Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Um jornalista pioneiro da multimídia

Morreu neste domingo (19/5) em São Paulo, aos 81 anos, o jornalista Alberto Tamer. Em mais de 60 anos de carreira, da qual mais de meio século no jornal O Estado de S. Paulo, ele foi repórter, editorialista, correspondente internacional e colunista. Dois traços marcaram o seu perfil: o autodidatismo e a curiosidade excessiva. Essas características o acompanharam até os últimos dias no exercício da profissão. “Fui um autodidata em tudo”, disse ao Estado de S. Paulo em março de 2008.

Filho de pai libanês, nascido em Santos (SP), Tamer não cursou universidade. Aprendeu inglês por conta própria indo ao cinema e assistindo a duas sessões consecutivas do mesmo filme, como ele mesmo relatava. Na primeira, entendia a história e, na segunda, fechava os olhos e ouvia a pronúncia. Nos anos 1950, época em que eram raras as pessoas que falavam uma língua estrangeira, ele deduziu que, se soubesse inglês, teria mais oportunidades.

De fato, a oportunidade surgiu. Como sabia escrever bem, porque lia muito, seguiu para o jornalismo, depois de duas tentativas frustradas no vestibular para medicina. Começou no jornalismo pela Rádio Excelsior (SP) e pelo jornal O Tempo (SP), em 1952, cobrindo a área política e, em especial, o político Jânio Quadros.

Com o fechamento do jornal O Tempo, ele foi para o Correio Paulistano (SP), onde comandou a coluna política “Janela Aberta”. Depois, seguiu para a Folha da Noite (SP), também em política. Em janeiro de 1958, em plena lua de mel, foi demitido do jornal porque tinha sido o último repórter admitido pela editoria. A empresa sempre cortava os recém-contratados quando havia dissídio.

Desorientado, conseguiu, no final dos anos 1950, que o então presidente da Assembleia Legislativa, Abreu Sodré, o recomendasse para Julio Mesquita para uma vaga no jornal O Estado de S. Paulo, na área de economia. A vaga estava prevista para durar um mês, mas Tamer acabou ficando na empresa por 55 anos.

Na seção de economia trabalhou com César Costa, Robert Appy e Frederico Heller, este último editor e seu grande mestre do jornalismo econômico. Na época, a economia se resumia a alguns setores e o sistema financeiro praticamente não existia. Agricultura, em especial o café, era o destaque na geração de divisas para o País. O primeiro grande furo de reportagem de Tamer foi exatamente com o café. A informação saiu de uma reunião da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Persistente, ele foi o único repórter que acompanhou a reunião até o fim. O encontro concluiu que era mais econômico e importante usar adubação química no café. Foi uma verdadeira revolução na época porque as lavouras só usavam adubo animal.

Como primeiro repórter especial do Estadão, participou de vários assuntos de peso: cobriu todas as secas do Nordeste, foi a o primeiro repórter enviado à Amazônia, participou das campanhas contra o monopólio do petróleo e contra a reserva de mercado da informática.

Do material colhido nessas reportagens, Tamer escreveu cinco dos seus sete livros publicados: O mesmo Nordeste (1968); Nordeste até quando? (1968); Nordeste, os mesmos caminhos – reforma agrária afinal? (1972); Transamazônica, solução para 2001 (1970); e Petróleo, o preço da dependência (1980).

Petróleo

Desenvolvimento regional, petróleo e mercado financeiro foram os temas abordados em seus livros, e dois deles tratavam do fluxo do dinheiro e das aplicações financeiras: Os caminhos do dinheiro: a Constituição e você (1988) e Os novos caminhos do mercado financeiro (1991).

Tamer orgulhava-se de ter entrevistado todos os ministros da Fazenda e acompanhado de perto a formação do sistema financeiro nacional, na esteira da industrialização promovida pelo presidente Juscelino Kubitschek. Ele considerava o governo JK um marco da economia brasileira. Dele resultou a criação do sistema financeiro desenhado por Roberto Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões (respectivamente, ex-ministro do Planejamento e ex-ministro da Fazenda do governo Castello Branco).

A proximidade com Roberto Campos lhe rendeu um convite para ocupar por duas vezes o cargo de adido cultural de imprensa na Embaixada brasileira em Londres, entre 1975 e 1977 e entre 1980 e 1983, período em que Campos foi embaixador lá. Aliás, Tamer recebeu duas citações no livro de memórias do embaixador A lanterna na popa. Numa delas, a citação se refere a uma reunião entre o presidente da República, ministros de Estado e o presidente da Petrobrás relatada no livro de Tamer, Petróleo, o preço da dependência, que tratava do petróleo e da segurança nacional.

Em 1994, mudou-se para Paris (França) e, de lá, passou a escrever reportagens e sua coluna bissemanal.

Multimídia

Apesar de ter sido um jornalista à moda antiga, formado na redação, sem frequentar faculdade de jornalismo ou cursos de MBA, Tamer foi, na prática, o que se chama hoje de um profissional multimídia. Exerceu as funções de comentarista e apresentador nas rádios Jovem Pan (SP) e Eldorado (SP) e nas tevês SBT (SP), Manchete (RJ) e Bandeirantes (SP).

Foi um dos pioneiros no esclarecimento de dúvidas de ouvintes e telespectadores sobre questões de economia em seu programa Pergunte ao Tamer. Com seu filho, Luís Sérgio Tamer, um site na internet sobre mercado financeiro e Imposto de Renda. Em 1965, participou da criação da primeira cadeira de Jornalismo Econômico na Faculdade Cásper Líbero. Posteriormente, desistiu da vida acadêmica.

Em 2008, quando completou 50 anos no jornal O Estado de S. Paulo, mesmo com a saúde debilitada, fazia questão de cumprir a jornada de um jovem profissional, lendo entre 8 horas por dia o noticiário internacional. Na época, chegou a dizer que pretendia voltar à Amazônia para completar uma reportagem, feita há 40 anos. E emendou: “Como jornalista que vive intensamente, vivi duas vidas numa só”.