Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um não cede, o outro recua


Durban – Resumo da ópera Dunga x Globo & Mídia em geral nesta terça-feira, 22 de junho de 2010: Dunga não vai ceder.


A seleção continuará fechada, focada nos termos em que Dunga e os jogadores decidiram, e o treinador não atenderá a apelos de quem quer que seja. O chamado ‘grupo’, a seleção brasileira, está pactuada com seu técnico.


Quem teve e tem acesso aos fatos, nada além de Sua Senhoria O Fato, conta:


– …o consenso interno é esse… Dunga não cederá, irá com sua filosofia até o final, dê no que der. Ele tem a convicção de que tem gente que quer detonar o trabalho dele e que não é hora para privilegiar ninguém.


Isso de um lado do cabo de guerra. De outro, as reações da Globo depois do episódio de domingo (20/6) entre Dunga e o comentarista Alex Escobar – narrado aqui, na segunda-feira, no post ‘Dunga divide e racha com a Globo, que reage’ [ver abaixo].


O editorial de domingo, lido no Fantástico pelo apresentador Tadeu Schmidt, foi redigido nos mais altos escalões do jornalismo da emissora.


A Globo, depois da reação inicial, decidiu dar o episódio por encerrado. Até que os fatos, ou os fados, a levem a voltar ao tema, trabalhará apenas nos bastidores.


A emissora entende que deve cobrir a Copa como se o episódio tivesse sido superado, deixando sempre clara sua torcida pela melhor performance do Brasil.


Boatos, boatos


A Globo leva em conta, para tomar essa decisão, o rumo da opinião pública, amplamente favorável a Dunga neste momento da Copa.


Mais ainda.


A emissora percebe claramente os riscos e não pretende se prestar ao papel – nem mesmo num plano secundário – de ‘vilã’ no caso de uma derrota. Se as coisas não caminharem bem para a seleção, entendem, que fique claro que a emissora nada fez além de jornalismo.


Insistir agora em críticas exacerbadas ao treinador seria, além de pouco produtivo, levar a Globo para uma posição de risco excessivo diante da opinião pública, sempre volúvel e sensível a quaisquer ventos em momentos de comoção.


Uma derrota e eliminação da seleção brasileira em Copa do Mundo é, sempre, um fator para comoções. Recordemos: Roberto Carlos até hoje paga pela célebre arrumada no meião no jogo contra a França em 2006, seja ele culpado ou não.


Barbosa, o goleiro de 1950, morreu meio século depois carregando a cruz da suposta falha no gol de Ghiggia na final contra o Uruguai. Para não irmos tão longe, fiquemos em 1998.


Até hoje prosperam boatos ridículos sobre a final França 3, Brasil 0. Um deles, sem pé nem cabeça, envolve imaginários interesses da Nike. Quem for aos comentários a esse texto, perceberá claramente como o boato ainda vive.


Outro boato, também em 1998, criou problemas para um profissional correto e sério da emissora, que chegou a receber ameaças após a derrota. Não volto ao núcleo da boataria de então para não reacender os mesmos apetites.


***


Dunga divide e racha com a Globo, que reage


Bob Fernandes


Reproduzido do blog do autor, 21/6/2010


Johannesburgo – Soccer City, caminho entre o estádio e as tendas da FIFA que abrigam o Centro de Mídia. Galvão Bueno, Arnaldo Cezar Coelho e o diretor da Central Globo de Esportes, Luiz Fernando Lima conversam, não escondem a irritação e nem se preocupam com quem passa ao lado e ouve. O alvo é o técnico da seleção brasileira, Dunga. Minutos antes, na coletiva pós Brasil x Costa do Marfim o técnico, numa dividida bem a seu estilo, deu na canela do comentarista Alex Escobar, da Globo.


Luiz Fernando Lima lembra as conversas recentes da emissora com Dunga, já na África do Sul:


– Falamos com ele duas vezes e ele não consegue entender que não é ‘a Globo’, ele está falando para todo o país…


Seguem as observações do grupo, sempre ferinas. Um deles chega a dizer:


– …e a única coisa que eu acho que ele aprendeu em quatro anos foi falar `conosco´ e não mais `com nós´ como sempre fez…


A cena do entrevero de Dunga para com Escobar pode ser vista aqui, no YouTube.


Poucas horas depois, no que pode ser o início de uma escalada, um dos apresentadores do programa, Tadeu Schmidt, da África para o Fantástico mandou uma reportagem sobre a rusga. Soou mais a um editorial da emissora.


Sem informações


Essa é, sem dúvida alguma, uma crise a rondar a seleção brasileira. Mas uma crise em tudo diferente das que envolvem a França e a Inglaterra, seleções que vivem crises internas, para dentro do elenco.


Anelka x o técnico Domenech, o capitão Evra contra o preparador físico, Zidane nos bastidores, sacodem a França. Até o presidente Sarkozy já palpitou. (De Carla Bruni ainda não ouvimos nada).


Na Inglaterra, o trivial básico: o ex-capitão Terry, que já derrubou Mourinho e Felipão no Chelsea, agora pôs a boca no trombone, e na mídia, contra o técnico italiano da seleção, Fabio Capello.


