Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Armas, mapas e dados que preocupam

 

Em matéria no New York Times [14/1/13], o jornalista David Carr afirma ser um absolutista em questões de informação aberta. Segundo ele, os arquivos públicos deveriam ser exatamente isso, públicos e, como agentes da transparência, os veículos de notícias deveriam ajudar a iluminar esses arquivos. Nesse contexto, a informação não é boa ou má, certa ou errada – é apenas informação que ali deveria estar para responder a perguntas, para acessar ou para publicar.

Essa foi sua reflexão inicial depois que o jornal The Journal News, de Westchester County, no Estado de Nova York, decidiu publicar, após o tiroteio em Newtown, Connecticut, um mapa com nomes e endereços de pessoas que haviam solicitado porte de armas em dois condados vizinhos. Baseou-se numa simples lógica: os arquivos eram abertos, o interesse público era grande e um jornalismo que misture essas duas coisas fazia sentido.

Porém, em termos de reflexão, foi de fato jornalismo? Para Carr, nem tanto. O artigo que acompanhava era sobre se o porte de armas deveria ser público, mas o jornal praticamente já decidira esse debate ao publicar o mapa. Mais problemática era a proximidade no tempo com o massacre de Newtown, que serviu para lançar suspeitas e culpa de formas tendenciosas. Ao soltar os arquivos no olho do furacão de uma matança, estaria o Journal News apenas jogando uma informação como isca?

Negócios são construídos a partir de fichas policiais

Publicar é uma ação discreta, diferente de algo ser ou não público. O trabalho dos jornalistas é chamar atenção, mostrar os fatos e aquilo que optam por destacar é definido como notícia. Em seguida, é trabalho dos jornalistas criar contexto, conversar com fontes que tragam percepção e forneçam análise. Esclarecido isso, simplesmente mostrar que algo é público como único motivo para republicá-lo não é uma justificativa suficiente.

Uma coisa é ter um banco de dados público disponível que permite saber se o vizinho com quem você está se desentendendo poderia ter um porte de arma. Outra coisa totalmente diferente é publicar os nomes e endereços de todos os vizinhos que possuem armas de fogo. “Minha primeira reação foi por que estão fazendo isto? Qual é o objetivo?”, foi o que perguntou Leonard Downie Jr., ex-editor-executivo do Washington Post e atualmente professor da Faculdade de Jornalismo e Comunicação de Massa da Universidade Estadual do Arizona. “Para começo de conversa, você tem que ter motivos muito fortes quando publica os endereços de alguém, mesmo que estes sejam públicos.” (O editor do Journal News não quis fazer mais comentários, mas a diretora e presidente do jornal disse que apoiava a publicação das informações.)

Mas se o interesse público não é o alvo, o apetite público com certeza o é. Jornais e vários sites estão cheios de dados sobre imóveis, matérias sobre crime, pedidos de casamento, todos eles públicos e todos eles publicados como se soubéssemos o que estamos fazendo. Negócios inteiros são construídos, tanto nos jornais impressos quanto na internet, a partir de fichas policiais, o que pode parecer impróprio, mas é perfeitamente legítimo.

As implicações e o custo social da publicação

Na verdade, nos círculos jornalísticos da moda são os dados que contam. A última eleição presidencial parecia ser toda sobre dados, com batalhas em torno dos números das pesquisas, assim como projeções e questões de políticas. Muito disso é excitante e cria transparência, mas a informação precisa ser cuidada e torneada da mesma maneira que são os artigos.

A HomicideWatch.org, um banco de dados independente sobre assassinatos na capital do país, acabou de anunciar uma parceria com o Chicago Sun-Times. Recentemente, a Fundação Knight, uma fonte de financiamento de inovação jornalística, pôs seu dinheiro em informação pesada, apoiando investimentos que usam dados para melhorar mapas, detalhar eleições e tornar os resultados dos censos mais acessíveis. Técnicos do Washington Post e do New York Times estão trabalhando num banco de dados de fontes múltiplas chamado Open Elections que pretende criar um conjunto padronizado e vinculado de informações sobre eleições.

As organizações de mídia estão usando dados nas reportagens, para decidir quais matérias devem ser levantadas e para perceber quais as coberturas que atraem leitores. “Mesmo algumas empresas grandes de código aberto, como o Google, dificultam encontrar seu endereço ou seu número de telefone, de certa maneira para proteger sua privacidade”, disse Nate Silver em seu blog no Times. “Se algo é teoricamente público, como era o caso deste banco de dados, acabará se tornando público. Mas ainda acho que devemos avaliar as implicações e o custo social da publicação.”

Qualquer informação pode ser desencadeada com pouca fricção

Dados não mentem necessariamente, mas também nem sempre dizem a verdade. As informações sobre os detentores de porte de armas foram obtidas a partir de vários históricos. Tratava-se de uma lista de pessoas que em algum momento havia solicitado porte de arma e que poderiam, ou não, ter obtido uma arma.

“O censo dos EUA está defasado no dia 12 de abril, ou seja, um dia depois de publicado”, disse Matt Waite, professor de mídia que se especializa em dados e informação na Universidade do Nebraska. “As pessoas morrem, as pessoas nascem, as pessoas vão para a prisão e nós tratamos tudo isso como verdade, quando na realidade é apenas tão verdadeiro quanto os humanos querem que sejam.” Como tantos outros profissionais do jornalismo que fazem questão de filtrar informações, Waite disse que se preocupava com as críticas contra o Journal News – chegaram a ocorrer ameaças contra pessoas que trabalham no jornal – pois elas podiam levar a ferir a liberdade de expressão, caso levassem as autoridades a fechar os arquivos públicos.

Ninguém ficará surpreendido de saber que a reação em resposta à divulgação de dados depende, em grande parte, sobre quem é a informação que se torna pública. Desde que foi fundado, há mais de três anos, o site The Texas Tribune, em Austin, tornou sua missão reunir informações sobre os salários de todos os funcionários públicos do Texas. É um banco de dados muito popular. “Desde o dia em que começamos, acreditamos em conseguir, filtrar e apresentar informações públicas que as pessoas precisam ou querem saber”, disse Evan Smith, diretor-executivo e editor do site. Ele disse que recebe telefonemas furiosos de funcionários públicos ou suas esposas (ou maridos) várias vezes por semana, mas sempre faz questão de lembrá-los que os benefícios de ser um funcionário público vêm com o conhecimento de que seu salário é de domínio público. (O salário anual de Smith, de US$ 315 mil [cerca de R$ 650 mil] por ano, é divulgado publicamente porque “acreditamos que a luz do sol e a transparência são grandes desinfetantes”.)

Esta semana, o site irá fazer uma combinação de declarações públicas e suas próprias matérias para publicar um questionário que permitirá aos visitantes do site examinar os interesses financeiros pessoais dos 181 membros do legislativo do Estado do Texas. Muitas pessoas irão acompanhar essa combinação, em parte por querer saber de quem serão os interesses a serem votados na próxima sessão.

Esse exercício parece bastante diferente de soltar uma lista de possíveis detentores de armas num site. Vivemos numa época em que qualquer tipo de informação pode ser desencadeada com muito pouca fricção; parte do valor do trabalho da mídia vem de fazer tudo isso ter sentido. Quando clicamos uma tecla, esperamos que as pessoas prestem atenção. Deveríamos ter certeza de que estamos clicando a tecla pelo motivo correto.

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