Wednesday, 01 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jaron Lanier e as teorias que fogem do lugar-comum

A quem pertence o futuro? O jornalista especializado em finanças Joe Nocera, colunista do New York Times, afirma que a obra mais importante lida por ele em 2013 foi Who Owns the Future?, de Jaron Lanier, cientista da computação, escritor e músico americano. O livro apresenta ideias provocativas, não convencionais, para fazer com que o domínio inevitável dos softwares em todos os cantos da sociedade seja algo saudável e não prejudicial.

Lanier possui autoridade incomum para falar sobre a economia digital, pois participou da criação da chamada “realidade virtual”, fundando uma das primeiras empresas do ramo. Uma de suas start-ups foi vendida para o Google. E ele foi consultor de empresas como a rede de varejo Wal-Mart, a administradora de hipotecas Fannie Mae, de grandes bancos e fundos especulativos.

Lanier vai de encontro às ideias da maioria de seus companheiros tecnólogos, afirmando que começou a sentir que a ascensão das redes digitais não seria um remédio para todos os males. Pelo contrário: “O que concluí após ter acesso a esses mundos variados foi a percepção de que eram todos muito semelhantes”, escreve. “As grandes empresas frequentemente tinham benefícios nas redes digitais a um grau surpreendente, mas também eram coagidas, e até mesmo reprimidas, pela mesma dinâmica”.

Segundo o autor, com o tempo, as mesmas capacidades de rendimento da rede que tinham dado grandes vantagens às empresas também seriam o instrumento de suas falhas. Na indústria de serviços financeiros, por exemplo, elas levaram a uma crise financeira. Ele cita o caso do Wal-Mart, onde a adoção de tecnologia para gerenciar a cadeia de suprimentos inicialmente gerou grandes benefícios, mas com o tempo passou a custar centenas de milhares de postos de trabalho a concorrentes e fornecedores, “empobrecendo gradativamente a própria base de clientes”, nas palavras do próprio Lanier.

Outro caso citado foi a Agência de Segurança Nacional americana (NSA), envolvida em um grande escândalo no ano passado por acusação de espionagem ilegal. A NSA desenvolveu uma tecnologia capaz de acompanhar o mundo inteiro – e no processo perdeu o controle até dos fornecedores que empregava. Quanto ao Facebook, Google, Twitter, Amazon e outros, é só uma questão de tempo antes que suas vantagens também comecem se desintegrar, na visão de Lanier.

Existem dois componentes extras à tese exposta no livro. O primeiro é que a economia digital foi tão invasiva quanto qualquer outra coisa na hora de escavar a classe média. (Quando perguntado sobre o efeito da globalização, Lanier diz que a globalização é “apenas uma amostra de eficiência da rede”). Seu grande exemplo é a Kodak e o Instagram. “No seu auge”, escreve, “a Kodak empregou mais de 140 mil pessoas. (…) Sim, a Kodak cometeu muitos erros, mas veja o que a está substituindo: quando o Instagram foi vendido ao Facebook por um bilhão de dólares em 2012, empregava apenas 13 pessoas.”

O que naturalmente leva à grande conclusão: a de que o valor destas novas empresas vem do usuário. “O Instagram não vale um bilhão de dólares só porque estes 13 funcionários são extraordinários”, frisa. “Em vez disso, seu valor vem dos milhões de usuários que contribuem para a rede sem serem pagos por isso.” Ele acrescenta ainda: “As redes precisam de um grande número de pessoas para participar delas e gerar um montante significativo. Mas quando o reúne, somente um pequeno número de pessoas recebe por isto. O efeito líquido disso tudo é a centralização da riqueza e a limitação do crescimento econômico global.” Assim, na visão de Lanier, a desigualdade de renda também é, em parte, uma consequência da economia digital.

Fim do conteúdo livre na internet

Lanier também é o dono da ideia radical de que as pessoas devem receber algum pagamento sempre que sua informação for utilizada na rede. Ele prevê um tipo diferente de economia digital, na qual os criadores de conteúdo – seja um post em um blog ou uma fotografia postada no Facebook – receberiam micropagamentos sempre que tal material fosse replicado. Ele argumenta que uma economia digital que parece oferecer coisas de graça – em troca de invadir a privacidade de seus clientes para ganho comercial – não é, de modo algum, livre.

As ideias de Lanier levantam tantas perguntas quanto respostas, e ele não tem nenhuma pretensão de decifrar tudo. “Sei que algumas destas teorias estarão erradas”, diz. “Só não sei bem quais delas”.

Ainda assim, suas ideias sobre a reformulação da economia – sobre a criação do que ele intitula “economia humanista” – oferecem muito no que pensar. Lanier deseja criar uma dinâmica onde as redes digitais sejam capazes de expandir o bolo em vez de reduzi-lo, e de reconstruir a classe média ao invés de destruí-la.

“Se o Google e Facebook fossem espertos”, conclui, “eles iriam querer enriquecer os próprios usuários”. Mas, na visão do cientista da computação, até agora o Vale do Silício tem feito “a escolha estúpida”: aumentar os próprios negócios à custa dos clientes. Seu argumento é que isso não tem como durar. E não vai durar.

Conheça mais sobre o trabalho de Jaron Lanier.