Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Credibilidade questionada na volta ao papel

Depois de 14 meses sem uma edição impressa, a Newsweek voltou ao papel. A revista de notícias americana havia se tornado apenas online em janeiro de 2013, quando a então editora-chefe, Tina Brown, reinventou a marca como Newsweek Global. Em agosto do mesmo ano, no entanto, a empresa de mídia digital IBT Media comprou a revista com planos de voltar ao formato impresso.

Para marcar sua volta, a Newsweek queria um tema que chamasse a atenção. Então, na semana passada, sua capa trazia uma alegação explosiva: ela havia descoberto a identidade do misterioso criador da moeda virtual Bitcoin.

 

 

Mas poucas horas depois de divulgada a matéria, a atenção que a Newsweek esperava desandou. Dorian Satoshi Nakamoto, um recluso colecionador de réplicas de trens da Califórnia, que a revista havia identificado como fundador do Bitcoin, concedeu uma longa entrevista à agência de notícias Associated Press (AP) afirmando que a história estava errada.

Apuração longa

Logo, a credibilidade da matéria – e de sua autora, a jornalista Leah McGrath Goodman – passou a ser questionada em discussões na internet. Jim Impoco, o editor-chefe da Newsweek, defendeu a reportagem. Segundo ele, a ideia de que o texto se apoiava largamente em uma breve confirmação dada por Nakamoto estava errada. “Foi uma investigação exaustiva. Nós trouxemos ajuda do MIT. Todas as pistas levavam a ele”, completou.

O artigo da Newsweek descrevia uma breve conversa em frente à casa de Nakamoto – testemunhada por duas pessoas – em que Leah pergunta a ele sobre o Bitcoin. Ele é citado no texto respondendo: “Não estou mais envolvido e não posso discutir o assunto. Foi entregue a outras pessoas. Elas estão no comando agora. Eu não tenho mais nenhuma ligação”.

Na entrevista à AP, Nakamoto afirmou que entendeu errado o que lhe foi perguntado. Em um email ao New York Times, Leah escreveu que seu diálogo com Nakamoto ocorreu após dois meses de apurações em equipe que levaram, de diversas formas, a ele. “Eu posso dizer, com certeza, que em nossa conversa ele deixou claro que entendeu que estávamos falando sobre o Bitcoin”, ressaltou ela.

A jornalista se mostrou surpresa com a entrevista de Nakamoto à AP e com a ferocidade dedicada a ela na internet. Em participação em um programa de notícias televisivo, ela manteve sua versão de que Nakamoto havia confirmado que era o fundador do Bitcoin. Na quinta-feira [6/3], repórteres se posicionaram em frente à casa do colecionador de trens e o seguiram de carro quando ele foi para a entrevista com a AP. Vê-lo negar a informação, diz Leah, é “um mistério para mim”.

O dinheiro sumiu

O Bitcoin é uma moeda virtual que tem como objetivo facilitar transações financeiras via internet sem o envolvimento de bancos ou governos [entenda como funciona]. A moeda tem entre seus investidores os irmãos Winklevoss – que se dizem os verdadeiros criadores do Facebook – e virou manchete no mês passado depois que a MT. Gox, maior casa de câmbio devotada às transações com Bitcoins, declarou falência afirmando ter perdido o equivalente a 500 milhões de dólares em moeda virtual. A plataforma culpou ataques de hackers a seu sistema.

À medida que o Bitcoin passou de experimento digital alternativo a experimento digital mainstream, intensificou-se a busca por seu misterioso criador – ou criadores. Revistas como a Fast Company, a New Yorker e a Vice já gastaram uma boa porção de tempo tentando desvendar a identidade do inventor da moeda virtual. “A moeda é real e ilusória – assim como seu fundador”, concluiu a prestigiada New Yorker em seu artigo sobre o assunto.

Investigadores forenses

Além das críticas recebidas por ter, supostamente, publicado uma matéria de capa errada, a Newsweek também foi condenada em debates online pelos meios usados para investigar Nakamoto – seja ele o criador do Bitcoin ou não. Leah caçou informações em diferentes bancos de dados e chegou a trabalhar com uma equipe de investigadores forenses. Ela acabou conseguindo o endereço de email de Nakamoto através de uma empresa onde ele havia comprado seus trens de brinquedo. A revista e sua jornalista foram acusadas de invasão de privacidade e de “passar dos limites”.

Em declaração, a Newsweek afirmou que é “natural e esperado que uma revelação deste porte desperte debate e controvérsia” e alegou que defende o respeito à privacidade de todas as pessoas.