Monday, 29 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Espionagem e mídia, via de mão dupla

No dia 13 de maio, o Departamento de Justiça dos EUA obteve os registros de mais de 20 linhas telefônicas da agência de notícias Associated Press. Com isso, a imprensa entrou em frenesi e figuras como o Big Brother foram invocadas como símbolo da era de vigilância. “Não existe justificativa possível para a coleção de registros telefônicos da Associated Press e seus repórteres”, escreveu Gary Pruitt, presidente da AP, em uma carta para Eric H. Holder Jr., procurador geral dos EUA.

Dado que o governo já conduziu seis processos contra pessoas suspeitas de vazar informações confidenciais, dentro de uma administração que bateu o recorde pelo uso do Ato de Espionagem, o caso da AP aumenta a atmosfera em que repórteres sempre precisam se preocupar com quem está os olhando enquanto escrevem.

Para a agência de notícias, a preocupação é de que as informações obtidas podem “mostrar o mapa das operações jornalísticas da AP e revelar informações sobre suas atividades e operações”. Algo nisso possui um elo familiar. “Em Wall Street, anonimato é crucialmente importante”, disse um empresário da Bear Stearns para o New York Times. “Discrição e a habilidade de cobrir seu caminho são essenciais. Se a Bloomberg cruzou essa linha, isso é um problema”.

Clientes dos terminais da Bloomberg descobriram no dia 10, mesmo dia em que o governo avisou a AP de que exigia seus registros telefônicos, que repórteres da Bloomberg News utilizavam os equipamentos para extrair informações das empresas. Dentre os clientes, como os bancos Goldman Sachs e JPMorgan Chase, também estavam setores estatais como a Reserva Federal, o Tesouro dos Estados Unidos, e a Corporação Federal de Depósito de Seguro.

Assim, ao mesmo tempo em que a Associated Press, organização sem fins lucrativos e pertencente a várias agências de mídia, respondia a uma intrusão do governo, outro serviço de notícias, a Bloomberg, respondia as queixas de seus clientes por invadir em seus assuntos privados.

Limites ultrapassados

Tantas linhas foram ultrapassadas em tantas direções, que é difícil saber quem são as vítimas e quem são os culpados. Na Bloomberg, repórteres poderiam usar uma função do teclado para ver a última vez em que um oficial da Reserva Federal usou um dos seus terminais. E o Departamento de Justiça conseguiu registros da AP sem nenhum aviso, sem nenhuma chance de desafiar a ação. A ausência de fricção levou a uma cultura de transgressão. Claramente, se algo pode ser descoberto, será descoberto.

No ano passado, houveram excessos do Google em casas e computadores pessoais, além de invasões em dados privados por países estrangeiros e hackers privados. Como fato geral da vida moderna, o Facebook sabe do que gostamos, o Foursquare sabe onde estamos e o Twitter sabe o que pensamos. Quanto tempo levará para que a aquisição de dados saia de frente de nosso rosto para dentro de nossas cabeças?

É bom lembrar que em filmes sobre o Apocalipse informacional, como Minority Report, não é só o governo que está nos espiando. A administração Obama sofreu ataques virtuais como nenhuma outra na história. Jornalistas, auxiliados por computadores, podem achar e perseguir a fonte que quiserem. Informação vazada, que costumava ser fotocopiada ou sussurrada, hoje pode ser jogada aos terabytes em organizações como o Wikileaks e enviada para o mundo em instantes.

A Bloomberg é uma agência de informação híbrida. Sua divisão jornalística faz parte de uma pequena fração dos lucros e é vista como uma ferramenta de marketing para os terminais da empresa, mas também já foi saudada como a redação do futuro por sua falta de hierarquização.

Existe um paradoxo instrutivo nestes planos. Ser visto é estar sob vigilância. Toda tecla, toda entrada, toda saída e toda anotação é vigiada se você trabalha na Bloomberg. Telefonar para sua sede é como telefonar para a CIA. “Não me envie e-mails, não me ligue aqui, por favor”, disse um editor da empresa.

Assim, descobrimos mais uma vez que o governo fará tudo em vão para cobrir vazamentos. Mas é melhor manter em mente que as mais onipresentes ameaças a nossa privacidade não estão em um quartel secreto do governo. Na mídia, no público, nos reinos dos negócios, estamos nos vigiando.