Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

O papel do YouTube nos protestos no Oriente Médio

O YouTube viu-se envolvido em um drama global protagonizado por violentos protestos no Oriente Médio que questionaram sua responsabilidade como importante distribuidor de vídeos na internet, devido à exibição do trailer de 14 minutos do filme Innocence of Muslims (Inocência dos Muçulmanos, tradução livre). O trailer foi acusado de incitar a violência na Líbia, no Egito e no Iêmen. Os EUA disseram na quinta-feira (13/9) que pediram ao YouTube para rever o vídeo e determinar se este violou os termos de serviço.

Alguns observadores de mídia predizem que o incidente motivará advertências para que o YouTube, do Google, desempenhe um papel mais atuante, revendo os bilhões de horas de vídeos que se encontram em seu site. Um advogado chegou a sugerir que o YouTube procurasse jurisprudência no que se refere à retirada de conteúdo potencialmente incendiário.

Outros especialistas de mídia, no entanto, apontaram as limitações técnicas de fazer uma busca pormenorizada por cada minuto da torrente de vídeos existentes no site e emitir um juízo de valor sobre aqueles que poderiam incitar à violência, ao ódio ou ao assassinato. “Continuamos repetindo aquele erro de que a tecnologia é neutra”, disse Ken Doctor, um analista de longa data da indústria jornalística. “Mas ela pode ser cinicamente utilizada. Existem forças do mal no mundo que as utilizariam rapidamente, assim como forças do bem.”

Receita do YouTube será superior a R$ 7,2 bilhões

O controvertido vídeo mostra o profeta Maomé como abusador de crianças, mulherengo e assassino. Na quarta-feira (12/9), quando a violência começou, o YouTube bloqueou o acesso a Innocence of Mulslims na Líbia e no Egito. Por enquanto, o vídeo continua no site porque o YouTube determinou que ele não viola as orientações que proíbem conteúdo de sexo explícito, representações pormenorizadas ou gratuitas de violência, discursos de ódio, abuso de animais, uso de drogas e bebidas para menores de idade, entre outros.

“Trabalhamos muito para criar uma comunidade que possa agradar às pessoas e que também permita expressar opiniões distintas”, disse, num comunicado, um porta-voz do YouTube. “Isto pode representar um desafio porque aquilo que é normal num país pode ser considerado ofensivo em outro. Esse vídeo – que é se pode acessar facilmente na internet – está claramente inserido em nossas orientações e por isso continuará no YouTube.” O YouTube não quis fazer comentários sobre o pedido do governo de Barack Obama.

O gigante de buscas Google comprou o YouTube, em 2006, por US$ 1,65 bilhão (em torno de R$ 3,3 bilhões). O site atrai 800 milhões de visitantes por mês do mundo inteiro – 70% de seu tráfego vêm de fora dos EUA. Mark S. Mahaney, analista de internet do grupo Citigroup Investment Research, avalia que a receita do YouTube este ano será superior a US$ 3,6 bilhões (R$ 7,2 bilhões).

“A era dos comentários sem verificação acabou”

No passado, o YouTube obedeceu aos pedidos do governo de retirar vídeos que as autoridades temiam que incitassem à violência. Há um mês, o YouTube bloqueou uma série de vídeos de tumultos na região nordeste da Índia a pedido das autoridades, que temiam que os vídeos levassem a maiores distúrbios civis, segundo uma pessoa que pediu anonimato devido à delicadeza da situação.

Um vídeo de 2009, com uma mulher iraniana morrendo na rua, continuou no site devido a seu valor jornalístico intrínseco – mas o YouTube acrescentou uma advertência avisando que era detalhado e potencialmente ofensivo. O episódio do filme Innocence of Muslims pode representar um fato decisivo para o YouTube, que emerge do caso como principal fonte online para vídeos com testemunhas ao vivo e câmeras de vigilância que permitem imagens únicas de desastres naturais ou de acontecimentos mundiais significativos, como as rebeliões da primavera árabe.

“A era dos comentários sem verificação pormenorizada e sem mediação, na prática, acabou”, disse Tom Rosenstiel, escritor, jornalista e fundador do Projeto para a Excelência no Jornalismo. “Quase todos os sites que conheço passaram a fazer uma busca detalhada e retirar conteúdo que pensem que possa ser ofensivo. Onde o YouTube vai parar com isso, não sei.”

Problema não tem solução tecnológica

O renomado advogado Martin Garbus disse que o YouTube deveria desenvolver uma forma de tratar com vídeos potencialmente inflamatórios, como o do filme Innocence of Muslims. Sugeriu que um juiz, agindo como árbitro neutro, poderia emitir um parecer sobre se um vídeo deveria ser colocado no site. “De outra maneira, um lugar como o YouTube teria de se dobrar aos interesses de vários grupos dizendo ‘Tire isso do ar’”, disse Garbus. “Não pode ser assim. Eles ficariam sujeitos a pressão demais.”

Alguns especialistas de internet questionam a viabilidade de pedir ao YouTube para ter um papel atuante em vetar vídeos. “Tem que ser um processo automatizado, operado por máquinas. E as máquinas estão longe de serem capazes de ver um filme e emitir juízos de valor sobre se incita à raiva, ao ódio ou ao assassinato”, disse Rebecca Lieb, analista de mídia do grupo Altimeter.

Embora o incidente com o filme Innocence of Muslims pudesse, de modo justificável, provocar um exame de consciência, Rebecca entende que o problema não tem uma solução tecnológica. “Esta é quase uma ocorrência maluca em que algo de qualidade tão ruim e obscura possa ganhar proeminência e ter este resultado catastrófico”, disse. “Já há tanto conteúdo ofensivo, racista e de ódio na internet. A questão mais apropriada seria: ‘Como é que justamente este conteúdo provocou reação tão extremada?’”. Informações de Dawn C. Chmielewski [Los Angeles Times, 13/9/12].