Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Os perigos da “narrativa” no jornalismo

O dilema para os jornalistas esta semana [passada] foi o seguinte: como deveria ser coberta uma série de protoescândalos aparentemente com tão pouco em comum? Ao que sabemos, as conversas internas do governo de Obama sobre os ataques de Benghazi, o Imposto de Renda [Internal Revenue Service – IRS] mirar como alvo para exame mais pormenorizado grupos conservadores e a retenção dos registros telefônicos da Associated Press pelo Departamento de Justiça não fazem parte de uma estratégia política global nem envolvem as mesmas autoridades governamentais. O que vincula esses acontecimentos entre si, naturalmente, é uma nova realidade política: o governo [americano] está abalado por escândalos pela primeira vez desde que o presidente Obama foi empossado. Consideradas as circunstâncias políticas, é provável que esse padrão vá continuar.

O que deveriam, então, fazer os repórteres? Muitos deles cobrem a nova “narrativa” do governo Obama, que reflete a maneira pela qual as elites da política e da mídia coordenam interpretações de acontecimentos como escandalosas. Como argumentei em minha pesquisa acadêmica, os escândalos da mídia são uma “co-produção” do partido de oposição e da imprensa. Quando ambos os grupos retratam um acontecimento como o das denúncias do IRS como um escândalo, frequentemente isso gera fortes percepções de irregularidades entre as elites – em outras palavras, seria a narrativa de uma conduta indevida.

O foco na narrativa desta semana enfureceu críticos como o blogueiro liberal Greg Sargent, do Washington Post, que adverte que os repórteres estão “impondo narrativas simplistas para situações complexas e desiguais”. Tanto Alexander Burns e John F. Harris, do site Politico, quanto Karen Tumulty, do Post, enquadram os escândalos como parte de uma narrativa na qual Obama é muito agressivo ao perseguir seus objetivos políticos e ideológicos – mas ninguém produziu provas, até agora, de um envolvimento dos altos escalões da Casa Branca nos casos do IRS e da Associated Press. (Em decorrência disso, os opositores de Obama já tentam vinculá-lo a outros escândalos, usando uma linguagem vaga sobre como ele deu “dicas” pelo seu tom e criou “uma disposição, um tom… uma atmosfera”.) A cobertura da suíte dos casos também enquadrou a reação da Casa Branca como uma tentativa de “assumir o controle da narrativa” e “mudar o rumo da narrativa a seu favor”.

O evento político e os fatos

Outros, como Ezra Klein, do Post, notaram a contradição entre a narrativa de escândalo e a falta de provas de conduta indevida no alto escalão. É claro que o peso das provas é importante, mas ele não determina, por si só, o que se torna ou não um escândalo de mídia; trata-se de acontecimentos políticos, e não de julgamentos num tribunal. É por isso que a abrangência do escândalo já vem crescendo para abarcar teorias conspiratórias sobre George Soros, vazamentos na campanha de Obama e sugestões de auditorias politicamente motivadas feitas com doadores da campanha de [Mitt] Romney. Os escândalos podem ganhar rapidamente vida própria.

Levando em conta essa dinâmica, como deveria ser tratada a cobertura de escândalos? Os repórteres poderiam começar por assumir mais responsabilidade devido a seu papel de criar e confirmar as narrativas da mídia que estão cobrindo. Não é fácil adaptar um tal reconhecimento ao paradigma da objetividade nas reportagens, o qual, tipicamente, enquadra o repórter como observador passivo dos acontecimentos – a matéria de Burns e Harris sobre a “perigosa nova narrativa” de Obama, por exemplo, não reconhece o papel do site Politico inundando a questão nessas controvérsias. No entanto, existem certamente maneiras de ser mais transparente sobre o papel da mídia na criação das narrativas e de exercer um juízo mais cuidadoso sobre quais eventos cobrir e como enquadrá-los.

Ainda mais importante, mesmo que reconheçam o papel e a importância das percepções da elite, é que os repórteres possam ajudar os leitores a separar o evento político dos fatos subjacentes. É muito mais fácil pontificar sobre a “narrativa” ou envolver-se numa reação tática de pseudo-erudição (Obama precisa mudar a assessoria!) do que enfrentar o trabalho duro da reportagem – mas esse trabalho duro continua sendo a função mais importante do jornalismo.

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Brendan Nyhan é cientista político e professor na Universidade de Dartmouth