Thursday, 02 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A força e a vitalidade da reprise

No atual momento da televisão brasileira, um elevado número de programas está sendo reprisado, ao mesmo tempo em que as emissoras prometem que, nos próximos meses, ainda mais do mesmo está por vir. Casos recentes, como a estreia da novela A História de Ana Raio e Zé Trovão e o lançamento do canal pago Viva, pertencente à Globosat (Organizações Globo), são exemplos de como a estocagem de produtos televisivos pode gerar receita no mercado nacional (além do internacional), de modo que represente uma fonte de faturamento potencial aos seus programadores.

A reprise pode ser analisada como um fenômeno contraditório em tempos que a televisão se reinventa como mídia, através das possíveis (ainda que vagarosas) possibilidades da TV digital. No limite, não se pode dizer que a oferta nacional seja versátil e esteja se preparando para o novo modelo, já que a prioridade à convergência de produtos para disponibilização em espaços móveis (como celulares e ônibus) impede maior desenvolvimento de formatos que explorem elementos mais interessantes, como a interatividade, por exemplo.

Um estudo realizado pelo Núcleo de Análise da Teledramaturgia (NAT), do Grupo de Pesquisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (Cepos), da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), concluiu que, mesmo após uma exibição inédita não vitoriosa, um produto de estoque televisivo continua com alto grau de potencialidade, especialmente os de ficção seriada – mas não somente, uma vez que programas infantis do mundo todo ainda se alimentam de desenhos animados produzidos nas décadas de 1950 e 1960.

SBT relança duas novelas

Com custos de produção inteiramente pagos, estes conteúdos são colocados à disposição de novos anunciantes, gerando receita, na medida em que impulsionam as grades de programação. Este é o caso de A História de Ana Raio e Zé Trovão, transmitida pelo SBT desde maio de 2010, uma promessa de incremento na audiência com prazo de validade datado, sendo que, para seu término, nada está sendo pensado. Apesar da imagem borrada, a epopeia bandeirante produzida pela Manchete em 1990 tem cumprido a função de devolver à emissora de Silvio Santos a vice-liderança durante o horário, deixando para trás a inédita e bem cuidada Ribeirão do Tempo, da Record.

A história, escrita por Marcos Caruso e Rita Buzzar, recheada de sertanejos, cavalos xucros e festas de rodeio, nem de longe lembra o descanso paisagístico de Pantanal. No entanto, a lentidão narrativa de Jayme Monjardim está presente, desbravando regiões brasileiras pouco exploradas. Fugindo do eixo Rio-São Paulo que ainda povoa as novelas, Ana Raio e Zé Trovão muda de cenário praticamente toda semana, viajando de São Paulo para estados do Paraná, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. Em sua primeira apresentação na TV aberta chegou a assombrar a Globo, a qual, temerosa pelo sucesso da antecedente Pantanal, cancelou o capítulo inédito de Araponga, exibido no mesmo horário e, numa atitude incomum, o substituiu pelo filme Cobra, com Sylvester Stallone. Mas a promessa de Ana Raio e Zé Trovão não se cumpriu, ainda que, para o SBT, esteja rendendo frutos ocasionalmente interessantes. O canal, que deixou de faturar R$ 500 milhões em 2009, neste ano organizou sua grade de programação apresentando um incremento de 32% no primeiro semestre de 2010.

Recentemente, em 12 de julho, o canal reafirmou sua carência de estratégia para a teledramaturgia, ao lançar duas reprises: Pérola Negra e Esmeralda, grupo que será acrescido de Canavial de Paixões, a partir de 17 de agosto. Versão brasileira de roteiro argentino, Pérola Negra foi resgatada para aumentar a audiência do canal no período vespertino; e Esmeralda é uma das bem-sucedidas versões de roteiros mexicanos que o canal produziu com a Televisa. Já Canavial, também desta mesma safra, será ressuscitada com o término da acertada Uma Rosa com Amor, numa ingênua tentativa de segurar a audiência do prime time (o horário nobre) até que outra novela nacional esteja pronta.

Audiência e desempenho

Distribuído pelas operadoras a cabo e satélite Net, Sky e Via Embratel, o Viva surge com a promessa de atender ao público feminino da TV paga – ainda que, na prática, este discurso não se reproduza, pois o padrão tecno-estético da Globo, a produtora de seus conteúdos, está fortemente difundido entre telespectadores de ambos os sexos.

Sua inauguração – na verdade o simples acionamento de um botão nos complexos da Globo, ocorreu no dia 18 de maio, contando com a presença do governador e do prefeito do Rio de Janeiro. O canal ainda exibe estoques norte-americanos, como filmes dublados e um programa liderado por Oprah Winfrey, legendado para ‘não perder sua espontaneidade’. Comercialmente, optou por buscar anunciantes-fundadores, que atualmente são 18, e terão seus comerciais veiculados até o final de 2010, em publicidades distribuídas ao longo de três períodos diários. Para o futuro, o canal deve negociar modelos tradicionais de comercialização.

No que diz respeito aos números medidos pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), a estratégia de re-exibir estoques de ficção seriada ainda se mostra comercialmente acertada. Com histórico de reprises, os decanos Chaves e Chapolin por muitos anos têm sido sucessos de audiência, batendo por diversas vezes a própria Globo. Novelas como a excelente Café com Aroma de Mulher ou a própria Pérola Negra também impulsionaram as tardes do SBT nos últimos cinco anos; Café com índices de audiência superiores à sua primeira exibição no prime-time e Pérola seguidamente alcançando a liderança. A Record, por sua vez, tem na re-exibição de Os Mutantes – Caminhos do Coração a segunda colocação assegurada às 18 horas, ainda que muito próxima do SBT, posicionado em terceiro.

Na Globo, as reprises também imprimem feitos. O produto de estoque Senhora do Destino, produzido em 2004 e re-exibido em 2009, foi a terceira atração mais vista da TV neste ano. De acordo com informações do jornal Extra, 52,8% dos televisores estavam ligados no horário de exibição do Vale a Pena Ver de Novo. Em seus momentos de desfecho, a novela atingiu 44 pontos, representando um share de 67,5% dos televisores ligados em 15/07/09 (enquanto SBT e Record, respectivamente, marcavam seis e cinco pontos). Outro exemplo, ainda que não tão fenomenal, a reprise de Alma Gêmea, escrita por Walcyr Carrasco em 2005 e re-exibida em 2009, obteve a média 29 pontos no Ibope em sua nova trajetória.

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Professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, coordenador do Grupo de Pesquisa Cepos (apoiado pela Ford Foundation) e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Facom-UFBA; e doutorando em Ciências da Comunicação na Unisinos, bolsista da Capes e membro do Grupo de Pesquisa Cepos