A crise que ronda o Brasil é uma crise para fora, que não envolve os jogadores. É uma crise de poder.


De um lado o poderoso sistema Globo, que carregou 300 profissionais para a África do Sul e quer um retorno para tanto. Em outras palavras, deseja o que querem os quase mil profissionais do Brasil que aqui estão: acesso. E quanto mais privilegiado, melhor.


Assim foi, assim é da índole e história da Globo, de emissora que no Brasil tenha a dimensão que ela tem.


O problema é que, na outra ponta, está Dunga, o Schwarzenegger. E como sabemos desde quando ele era o pitbull da seleção amarela, quando divide, o Dunga racha.


Está claro, cada dia mais claro, que secundado por quem ele confia e a quem tem como leais, casos de Jorginho e Taffarel, o técnico Dunga fechou um pacto com seus jogadores. De um lado ele, eles, do outro, o resto. Em especial a mídia e quem mais, dentro ou fora da seleção, não reze integralmente pela mesma cartilha.


Se há fissuras no chamado ‘grupo’ não se sabe; não se sabe mesmo, não existem informações concretas que levem a dizer isso. Estas coisas, que sempre existem em agrupamentos humanos, costumam aparecer, vide França e Inglaterra, quando pintam os fracassos.


Meio do caminho


No Tempo Dunga na seleção não há fracassos; salvo na Olimpíada da China, quando máquinas se moveram para derrubá-lo. Como não há fracassos, parece evidente que Dunga escolheu um caminho: vencer ou vencer.


Por mais que pareça rudimentar a lógica ‘ou está comigo ou contra mim’, o técnico da seleção já viveu e apanhou o suficiente para saber o que significa a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.


Dunga, que apanhou injustamente entre as Copas de 90 e 94, cuja família teve que suportar o marido, o pai, o filho a carregar por 4 anos a negativa marca da ‘Era Dunga’, certamente sabe o que alimenta contra si de rancor, de ressentimento, a cada bordoada que distribui.


Ele, que já me admitiu em 2007 não terem cicatrizado ainda as feridas da ‘Era Dunga’, obviamente sabe que está jogando a cartada mais arriscada de sua vida profissional. A de construir para si mesmo a alternativa ‘vencer ou vencer’.


Quando se decide por enfrentar a Globo, Dunga sabe que está encurtando seu caminho à frente da seleção brasileira, perca ou ganhe. Dunga sabe quais são e como se movem os interesses para a Copa 2014, e sabe quem maneja boa parte dos cordéis.


Nos idos da Copa América e Olimpíada, eventos que acompanhei, Dunga distribuiu fartamente bordoadas contra o sistema Globo. Durante e depois. Basta consultar os noticiários, capturar o que disse aqui e ali o técnico. São fatos.


Fato é, também, que depois disso tudo um acordo foi costurado. Com a participação do diretor de Comunicação da CBF, Rodrigo Paiva, encontraram-se o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, e um dos Marinho da Globo.


Selou-se, então, um acordo de paz, de convivência por conta dos mútuos interesses. Não por acaso duas entrevistas exclusivas ao Jornal Nacional na Copa das Confederações, não por acaso Dunga na bancada do Jornal Nacional depois da convocação para a Copa de agora.


Isso é inegável. São os fatos. Não há como negá-los.


Mas, havia, há um Dunga no meio do caminho. Com a mesma determinação que jogou em 94, que então protegeu Romário de si mesmo e do assédio da mídia, Dunga agora se fecha com seu grupo.


Ganhar e perder


A propósito, Romário, que não é bobo, sentiu o cheiro da crise e nesta terça-feira postou em seu twitter, @Romário11, as seguintes mensagens de apoio ao capitão do Tetra:


– Infelizmente sobrou pro Escobar (ele é gente boa e americano). Mas geral só gosta de bater, então apanhar um pouco faz bem!


– Parceiro ‘Dunga’, não perca o foco, vamos em frente e faltam 5 jogos!


Ao se fechar tanto, Dunga comete erros. Erros como o de enxergar e tratar a todos, sem distinção, como se fossem adversários, inimigos mesmo, e isso não é uma verdade.


Em algum momento Dunga perceberá, ou algum amigo lhe dirá, que não seria preciso tanto e contra todos. Nesta terça-feira, com a experiência de quem já viveu e enfrentou essa tsunami, Felipão Scolari aconselhou. A todos:


– Pelo bem da Seleção não adianta um dar um soco e o outro revidar, depois um dar um chute e o outro dar um chute também, porque, se não, nunca vão se entender…


Dunga, o Schwarzenegger, decidiu-se por pagar o preço, por queimar as caravelas. A ele e seu grupo só uma coisa importa. Vencer. Ganhar a Copa do Mundo. Custe o que custar.


O velho parceiro Romário, herói do Tetra a quem Dunga tanto deve e vice-versa, também nesta tarde postou em seu twitter:


– A gente já sabe o que vai acontecer. Se o Brasil ganhar é obrigação, se perder não vou querer estar na pele do Dunga…


 


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