Saturday, 04 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

A nova política na internet

Quando dezenas de países se recusaram a assinar um novo tratado global sobre a governança da internet, no fim de 2012, uma ampla variedade de ativistas animou-se. Eles viam o tratado, elaborado sob o amparo da União Internacional de Telecomunicações (ITU), como algo que dava aos governos poderes nocivos para interferir e censurar a web. Durante meses, grupos com nomes como “Acesse Agora” e “Lute Pelo Futuro” fizeram campanha contra o tratado e isso contribuiu para que ele fosse rejeitado por muitos países.

O sucesso na conferência da ITU, em Dubai, encerrou um grande ano para ativistas online. Em janeiro de 2012, eles ajudaram a derrotar a legislação antipirataria, patrocinada por Hollywood, mais conhecida como SOPA (Stop Online Piracy Act), no Congresso americano. Um mês depois, na Europa, eles atacaram a ACTA (Anti-Counterfeiting Trade Agreement), um tratado obscuro que, ao buscar garantir os direitos de propriedade intelectual, dava pouca atenção à privacidade e à liberdade de expressão. No Brasil, eles chegaram perto do que muitos acreditavam ser possível para garantir um projeto de lei sobre direitos na internet, o Marco Civil da Internet. No Paquistão, eles ajudaram a adiar, talvez permanentemente, planos para um firewall nacional. Nas Filipinas, eles fizeram uma campanha contra uma lei de cibercrime colocada em espera pela Suprema Corte.

O momento é semelhante à publicação de Primavera Silenciosa, de Rachel Carson – comparou James Boyle, especialista em propriedade intelectual da Universidade Duke, na Carolina do Norte (EUA). O livro de 1962, que alertava sobre os efeitos de pesticidas, é visto como um marco no lançamento do movimento ambientalista. Cinco décadas depois, o mundo pode estar vivendo um momento parecido, avalia a The Economist [5/1/2013], mas voltado para a preocupação sobre o potencial das novas tecnologias para promover liberdade de expressão e inovação e sobre as ameaças a elas impostas por governos e empresas.

O novo verde

O debate sobre questões geradas pela disseminação da tecnologia da informação não é novo. Nos anos 1990, grupos de defesa de liberdades civis, incluindo o pioneiro Electronic Frontier Foundation (EFF), fizeram campanha contra o Ato de Decência nas Comunicações, que foi, em parte, rejeitado pela Suprema Corte dos EUA. Hoje, cada parte do universo digital tem seu próprio grupo de interesse: consumidores defendem a privacidade online, hackers rejeitam patentes de software muito duras, pesquisadores querem um maior acesso para periódicos científicos online, defensores da transparência pedem que governos divulguem mais dados.

Como sugere Boyle, em sua comparação, houve uma diversidade semelhante no ambientalismo dos anos 1960. Mas, como o ambientalista Barry Commoner argumentou, “a primeira lei da ecologia é que tudo está conectado”. Assim são o meio ambiente e o ambientalismo. Ao longo dos anos 1960 e 70, as diversas preocupações foram ligadas em um único movimento.

A internet nada mais é, também, do que um exercício de interconexão. Sua política parece evocar uma convergência semelhante, e as conexões entre os diversos grupos de interesse parecem estar cada vez mais fortes. Além dos links específicos, eles compartilham o que o sociólogo Manuel Castells chama de “cultura da internet”, um equivalente contemporâneo à contracultura dos anos 1960 (no qual muito do movimento ambientalista cresceu). Seus adeptos acreditam no progresso tecnológico, no livre fluxo da informação, nas comunidades virtuais e no empreendedorismo. Eles se encontram em “desconferências” e “hacker-espaços”; seus espaços online são no modelo wiki, nos quais todos podem colaborar.

Em alguns países foram criados “partidos piratas”, que focam em políticas da web. O primeiro, na Suécia, originou-se do Pirate Bay, um site criado para ajudar o Napster, de compartilhamento de arquivos de músicas, quando este foi fechado. O Pirate Party International conta com 28 organizações filiadas – em sua maioria, pequenas –, mas o alemão Piratenpartei, fundado em 2006, tem assentos em quatro parlamentos regionais.

Dissolvendo a democracia

O protesto anti-SOPA começou com discussões em blogs, como o Techdirt. Um grupo de pessoas interessou-se pelo tema e grupos como EFF e Public Knowledge juntaram-se à discussão. Grupos como Avaaz, Fight For The Future e Demand Progress, cujo objetivo é mobilizar netcidadãos, começaram a oferecer ferramentas para ajudar as pessoas a sinalizarem sua desaprovação, incluindo uma para escrever para os membros do Congresso. Empresas de internet, como Reddit e Tumblr, deram apoio organizacional e empresas maiores – como a Wikipedia – fizeram parte do esforço para fazer lobby.

Reunir-se rapidamente, entretanto, não significa compromisso de longo prazo. Alguns criticaram que campanhas como a anti-SOPA eram mero “clique-ativismo”, que não requeria mais do que alguns cliques. A coalizão anti-SOPA está tentando mostrar que seu poder não é temporário ao se tornar a Liga de Defesa da Internet.

A tecnologia pode desempenhar um papel em formular políticas, assim como disseminar pedidos para ação. O Partido Pirata da Alemanha administra uma conferência contínua em uma plataforma online, chamada “Feedback Líquido”, destinada a dissolver a distinção entre democracia direta e representativa. Em vez de votar diretamente em um assunto ou eleger representantes, membros do partido podem delegar seus votos em determinadas questões para outro membro em cuja opinião eles confiam – e retirá-los se não concordar com as decisões dos delegados. Delegados podem passar os votos coletados para outro membro, construindo longas e fluidas “cadeias de delegação”. O sistema não cria um paraíso democrático: a maioria não o usa. Mas permite um processo transparente.

Novos partidos não são o único modo para o sucesso político. Na maior parte do mundo, as vitórias do movimento verde vieram após pressão em partidos estabelecidos e o estímulo à criação de novas instituições – como ministérios do meio ambiente, agências de proteção ambiental, entre outros. Ainda é cedo, mas parece que tais instituições seriam improváveis para o movimento da web. As políticas da internet são sobre liberar as pessoas para experimentar, em vez de controlar seus efluentes. Além disso, muitos dos net-ativistas querem mais encontrar um modo de chegar ao sistema para obter um resultado do que fazer política.

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