Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Imprensa encontra dificuldades para cobrir julgamento

Um julgamento público sobre segredos de estado está se tornando, ele próprio, um segredo de estado. Repórteres que cobrem o processo enfrentado pelo soldado Bradley Manning por ter vazado centenas de milhares de documentos confidenciais para o WikiLeaks passaram um ano tentando romper o sigilo do que deveria ser um procedimento público.

Nas audiências pré-julgamento na base militar de Fort Mead, em Maryland, informações básicas foram omitidas, incluindo súmulas de atividade da corte, transcrições dos procedimentos e ordens emitidas pela juíza militar, coronel Denise Lind. Finalmente, no final do mês passado, em resposta aos numerosos pedidos sob o Ato de Informação feitos por organizações de mídia, o tribunal concordou em divulgar 84 dos quase 400 documentos arquivados no caso. Mas os documentos divulgados continham alterações – algumas delas cômicas. Um dos detalhes alterados era o nome da juíza, que estava em corte aberta há meses.

Informações de interesse público

No caso do soldado, o tema diante da corte – se o vazamento de documentos secretos pode ser considerado “ajuda ao inimigo” – tem implicações cívicas profundas. As pessoas podem discordar sobre o que pode acontecer a funcionários do governo que vazam informações, mas faz sentido que uma questão fundamental como essa possa ser debatida à luz pública. Isso não está acontecendo no caso de Manning, que admitiu ter entregue 700 mil documentos ao WikiLeaks.

Repórteres que cobrem o caso podem ir ao tribunal, mas sem acesso a determinados documentos no tempo preciso não conseguem fazer seu trabalho. Por exemplo, os advogados de Manning estavam na corte no dia 26/2 pedindo a retirada das acusações, argumentando que, depois de mais de mil dias em custódia, ele havia sido privado de seu direito de um julgamento rápido. Ao negar o pedido, a juíza emitiu uma ordem de mais de 20 mil palavras que foi preparada antes da audiência. Mas nenhuma cópia escrita foi divulgada, forçando repórteres a escrever furiosamente enquanto ela lia o documento por duas horas. Mais de duas semanas depois, a cópia ainda não estava disponível. O mesmo aconteceu com outro documento público importante, a ordem que concedia ao soldado a redução da sentença devido às condições em que ele estava preso.

A cobertura foi limitada, em parte pelas restrições da corte e também porque a indústria jornalística não tem tempo nem recursos para cobrir julgamentos longos. Além disso, o caso está em fase de pré-julgamento e a corte marcial (tribunal militar que determina punições a membros das Forças Armadas) só começará no dia 3/6. “É irônico um julgamento sobre o governo manter segredo sobre documentos que não são secretos e devem ser tornados públicos”, disse Michael Ratner, presidente emérito do Centro para Direitos Constitucionais, que abriu um processo no ano passado por questões de acesso a documentos do caso. “Eu estava na audiência e ouvimos a juíza ler a ordem, então é um documento público”. Frequentemente, quando há argumentos sobre o acesso, uma ordem restritiva temporária é emitida até que a questão seja resolvida, mas o centro argumentou seu caso diante da Corte de Apelações para as Forças Armadas dos EUA em outubro e ainda espera uma determinação.

O sigilo, as revisões e os atrasos na divulgação de informações significam que o público não tem acesso aos procedimentos, um componente fundamental de um julgamento público. E como o soldado Manning está enfrentando uma sentença de morte, a cobertura da mídia e o interesse público são proteções fundamentais dadas a ele pela Primeira e Sexta emendas.

Ed Pilkington, repórter dojornal britânico The Guardian, está frequentando as audiências do pré-julgamento desde dezembro de 2011. Ele está interessado no desenrolar do caso, mas encontrou-se diante de dificuldades para acompanhá-lo. A juíza é uma leitora muito rápida; Pilkington estima que ela tenha lido a ordem negando a dispensa do caso a uma taxa de 180 palavras por minuto. “É um julgamento muito complicado e o testemunho é carregado com títulos militares e acrônimos”, disse ele. “As restrições que são impostas dificultam ainda mais que façamos um bom trabalho”. Ele compara: as comissões militares em Guantánamo tornaram-se, sob pressão, mais acessíveis do que os procedimentos sobre o caso de Bradley Manning.

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