Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Mudando a antiga cultura da redação

No ano passado, o jornal americano Seattle Times lançou um novo cargo: o de editor de aplicativos de notícias, responsável por liderar uma equipe para desenvolver plataformas e linguagens que permitam novos meios de se contar histórias e ajudem a ampliar a relação com o leitor. A primeira ocupante do posto é a designer e blogueira Lauren Rabaino. Um exemplo do seu trabalho – feito antes de assumir o cargo – é a criação de um Guia das Eleições de 2012, que permitia que os usuários cadastrassem seu CEP e recebessem notícias sobre a disputa eleitoral em suas regiões.

Em artigo publicado no blog 10,000 Words, Lauren lista 15 passos para uma mudança na antiga cultura da redação. “Mudar é difícil. Todos sabemos disso. Mas o fato de estar numa redação torna a coisa mais difícil – os sistemas herdados, os velhos hábitos, a necessidade de prover conteúdo para mídias velhas e moribundas”, escreve ela, ressaltando, no entanto, que “agora, mais do que nunca, as redações estão maduras para uma mudança”. Lauren lembra que os tempos mudaram, citando os prêmios Pulitzer, que vêm sendo atribuídos com maior frequência a matérias para publicação online, e afirmando que os noticiários de última hora ensinam cada vez mais sobre o consumo social e móvel.

A lista com 15 passos é uma versão de uma palestra que a editora apresentou recentemente na Universidade de Virgínia Ocidental. “Nem tudo o que está na lista poderá funcionar com você, mas baseei-me nas lições que aprendi em primeira mão e que pude observar”, enfatiza. Segue a lista de Lauren:

1. Mostrar e não dizer

Durante muito tempo, compreendi de maneira errada o sentido de um bordão que virou clichê – Demos not memos [trocadilho em inglês que, simplificando, significa “demonstração, e não memorando”]. Para aqueles de vocês que não estejam familiarizados com a etimologia, a frase teve origem com o professor Matt Waite, no projeto Politifacts [um projeto no qual repórteres e editores do Times e de veículos afiliados a esse jornal fazem a checagem das declarações de membros do Congresso, da Casa Branca, de lobistas e de grupos de interesses; publicam as declarações originais e fazem uma avaliação de sua veracidade no site PolitiFacts.com], quando ele descreveu um princípio que orientava sobre como conseguir ganhar um prêmio Pulitzer. Até recentemente, eu usava “Demos not memos” para explicar como abordar uma aquisição para um novo projeto – ao invés de escrever sobre os motivos pelos quais deveríamos fazer um projeto, eu mostrava [demo], na forma de protótipos, para ajudar a convencer as pessoas certas e fazer com que brotassem ideias.

Mas esse era o meu problema. Usava “mostrar e não dizer” como um exemplo, e não como uma execução. A abordagem que tento fazer agora? Mostre fazendo. Mostre empurrando produtos para o mercado e rastreando seu sucesso e depois mostre esses resultados para as pessoas, levando-as a comprar.

2. Comece pela fruta mais abaixo

A inspiração para uma transformação cultural completa demora. Demora muito. Não é algo que possa acontecer com a mera infiltração de um incentivador. Às vezes é difícil perceber o momento exato. Um truque mencionado na coleção da Harvard Business Review sobre a administração da mudança é mostrar resultados rápidos logo no início, começando com a fruta que fica mais abaixo. Procure problemas rápidos que se possam resolver pelo uso da tecnologia. Nada de muito encantador, mas algo prático, que facilite a vida das pessoas. Para mim, isso era transferir todos os blogs de uma velha versão de Moveable Type para WordPress. A tentação poderia ser começar com um projeto grande e chamativo, mas não é esse o jeito de ter um retorno rápido e dar o tom para o que é possível. Desta maneira, você mostra às pessoas por que o trabalho que você faz é importante em pequenas porções, tangíveis, que elas podem compreender – e então você continua o trabalho em direção ao grande quadro, mas com o apoio delas.

3. Encontre seus aliados de saída

Cúmplices conspiradores aparecem nos lugares menos prováveis. Os sucessos que consegui no Seattle Times vieram de encontrar pessoas com talentos não utilizados, com uma paixão não canalizada e iniciativa suficiente para assumir projetos secundários e transformá-los em normativos. Também encontrei aliados entre pessoas que nem sabiam que eram boas com as coisas da internet. Temos uma diretora de arte de mídia que, apesar de não ter talento técnico para a internet, tem um jeito incrível para a experiência do usuário. É possível que você tenha aliados desse tipo à sua volta e nem esteja sabendo.

4. Lute contra a gerência de projetos “linha de montagem”

Este conceito é totalmente roubado de Trent Walton. Vá ler seu post sobre reorganização e depois volte e continue lendo aqui. Numa redação, é muito comum ter um processo que funciona da seguinte forma: as pessoas lá de cima – provavelmente, estrategistas, pessoas encarregadas da receita etc. – articulam um plano para um produto de maneira totalmente independente de qualquer conversa com os verdadeiros criadores. Aqueles pensadores passam o conceito para uma equipe de designers que irá completar uma maquete equiparável à visão e, daí, os codificadores assumem e o constroem exatamente da maneira que foi dito.

As pessoas da redação que fazem os códigos não são vendedores que abastecem seus clientes. Assim como outros jornalistas, elas deveriam fazer parte do processo a cada passo. Assim como os designers e o pessoal da administração. Ao invés de passar os projetos uns para os outros e costurar ideias com missões diferentes, o núcleo duro dos tomadores de decisões deveria consistir de um grupo de todas as partes interessadas.

