Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Para editor do ‘NYT’, perder furo de Snowden foi ‘doloroso’

Edward Snowden não confiou no New York Times para repassar suas revelações sobre a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) porque dez anos antes o jornal havia segurado, durante muito tempo, uma reportagem sobre segredos da NSA. Quando o ex-técnico em segurança digital tomou a fatídica decisão de compartilhar documentos sigilosos com repórteres, revelando os segredos e a coleta de informações vinculados a dezenas de milhões de chamadas telefônicas feitas por norte-americanos, ele tinha que decidir quais veículos jornalísticos seriam confiáveis.

Mas Snowden já sabia o que não era confiável: o New York Times. Ele procurou, então, os repórteres do Guardian e do Washington Post, e ambos divulgaram uma série de revelações assombrosas um ano atrás. Em abril último, os dois jornais dividiram o Prêmio Pulitzer por serviços prestados ao público.

Numa entrevista à National Public Radio (NPR), o novo editor-executivo do New York Times, Dean Baquet, disse que o episódio é uma lembrança dolorosa e uma lição. Segundo David Folkenflik, que fez a entrevista para a NPR, Baquet lhe deu a seguinte declaração: “Se você é o New York Times, não há nada mais difícil do que ser passado para trás numa matéria importante sobre segurança nacional – e ser passado para trás simultaneamente pelo seu maior concorrente no exterior e pelo maior concorrente nacional. Foi muito doloroso.”

Ele disse que a experiência comprovou que os executivos da mídia são, muitas vezes, excessivamente respeitosos para com advertências autoritárias que não vêm acompanhadas de provas. “Hoje, eu sou muito, mas muito mais cético do que antes em relação a pedidos do governo para não publicar determinadas matérias”, concluiu Baquet.

Snowden não confiava no jornal

Para o jornalista Glenn Greenwald, um dos principais protagonistas na divulgação dos documentos de Edward Snowden, Dean Baquet descreve a exclusão do New York Times da história de Snowden como “muito dolorosa”, mas, “como documentei em meu livro e em entrevistas recentes, o próprio Baquet tem um histórico de suprimir matérias ricas em informações por solicitação do governo, incluindo, particularmente, uma decisão inaceitável que tomou em 2007, quando era chefe de redação do Los Angeles Times, de cortar uma matéria baseada nas revelações feitas por Mark Klein, da AT&T, que denunciou que a NSA construíra salas secretas no prédio da empresa para chupar enormes quantidades de tráfego telefônico doméstico”.

Para Greenwald, a entrevista feita por David Folkenflik traz uma nova e reveladora abordagem de uma “das mais importantes histórias jornalísticas da última década”, na opinião do jornalista: a decisão do New York Times, em 2004, de segurar por 15 meses a descoberta de seus repórteres de que a NSA vinha praticando escutas telefônicas clandestinas com cidadãos norte-americanos sem permissão. O pedido teria vindo do próprio George W. Bush – a Casa Branca teria advertido que as consequências da publicação da matéria poderiam ser catastróficas –, e os 15 meses de embargo bateriam com a reeleição do presidente. A matéria da NPR confirma aquilo que é evidente há muito tempo, diz Greenwald: o único motivo pelo qual o Times acabou publicando o artigo foi porque um de seus repórteres – e coautor do texto –, James Risen, ficara tão frustrado com a proibição que escrevera um livro que iria revelar toda a história, deixando o jornal sem escolha.

Excessivo respeito para com o governo

Em 2005, segundo David Folkenflik, membros do alto escalão do Times ofereceram uma explicação complicada para a supressão do artigo de Risen e Lichtblau sobre a NSA. Basearam-se no equilíbrio que buscavam entre o valor jornalístico e o perigo. Segundo o então editor-executivo Bill Keller, autoridades governamentais haviam garantido aos editores em 2004 que os dados haviam sido amplamente checados. Um segundo motivo fundamental, apresentado internamente a repórteres cada vez mais furiosos, era que a matéria não estava pronta para ser publicada. James Risen decidiu forçar a mão. Ansioso para ver sua reportagem publicada, ele decidira incorporá-la a um livro chamado State of War. O livro de Risen, previsto para ser lançado no começo de 2006, revelaria segredos que seu jornal mantivera escondidos. Numa entrevista que concedeu à emissora pública PBS, James Risen disse: “Os editores ficaram furiosos comigo. Acharam que eu estava sendo insubordinado.” Em dezembro de 2005, apenas algumas semanas antes da data de lançamento do livro, o Times finalmente publicou a matéria de Risen e Lichtblau. Numa declaração dirigida aos repórteres, Bill Keller escreveu que a publicação do artigo não tinha nada a ver com “a eleição no Iraque, o debate sobre o Patriot Act, o livro a ser lançado por Jim [James Risen] ou qualquer outra coisa”.

Lichtblau e Risen atribuíram a publicação do artigo à iminente publicação do livro. “Ele tinha um revólver encostado na cabeça deles”, disse Lichtblau ao programa Frontline, da PBS. “Eles foram obrigados a voltar atrás: o jornal iria ficar muito mal” se o livro de Risen revelasse o programa de grampos antes do Times. Outro repórter caracterizou a situação como “catastrófica”. E um terceiro disse ao repórter David Folkenflik que o Times só “evitou um desastre” porque, em última instância, publicou a matéria. Repórteres e editores com conhecimento do incidente foram expressamente instruídos a não falar com pessoas de fora do Times; portanto, só falavam à NPR na condição de não terem seus nomes divulgados.

Porém, diz Glenn Greenwald, para lá da questão da vigilância e privacidade, um dos objetivos do vazamento sobre a NSA é o de desencadear um debate, desesperadamente necessário, sobre o próprio jornalismo e sobre a relação correta do jornalista com aqueles que detêm poder político e econômico. A questão do porquê do New York Times ter sido excluído desse furo levou, pela primeira vez, a uma séria avaliação pública de sua decisão de segurar a matéria sobre a NSA em 2004, o que, por sua vez, levou a recriminações públicas sobre o geralmente excessivo respeito que os veículos da mídia têm mostrado para com o governo norte-americano.