Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A imprensa comete um crime se crucificar Janot

(Foto: Agência Brasil – Wilson Dias)

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, 63 anos, agiu certo ao escrever o livro Nada menos que tudo e, com isso, tornar públicos fatos que até então não poderíamos sequer imaginar. Como o que aconteceu em 2017, quando, ainda ocupando o cargo de procurador-geral, foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) armado, com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes e depois cometer suicídio. Se ele não tivesse contado esse episódio, nunca saberíamos o que se passou.

Como era de se esperar diante de uma revelação tão impactante, os comentaristas políticos inundaram os noticiários com análises e teses de todos os tamanhos e conteúdos. Contudo, nossa responsabilidade como repórteres, nesse caso, é mais ampla do que a dos nossos colegas comentaristas. Se não procurarmos o que está escondido nos cantos escuros da história, nosso trabalho não terá serventia para o nosso leitor.

Sendo assim, vamos aos cantos escuros. Janot ocupou o cargo de procurador-geral da República de 2013 a 2017 e o desentendimento entre ele e o ministro Gilmar Mendes nasceu por conta da Operação Lava Jato e o caso do empresário Eike Batista. O episódio relatado pelo ex-procurador reforçou o que todos nós, repórteres, sabemos. A imprensa brasileira não tinha a mínima ideia do que ocorria nos bastidores da Lava Jato. Isso porque o nosso acesso aos fatos se restringia aos vazamentos de informações e às entrevistas coletivas. O episódio que Janot contou nas entrevistas publicadas na quinta-feira (27/9) pela revista Veja e que está detalhado no seu livro lança luzes sobre o que acontecia nos corredores da Procuradoria Geral da República (PGR) e no STF, em Brasília – há material sobre o assunto na internet. Lembro que muitos fatos que ocorreram na 13ª Vara da Justiça Federal, em Curitiba (PR), têm se tornado públicos pelo site The Intercept Brasil, que tem publicado mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram entre os procuradores federais da força-tarefa da Lava Jato e o então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública.

Portanto, para nós, repórteres, a história que o ex-procurador está contando é importante porque nos ajuda a entender o que acontecia entre as quatro paredes da Lava Jato. E isso tornará as nossas reportagens mais consistentes e relevantes para os nossos leitores.

Há outro canto escuro nessa história. É sobre a intenção de Janot de matar o ministro e depois se suicidar. Vou contar uma historinha. O foco da minha carreira de repórter é a cobertura de conflitos e investigação. Tenho feito isso há uns quarenta anos. E já vi coisa de que até “Deus duvida”, como afirma o dito popular. Lembro que, em 1987, agricultores sem terra haviam invadido a Fazenda Annoni, no interior do Rio Grande do Sul. Foram cercados por tropas da Brigada Militar (BM), a polícia militar gaúcha. Houve um confronto. Eu e um colega de um jornal paulista nos posicionamos em um lugar estratégico para testemunhar o enfrentamento. Ver crianças gritando no meio da confusão foi um espetáculo para quem tem estômago forte. Meu colega teve um ataque de nervos. Começou a tremer e a suar e não conseguia falar. Precisei de ajuda para contê-lo.

Em 2010, eu estava fazendo a cobertura de um atentado contra o senador paraguaio Robert Acevedo em Pedro Juan Caballero, cidade do Paraguai separada por uma avenida de Ponta Porã, no oeste do Mato Grosso do Sul. Dois seguranças do senador morreram no atentado. Conheço muito bem a região, um dos lugares mais violentos das fronteiras na América do Sul. Ali, escrevi parte do meu livro País bandido.

O atentado atraiu jornalistas de vários cantos do Brasil e do Paraguai. Durante a cobertura, encontrei um colega carioca. Nós fomos até um posto de combustível, que na realidade era um conhecido ponto de encontro de traficantes e contrabandistas, em busca de informações. Durante a conversa com uma fonte minha, um grupo de homens nos cercou e nos deu um calor. Eles queriam saber se éramos da Polícia Federal (PF). Estavam armados; aliás, muito bem armados. Foram uns dez minutos de conversa tensa. No final, não deu em nada. E, no fim da tarde, nós levamos nossos laptops para um boteco e começamos a redigir as reportagens. Foi quando meu amigo travou: o coração acelerou e ele começou a passar mal. Levou quase uma hora para voltar ao normal.

Já vi pessoas fazerem coisas estranhas sob tensão. Não sei se foi o caso de Janot. Mas sei que ele não é um bandido sanguinário. E o fato de ter vindo a público contar a sua história é bom para todo mundo. Inclusive para ele. É simples assim.

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Carlos Wagner é jornalista.