5. Feito é melhor que perfeito

Este foi roubado de uma placa do escritório do Facebook, assim como conceitos do Agile Manifesto. Quando você consegue juntar seus aliados, um bom fluxo de trabalho e alguns projetos pendentes, é fácil perder a agilidade. Você é facilmente tragado para o mundo da administração de projetos e planos de trabalho onde sua capacidade de inovar fica estagnada. Você poderá segurar o lançamento de projetos para trabalhar rumo a um falso ideal de perfeição. Não caia nessa rotina. Responda às mudanças tecnológicas e às mudanças de expectativas dos usuários com tamanha agilidade que eles nem notem que você ficou para trás. Defina o mínimo absoluto de que você necessita para o lançamento, encontre-o e repita-o a partir daí.

6. Balance o barco sem o virar

Esta pequena semente de sabedoria também foi roubada da Harvard Business Review (sim, eu roubo um bocado de ideias de um bocado de gente e de lugares – em pé nos ombros de gigantes, você sabe). Fui uma vítima fácil da ideia de que poderia mudar tudo com uma mão atrás das costas, adotando a postura de rebelde sem causa. Isso não é verdade. Temos que aprender a nos comunicar com as pessoas de uma maneira que as apresente às mudanças de maneira confortável, sem assustá-las e sem pisar em seus limites. Ainda não consegui achar a solução. Mas estou tentando.

7. Peça perdão, não permissão – mas cuidado!

Às vezes, quando você realmente acredita em alguma coisa, você tem que jogar um pouco sujo e correr o risco. Às vezes, quando você realmente acredita, é preferível fazer as coisas e depois pedir desculpas (o que você normalmente consegue se agir corretamente). Mas somente se valer a pena. E só o faça muito raramente. O que me leva ao próximo ponto…

8. Escolha suas batalhas

Você vai perder algumas batalhas. Tudo bem. Certifique-se de que as batalhas que você decidir lutar o ajudem a seguir em frente. Você pode sacrificar as peças que não lhe são importantes. Antes de qualquer luta, pergunte-se se vale a pena.

9. Primeiro, procure compreender; depois, ser compreendido

Este é um de meus favoritos de 7 Habits of Highly Effective People [7 Costumes de Pessoas Extremamente Eficientes]. Alguns colegas sentem-se ameaçados e ficam na defensiva quando suas opiniões são rejeitadas ou ignoradas. Resista à ideia de “Eu sei tudo” (mesmo que você realmente acredite que saiba muito mais do que as pessoas à sua volta). Escute o que as pessoas precisam e elas terão maior facilidade de compreender o que você precisa. Quanto mais você dá, mais receberá. E você até poderá descobrir que, no final das contas, estava errado.

10. Desenvolva uma linguagem comum

É difícil ser uma pessoa que pula da redação tradicional para o lado dos técnicos da redação e para vendas e marketing de internet. Você não pode ser o único que fala todas essas linguagens. Para inspirar uma verdadeira mudança cultural, você precisa levar esse conhecimento a todos. No Seattle Times, por exemplo, desenvolvemos uma ideia que pode ser usada para começar projetos. A linguagem abrangia qualquer terminologia, daquela especificamente técnica à gíria. Dessa maneira, as pessoas se sentem confortáveis nos mundos de cada uma.

11. Resista à ideia de ser “aquele que fica lá no canto”

É difícil não se sentir assim. Mesmo quando você está no meio da redação, qualquer pessoa que tente fazer algo de novo, de criativo, luta contra a percepção de ser “aquele que fica lá no canto”. Não deixe que pensem isso de você. Você quer fazer parte do time que quer autorizar todos os membros da redação a serem inovadores e você quer botar as ferramentas nas mãos deles e ajudá-los a fazer as coisas. Você não pode deter o monopólio da inovação. Dê aos outros a oportunidade de contribuir. Ajude outros departamentos – como o da informática ou o de marketing – a aprenderem que também podem inovar nos seus mundos. Você não quer que alguém ache que seu time é o único time inovador.

12. Lembre-se que experiências são coisa séria

Às vezes, nas empresas de mídia, as pessoas confundem o verdadeiro significado de “experiência”. Não se trata de ideias frívolas. Trata-se de experimentar rapidamente novas ideias para começar a construir novos padrões. Você está construindo o futuro por meio de experiências. As experiências são tão importantes quanto aqueles projetos de planos de trabalho.

13. Meça o seu sucesso

E como é que se constroem novos padrões? Isso nos leva de volta ao “Mostrar e não dizer”. Um macete que aprendi com John Keefe é o de dar números a tudo aquilo em que você toca. Sou muito boa em dar números aos aplicativos que lanço, mas não o fiz com os projetos publicados como artigos ou com os projetos que os repórteres estavam criando baseados no desenvolvimento que eu fizera. Faça isso para poder avaliar com maior precisão seu verdadeiro impacto. As pessoas respondem bem aos números, quando se trata de tomar decisões.

14. Seus usuários são o coração de tudo o que você faz

No fim do dia, você já não está lutando só para você. Você está lutando por seus leitores – seus usuários –, que pegam a informação que você lhes dá para tomar decisões sobre suas vidas. Se você pensar por que está lutando, ou se vale a pena, volte à sua missão de como servir melhor o usuário e olhe para o problema por essa lente. Provavelmente, verá alguma claridade.

15. Lembre-se que não está sozinho

Se a coisa ficar difícil, você tem toda uma comunidade de pessoas que estão lutando a sua luta. Procure-as. Estamos todos juntos no mesmo barco.