Friday, 03 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Vazamentos no banco dos réus

Em reportagem de capa, a última edição de Veja (nº 1949, de 29/3/2006,
págs. 50-56) denuncia o assessor especial do agora ex-ministro Antonio Palocci,
Marcelo Netto, como autor do vazamento dos dados bancários do caseiro
Francenildo Costa. A nova versão contraria a deste Observador: a divulgação foi
obra da Polícia Federal (ver ‘PF queria pichar o Nildo, acabou pichada‘, neste
Observatório).


As duas versões não são conflitantes, convergem no essencial – o responsável
institucional foi o governo. E não chegam a divergir no âmbito operacional: os
documentos de Francenildo, inclusive o seu cartão de identificação como
correntista da Caixa Econômica Federal, foram por ele inocentemente entregues à
PF, que os repassou imediata e indevidamente à instituição financeira.


As duas repartições foram cúmplices na quebra do sigilo bancário e posterior
vazamento para a revista Época – um dos mais graves atentados aos
direitos políticos de um cidadão jamais perpetrados desde a
redemocratização.


O mais importante da denúncia da Veja não é o nome do vazador, mas o
fato do vazamento estar no banco dos réus. Milagre: a imprensa cumpre o seu
papel e começa a criticar a imprensa. Pela primeira
vez um veículo jornalístico denuncia os procedimentos do concorrente.


E isto se dá num terreno até agora severamente protegido por todos – o da
preservação do segredo da fonte. Acabou o pernicioso compadrio que desde 1998
tornou a imprensa brasileira refém dos arapongas e dos interesses escusos que os
financiam.


Mix de cores


Se, em maio de 2005, os jornais e revistas investigassem com rigor quem
financiou o arapongagem que resultou na inesquecível seqüência da propina na
sede dos Correios divulgada por Veja, a CPI poderia ter economizado um
tempo precioso, penetrado mais profundamente nos bastidores das trapaças
oficiais e, sobretudo, devassado aquela faixa de terra partilhada sem pudor na
capital federal por repórteres e espiões.


A informação sigilosa que aciona uma cuidada devassa jornalística é legítima,
deve ser protegida. Mas o ‘jornalismo fiteiro’ (com ou sem fitas, com ou sem
vídeos, com ou sem dossiês secretos), caracteriza-se pela preguiça em investigar
– recebe a informação pronta e a transcreve sem maiores verificações.


Com alguns anos de atraso e depois de servir-se profusamente de expedientes
não muito distintos, Veja resolveu iluminar os porões onde se maquinam
intrigas e se destroem reputações. Mas não se deteve para examinar a canhestra
matéria de Época montada segundo os mesmos cânones que transformaram
nossos coloridos semanários num mix da imprensa amarela e imprensa
marrom.


***


Na quarta feira (22/3), menos de um dia depois da publicação da matéria ‘PF
queria pichar o Nildo, acabou pichada’, este Observatório da Imprensa
recebeu o telefonema do agente federal Bruno Ramos que, na condição de Chefe da
Comunicação Social da Polícia Federal, desejava conversar com o seu autor.
Foi-lhe dito que o OI estava à sua disposição para publicar qualquer
comentário pessoal ou institucional, desde que assinado. Até o presente momento,
o zeloso comunicador social não se manifestou. Prefere a comunicação privada,
tipo ‘conversando a gente se entende’. Mas colegas seus foram incumbidos de
postar mensagens em blogs deste OI insinuando que ‘estamos observando o
observador’ [ver ‘O declínio da reportagem investigativa‘].