Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Ex-correspondente da Casa Branca morre aos 92 anos

Morreu no sábado (20/7), em Washington, a jornalista americana e ex-correspondente da Casa Branca Helen Thomas, aos 92 anos. Helen cobriu todos os presidentes dos EUA desde John Kennedy até Barack Obama – 10 no total –, e se aposentou, em 2010, depois de um episódio controverso envolvendo o conflito entre israelenses e palestinos.

A carreira de Helen forma uma ponte entre duas eras do jornalismo, começando na Segunda Guerra Mundial, quando as notícias eram acompanhadas, em sua maioria, pelo rádio e pelos jornais, até a era da informação 24 horas por dia na TV a cabo e Internet.

Depois de se formar em inglês pela Wayne State University em Detroit, em 1942, com os EUA em guerra, Helen foi para Washington em busca de emprego. Encontrou um, como garçonete, mas não durou muito. “Eu não sorria o bastante”, contou ela, muitos anos depois. Em seguida, ela conseguiu um trabalho de escritório no Washington Daily News e, posteriormente, foi contratada pelo serviço de notícias United Press, em 1943, como redatora de rádio (15 anos depois, a empresa se fundiria à International News Service e se tornaria a United Press International – UPI).

Pioneira

Na época, jornalistas mulheres escreviam apenas sobre eventos sociais e temas domésticos, enquanto política, guerras e crimes eram território majoritariamente masculino. Helen conseguiu abrir caminho e, na década de 50, já cobria agências federais. Em 1960, ela cobriu a campanha de Kennedy e, quando ele venceu a presidência, a jornalista se tornou a primeira mulher a se tornar correspondente da Casa Branca em tempo integral. Ela também foi a primeira mulher a ocupar a presidência da Associação de Correspondentes da Casa Branca.

Em 2000, Helen pediu demissão da UPI um dia depois da agência ser comprada por uma organização ligada à Igreja da Unificação, do reverendo Moon. Algumas semanas depois, foi contratada pelo grupo Hearst, onde escrevia uma coluna sobre questões nacionais e passou os últimos dez anos de sua carreira.

“Helen foi uma verdadeira pioneira, abriu portas e rompeu barreiras para gerações de mulheres no jornalismo”, declarou Obama. “Ela nunca falhou em deixar os presidentes – inclusive eu – em estado de alerta”. Em sua primeira coletiva de imprensa com os correspondentes da Casa Branca, em fevereiro de 2009, Obama não conteve o comentário antes de ser questionado por ela: “Helen, estou nervoso. Este é meu momento inaugural”.

Ao longo dos anos, Helen – conhecida pelas perguntas incisivas – foi ganhando o respeito, e até a simpatia, dos presidentes. Em agosto de 1997, Bill Clinton levou um bolo para ela em seu aniversário de 77 anos. Doze anos depois, foi a vez de Obama levar cupcakes quando a jornalista completou 89 – os dois fazem aniversário no mesmo dia.

Judeus na Palestina

Mas em junho de 2010, depois de 50 anos de lugar cativo na sala de imprensa da Casa Branca, Helen foi obrigada a se aposentar. Em um curto comentáriofilmado por um rabino que visitava a Casa Branca e postado no site RabbiLive, ela dizia que os judeus deviam “dar o fora da Palestina” e voltar para a Alemanha ou Polônia ou ir para os EUA. A veterana jornalista, filha de libaneses, havia sido questionada sobre uma embarçação em missão de paz atacada por Israel, que havia deixado diversos palestinos mortos.

Depois do episódio, Helen afirmou que se arrependia profundamente do comentário, ressaltando que ele não refletia sua crença de que a paz no Oriente Médio só chegaria quando todos os lados se comprometessem com “o respeito mútuo e a tolerância”. “Que este dia chegue logo”, completou, na ocasião.

Helen casou com o também jornalista Douglas Cornell em 1971, quando ele – 14 anos mais velho do que ela – estava prestes a se aposentar do cargo de correspondente da Casa Branca pela Associated Press. Cornell morreu em 1982.

A jornalista escreveu seis livros, entre eles Front Row at the White House: My Life and Times (Primeira fileira da Casa Branca: Minha vida e meu tempo), em 2000, e Listen Up, Mr. President: Everything You Always Wanted Your President to Know and Do (Escute aqui, senhor presidente: Tudo o que você sempre quis que seu presidente soubesse e fizesse), em 2009, além de um livro infantil, com o ilustrador Chip Bok, sobre um menino cuja mãe é presidente.

Repórter durona

Ao longo da carreira, Helen conseguiu diversos furos, incluindo suas entrevistas exclusivas com Martha Mitchell, que ajudaram a expor detalhes do escândalo Watergate, que levou à queda do presidente Richard Nixon, na década de 70. Martha, que era casada com o procurador-geral John Mitchell, contou a Helen, em conversas telefônicas tarde da noite, que havia visto um caderno com estratégias de campanha de Nixon que incluíam planos para outras operações ao estilo Watergate. A jornalista também noticiou em primeira mão que os redatores do presidente estavam escrevendo um discurso de renúncia que Nixon faria no dia seguinte.

Ainda que se identificasse como liberal, Helen não hesitava em criticar governos democratas. Certa vez, ela falou que nem Nixon tentou controlar tanto a imprensa como a administração de Obama. “Que diabos eles pensam que somos – marionetes?”, questionou em entrevista à CNSNews.com. “Eles não deveriam se meter no nosso trabalho. Eles são servidores públicos. Nós pagamos a eles”.

Helen era conhecida por não se intimidar diante das autoridades. Paradoxalmente, enquanto suas perguntas eram incisivas e costumavam desconcertar os poderosos, ela as fazia “quase como uma dona de casa”, disse certa vez um colega. Na década de 70, a correspondente perguntou a Nixon, sem rodeios, qual era o plano secreto dele para encerrar a guerra do Vietnã. Na década de 80, ela questionou Ronald Reagan sobre que direito os EUA tinham para invadir Granada. Quando George H.W. Bush anunciou que o orçamento para a Defesa continuaria o mesmo após o colapso da União Soviética, a queda do Muro de Berlim e o fim do comunismo na Europa, ela perguntou simplesmente: “Quem é o inimigo?”.

Em uma entrevista em 2006, Helen afirmou: “Eu respeito a presidência. Mas nunca idolatro o altar de nossos servidores públicos. Eles nos devem a verdade.”