é a definição de Novo Jornalismo? Eu não concordo com a expressão. O que ele tem de novo? Nada, eu suponho. De que se trata, então? De contar histórias sobre pessoas e lugares da forma mais verdadeira possível, e usando como técnica os métodos narrativos dos grandes escritores de ficção – como os já mencionados Hemingway e Fitzgerald, mas também Gabriel García Márquez, Tolstoi, Marcel Proust e outros mestres da prosa permanente.

O Novo Jornalismo exerceu uma boa influência sobre as novas gerações de jornalistas?

TALESE: Há um outro motivo para a minha circunspecção em relação ao Novo Jornalismo. Eu receio que muitos escritores jovens tenham adotado esse termo como uma justificativa para se tornarem repórteres preguiçosos e displicentes em relação aos fatos. Eles tentaram compensar isso esforçando-se para chamar a atenção para o estilo de seus textos. Por exemplo, Tom Wolfe é um escritor muito exibido, mas é também um grande pesquisador. Como eu, ele leva anos para escrever um livro, seja de ficção, como ‘Um homem por inteiro’, seja de não-ficção, como ‘Os eleitos’. Ele só escreve depois de fazer uma pesquisa completa e rigorosa. No entanto, muitos admiradores jovens de Tom Wolfe se deixam fascinar pelo seu estilo, e tentam copiá-lo, mas desprezando o fato de que a sua obra é solidamente construída a partir de sua pesquisa, de sua dedicação ao trabalho de campo, de sua disposição para fazer incontáveis entrevistas, e da determinação que o leva aonde for preciso ir para conhecer melhor o assunto sobre o qual irá escrever.

Que perfis publicados em ‘Fama e anonimato’ são mais representativos do seu estilo como jornalista?

TALESE: O perfil que publiquei na revista ‘Esquire’ sobre o Sr. Más Notícias é um exemplo de como se pode escrever de forma interessante, informativa e criativa sobre uma pessoa – mesmo que se trate de alguém não famoso. O artigo sobre Sinatra é um exemplo de algo diferente: de que não é preciso conversar pessoalmente com Sinatra para se escrever bem sobre ele. Você pode cercá-lo pelas beiradas, como eu fiz, e descrevê-lo à distância. Mas, para fazer isso, é preciso ter habilidade para descrever o mundo em volta dele, trazendo para a compreensão do texto o impacto que Sinatra tem sobre o mundo que o cerca. Eu acho que consegui fazer isso naquele artigo, e espero que você concorde comigo.’



Cassiano Elek Machado

‘‘Picasso’ da reportagem, Gay Talese desafia não-ficção’, copyright Folha de S. Paulo, 22/04/04

‘De todos esses seres que andam por aí enfiando microfones, gravadores e bloquinhos de anotações na cara dos passantes ele é indubitavelmente dos maiorais. Gay Talese fazendo reportagens é Picasso com suas tintas, Ferrari de tanque cheio -só que melhor.

São algumas de suas façanhas: ter feito de um simples conjunto de vírus instalados na garganta de Frank Sinatra o resfriado mais famoso da história; descrever os nova-iorquinos como um bando que consumia 34 km de fio dental todos os dias; fazer da construção de uma ponte no Estado de Nova York uma obra tão épica quanto a da pirâmide de Gizé.

Essas e outras pencas de lições clássicas do que se convencionou chamar ‘new journalism’, o novo jornalismo, foram reunidas por Talese no livro ‘Fame and Obscurity’. Veteranos-apaixonados-pelo-jornalismo-com-status-literário e não tão veteranos assim, mas fuçadores-de-sebo-apaixonados-por-jornalismo-com-status-literário já cruzaram com essas reportagens, em português, no velho volume de capa alaranjada ‘Aos Olhos da Multidão’, que a editora Expressão e Cultura lançou aqui em 1973.

Todos os outros, e aqueles dispostos a reler histórias como ‘Frank Sinatra Está Resfriado’ em uma tradução mais bem-acabada, agora contam com uma nova edição do livro, rebatizado com seu título original, ‘Fama e Anonimato’, que a Companhia das Letras publica em sua coleção Jornalismo Literário.

Com 71 anos, o norte-americano da pequenina cidade de Ocean City olha para essas reportagens que ele colheu nas ruas de Nova York nos anos 60 como o velho alfaiate examinando um terno impecável no armário -e pronto para começar mais um paletó.

‘Uso hoje em dia as mesmas ferramentas de 50 anos atrás, quando era um ‘foca’. Vou para as ruas, encontro com as pessoas sobre as quais quero escrever e circulo pelo ambiente em que elas vivem até saber o bastante’, conta Talese à Folha. ‘Aí escrevo, lustro e relustro cada frase, parágrafo por parágrafo’, complementa na entrevista feita por… fax. ‘Internet? Google? Não uso nada disso. Não confio na internet.’

Com seus métodos ‘velha-guarda’ -Talese critica até o uso de gravadores pelos repórteres-, o companheiro de ‘new journalism’ de Tom Wolfe, Truman Capote e outros se mostra em forma.de livros-lição do jornalismo artesanal, como ‘O Reino e o Poder’, de 1969 (sobre o ‘New York Times’, onde trabalhou por 12 anos), e ‘A Mulher do Próximo’, de 1980 (sobre a sexualidade americana dos anos 50 a 70), ambos lançados aqui pela Companhia das Letras, Talese ainda não trancou sua máquina de escrever.

A nova edição de ‘Fama e Anonimato’ traz dois exemplos disso, os inéditos ‘Na Ponte’, no qual o velho repórter volta para a Verrazano-Narrows, ponte que ‘biografara’ 40 anos antes, reportagem que publicou na revista ‘New Yorker’ em dezembro de 2002, e ‘Como Não Entrevistar Frank Sinatra’, texto do final dos anos 80 que serve como ‘making of’ do célebre perfil do cantor.

Talese, que diz à Folha estar para terminar entre julho e agosto seu próximo livro, projeto secreto que envolve do ‘decepado’ John Bobbitt a uma jogadora de futebol chinesa que perdeu um pênalti em 1999, afirma estar próximo de ‘elevar a um novo patamar os desafios da não-ficção’.

O escritor, que se autodefine como ‘artesão que prefere usar a mão e as agulhas do que a máquina de costurar’, diz que as velhas lições do que se chamava ‘novo jornalismo’ estão indo ao ralo.

O problema não seria apenas os ‘Jayson Blair’ (repórter que publicou histórias inventadas no ‘New York Times’), que Talese classifica de ‘o extremo da preguiça e desonra’. ‘Acho que a mídia tem sido muito acrítica com os líderes americanos desde 11 de Setembro. A injustificável ‘invasão’ do Iraque teria sido mais bem debatida se a mídia tivesse atuado com mais dureza com Bush, Rumsfeld e Rice antes.’

FAMA E ANONIMATO. Autor: Gay Talese. Tradutor: Luciano Vieira Machado. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 52 (536 págs.).’