Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os bastidores do vídeo polêmico sobre Maomé

Nos últimos dias, muito se falou do filme que foi um dos responsáveis pelos protestos no Cairo, Iêmen e Líbia, incluindo o que levou à morte o embaixador americano na Líbia e outros três membros de sua equipe. Inicialmente, a mídia afirmou que o filme Innocence of Muslims (Inocência dos Muçulmanos, tradução livre) havia sido feito por um produtor israelense com o nome de Sam Bacile. Um dos americanos envolvidos no filme disse, no entanto, que Bacile não era israelense e que o nome era provavelmente um pseudônimo.

A AP emitiu uma correção extensa sobre como a agência identificou o autor/diretor do filme como Bacile e como posteriormente foi incapaz de confirmar a “existência da pessoa com esse nome” – que, na realidade, era pseudônimo de Nakoula Basseley Nakoula. O The Wall Street Journal citou Bacile em sua reportagem e também emitiu uma correção.

Adrian Chen escreveu no Gawker que Bacile pode, na realidade, ser um membro da seita egípcia copta cristã. Bret Stephens, do The Wall Street Journal, ligou o suspeito ao nome de Abanob Basseley. A Time fez uma tabela com informações sobre quem são os supostos envolvidos no filme.

O próprio vídeo é tão estranho quanto seus bastidores. A AP e o The New York Times divulgaram que o filme foi exibido diante de uma pequena plateia em um cinema obscuro de Hollywood, mas houve questionamentos sobre como foi produzido. Rosie Gray, do BuzzFeed, observou a qualidade amadora de produção e de edição e levantou a hipótese se era meramente uma junção de trechos de outros filmes. Tanto Gray quanto Sarah Abdurrahman, do On the Media, observaram que todo nome e referência religiosa foi claramente dublado, o que leva a crer que os atores acreditaram que o filme era sobre algo completamente diferente. Adrian Chen, do Gawker, conversou com uma atriz do filme que disse estar decepcionada sobre o tema. James Poniewozik, da Time, lamentou o fato que um filme tão ridículo tenha gerado uma resposta tão violenta.

A liberdade de expressão na web

Há, ainda, outros ângulos editoriais à matéria. Diversos jornais publicaram a foto do embaixador americano Christopher Stevens depois dos ataques, alguns inclusive na capa. A ombudsman do New York Times, Margaret Sullivan, defendeu a divulgação da foto online, mas afirmou que não a publicaria na capa. O Departamento de Defesa dos EUA pediu ao jornal para remover a foto – o que foi recusado.

A administração do presidente Barack Obama pediu ao YouTube que revisasse o trailer do filme, para verificar se estaria de acordo com suas práticas de uso, informou o secretário de imprensa Jay Carney. O Google listou oito razões em sua página sobre normas de conduta de comunidades do YouTube para tirar um vídeo do ar. Incitar protestos não é uma delas. Mas, depois que a Casa Branca alertou que o filme espalhou violência no Oriente Médio, o Google acabou bloqueando o acesso ao trailer no Egito, Líbia, Indonésia e Afeganistão, onde vive mais de ¼ do 1,6 bilhão de muçulmanos do mundo.

Especialistas legais e defensores de liberdades civis, por sua vez, alegam que a controvérsia reforçou como empresas de internet, em sua maior parte com sede nos EUA, tornaram-se árbitros globais da liberdade de expressão, considerando temas complexos que tradicionalmente são debatidos em cortes e, ocasionalmente, por tratados internacionais. “O Google tem mais poder do que o governo egípcio ou americano”, opinou Tim Wu, professor de direito da Universidade da Columbia. “A maior parte da liberdade de expressão hoje não tem a ver com o governo, mas com empresas”.

Ao bloquear temporariamente o vídeo em alguns países, especialistas legais alegam que o Google implicitamente invocou o conceito de “perigo claro e presente”. Essa é uma exceção-chave das proteções da Primeira Emenda americana, na qual a liberdade de expressão é guardada de maneira mais cuidadosa do que em qualquer lugar do mundo. Informações de Mark Coddington [Nieman Journalism Lab, 14/9/12], de Craig Silverman [Poynter, 14/9/12], de Craig Timberg [The Washington Post, 15/9/12] e de Byron Tau [Politico, 14/9/12].