Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalismo na Espanha passa por momento de mudança

Perder um ótimo diretor editorial em um grande jornal pode ser considerado uma fatalidade. Perder dois soa como descuido. Mas quando três dos principais jornais diários da Espanha substituem seus editores-chefes num intervalo de poucos meses, fica claro que algo está acontecendo.

Muitos apontam a crise econônica – que provocou queda na circulação e nas receitas publicitárias – para explicar as mudanças na liderança dos jornais El País, El Mundo e La Vanguardia. Outros evocam uma história familiar a jornais do mundo inteiro: a migração de leitores do impresso para a internet.

No entanto, analistas de mídia na Espanha dizem haver outro fator em jogo: o crescimento das startups de jornalismo – já há mais de 300 empresas do gênero no país. Formada por uma mistura de veteranos demitidos durante a crise econômica e jovens que tentam ganhar posição em uma indústria onde poucos estão contratando, as startups estão dispostas a fazer as perguntas que a mídia tradicional espanhola evita.

Dependência financeira

“Quando a Espanha estava à beira do colapso financeiro, os espanhóis começaram a exigir mais responsabilidade de suas instituições”, diz Rafael Aníbal, ex-jornalista que agora trabalha no setor de comunicações. “As pessoas buscavam fontes de informação que não estivessem diretamente ligadas ao poder.”

Em contraste, a mídia tradicional buscava enfrentar a crise, tornando-se mais institucionalizada. Aníbal cita o principal jornal espanhol, El País, fundado no final de 1970, poucos meses após a morte do ditador Francisco Franco. Atolado em dívidas, o grupo de comunicação Prisa, proprietário do jornal, recentemente fechou um acordo para receber indulto de credores, porém cedendo 16% de suas ações a banqueiros. O resultado, diz o ex-repórter do El País Pere Rusiñol, é que agora é impossível separar a cobertura do impresso de sua situação financeira. “Não existe liberdade de imprensa numa empresa que está falida e pertence ao banco.”

Ele cita o caso da família Botín: Emilio Botín, presidente do conselho do Banco Santander, e mais 11 membros de sua família foram investigados pelo mais alto tribunal da Espanha devido a supostas violações tributárias. “Esta notícia apareceu em todos os jornais internacionais, mas o El País não a colocou na primeira página”, lembra Rusiñol, que agora trabalha para a revista satírica Mongolia e para a revista Alternativas Económicas. “Há muitas evidências que mostram que não é possível fazer qualquer tipo de jornalismo – ou qualquer coisa minimamente digna deste título – na imprensa tradicional”.

Guerra política

Quando Pedro J. Ramírez foi dispensado do cargo de diretor no El Mundo após 25 anos de colaboração (ele também é cofundador do jornal), enfatizou que forças políticas exerceram uma influência considerável sobre a redação. Em seu editorial final, Ramírez ligou sua saída à cobertura do jornal sobre supostas propinas recebidas pelo primeiro-ministro Mariano Rajoy, que nega as acusações. “Por causa disso, o El Mundo foi transformado em pária e as grandes empresas do Ibex [índice do mercado de ações] – com algumas honrosas exceções – agiram em conformidade”, escreveu. Ramírez permanece, no entanto, como colunista do jornal.

Javier Moreno, o editor que deixou o El País, nega quaisquer alegações de influência sobre a redação. “Posso dizer honestamente que nunca sofri qualquer tipo de pressão, nem de acionistas nem de anunciantes”. Já os repórteres do El País hesitam em dar declarações sobre as pressões exercidas na redação. “Todo mundo aqui sabe que, se você começar a trabalhar em uma reportagem sobre um banco, ninguém jamais vai dizer que você não deve fazê-lo. Eles vão dizer que você não tem material suficiente para fazer a reportagem, ou que a matéria não é o que você pensa que é”, afirma um funcionário.

Antonio Caño, que assumirá o cargo de editor do El País em maio, no lugar de Moreno, irrita-se com a comparação entre startups e veículos de comunicação tradicionais. Caño enfatiza que passou mais da metade de seus mais de 30 anos de carreira trabalhando como correspondente estrangeiro. “Não sou o perfil clássico de um editor de jornal espanhol. Tradicionalmente, eles têm conexões e amigos. Eu não tenho esse tipo de rede de contatos. Sou um novato aqui”.