Sunday, 28 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Jornalistas teriam sido espiões do MI6 na Rússia

O programa Document, da BBC Radio 4, resgatou um assunto polêmico no Reino Unido. Durante a Guerra Fria, o MI6, serviço de espionagem britânico, teria uma rede de jornalistas que agiriam como espiões na Rússia.

Em 1968, o jornal russo Izvestia, controlado pelo governo, publicou uma série de artigos acusando repórteres e editores de jornais britânicos de atuar como espiões. Na época, foram publicados nomes e supostos codinomes de funcionários do Sunday Times, Observer, Daily Telegraph, Daily Mail e BBC que teriam trabalhado diretamente com o MI6.

As evidências para tal acusação seriam supostos documentos do MI6 fotografados com uma câmera espiã. Um deles mostrava uma tabela listando cada publicação, o repórter ou editor que o MI6 teria como contato na então União Soviética, seu codinome e o de seu “treinador” no serviço secreto. Outro discutia o procedimento para a BBC exibir frases que poderiam ser usadas por funcionários do serviço secreto em campo para provar que estavam agindo em nome do governo britânico.

Na época, todos os jornais e jornalistas que tiveram seus nomes citados negaram as acusações. O presidente do serviço externo da BBC – posteriormente nomeado Serviço Internacional – chamou os artigos do Izvestia de “exemplo fantástico da propaganda da polícia secreta”.

Veracidade dos documentos

Segundo uma investigação feita pelo programa Document, o formato, a linguagem e o tom dos documentos pareciam ser verdadeiros, mas determinar se eram genuínos era uma tarefa complexa: todos os citados já morreram e o MI6 nunca discute publicamente suas operações ou arquivos secretos. No entanto, formou-se um consenso entre historiadores de espionagem e ex-correspondentes entrevistados pelo programa: apesar das negações, os memorandos eram verdadeiros.

O jornalista e acadêmico britânico Stephen Dorril, autor de livros sobre o MI6, afirma que o ex-funcionário do serviço secreto Anthony Cavendish – morto em janeiro deste ano – lhe contou que o MI6 usava jornalistas durante a Guerra Fria. Uma dica para saber como os russos conseguiram os documentos está na data que aparece em um deles – setembro de 1959. Os memorandos devem ter sido passados aos soviéticos por George Blake, agente da KGB que trabalhava no MI6. Na época, Blake trabalhava durante à noite nos escritórios do MI6 em Londres e poderia circular pelos corredores com sua câmera, fotografando cada arquivo que pudesse encontrar, passando as fotos para seu supervisor na KGB.

Uma teoria mais intrigante foi sugerida pelo professor Christopher Andrew, historiador oficial do MI5, serviço de inteligência britânico, e especialista em técnicas soviéticas de espionagem. Blake teria fotografado os documentos e os passado adiante, mas os russos teriam consultado o maior agente duplo de todos os tempos, Kim Philby, para saber como eles deveriam ser usados. Ante de desertar para Moscou em 1963, Philby ficou sob suspeita pelo MI6 e trabalhava em tempo parcial como jornalista para o Observer e a Economist em Beirute. Ele havia sido contratado pelo Observer pelo editor David Astor – um dos nomes na lista de jornalistas espiões. Astor negou ser membro do MI6, mas as circunstâncias que levaram seu nome a ser relacionado ao serviço secreto sugeriam o envolvimento de Philby.

As acusações do Izvestia criaram polêmica no Reino Unido em 1968, mas as negações eram efetivas o suficiente para minimizar seu impacto. Hoje sabe-se com certeza que alguns dos jornalistas que tiveram nomes divulgados pela Rússia tinham ligação com o MI6.

Segundo o veterano jornalista Phillip Knightley, era de conhecimento da mídia que seu colega de Sunday Times Henry Brandon, cujo nome apareceu no Izvestia, era agente do MI6. Outro nome divulgado, o chefe de redação do Daily Telegraph, Roy Pawley, conseguiu trabalhos de fachada para funcionários do serviço secreto. O historiador e biógrafo Alistair Horne confirmou ao Document que supervisionou três agentes enquanto trabalhava no Daily Telegraph na Alemanha, nos anos 50, e que Pawley sabia de sua função. A professora de história da mídia Jean Seaton, historiadora oficial da BBC, afirma que a alegação de que a rede pública divulgou mensagens pré-acordadas durante o período pós-guerra é plausível.