Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

José Queirós

‘Em título de primeira página do passado dia 22 de Janeiro, este jornal anunciava: ‘PS cede ao PSD no Estatuto dos Magistrados’. A chamada de capa garantia que ‘os magistrados não vão ter cortes nos subsídios, mas apenas no vencimento, tal como em toda a função pública’. Na página 6, esta mesma frase surgia a concluir o primeiro parágrafo de uma notícia assinada pela jornalista Sofia Rodrigues e encimada por um título quase igual ao da capa.

Se nada há a apontar à interpretação subjacente aos títulos — a notícia fornecia elementos bastantes para os justificar —, já o mesmo não acontece com o exemplo que o PÚBLICO escolheu para ilustrar a cedência governamental (‘os magistrados não vão ter cortes nos subsídios…’). A afirmação não correspondia à verdade e induzia em erro sobre o que se passara no dia anterior no Parlamento, como bem notou o leitor Nuno Ferreira.

Numa reclamação que me fez chegar, este leitor recorda que a lei anteriormente aprovada que regula o Orçamento de Estado em vigor promoveu um aditamento ao Estatuto dos Magistrados Judiciais, no qual se estipula que ‘os subsídios de fixação e de compensação previstos nos artigos 24.º e 29.º, respectivamente [daquele Estatuto], equiparados para todos os efeitos legais a ajudas de custo, são reduzidos em 20%’. Da mesma lei orçamental resultou um aditamento de teor idêntico ao Estatuto do Ministério Público. Ou seja, os magistrados foram de facto alvo de um corte nos subsídios, que o leitor assegura cifrar-se em menos 155 euros por mês, valor correspondente aos referidos 20% do seu montante actual. E viram já esse corte confirmado nos recibos de vencimento relativos a Janeiro.

É esse facto que leva alguns magistrados — como presumo ser o caso de Nuno Ferreira — a considerar que foram alvo da mais significativa redução remuneratória prevista no Orçamento para este ano. ‘Ninguém na função pública’, escreve o leitor, ‘pode dizer que, para além do corte no vencimento (…) na ordem dos 10%, tem um corte acrescido de 20% em qualquer subsídio’. Por isso se queixa de que o PÚBLICO, ao escrever que ‘os magistrados não vão ter cortes nos subsídios’, contribui para ‘passar (…) a imagem’ de que estes, ‘mais uma vez, foram poupados a cortes nos subsídios, cortes que toda a função pública teve menos os privilegiados dos magistrados’.

O que se passou na sessão da comissão parlamentar a que se refere a notícia do passado dia 22 é que o PS terá recuado, face à oposição do PSD, na intenção de aplicar uma taxa aos subsídios em causa. Essa proposta abortada do partido do governo levaria, nas palavras do leitor, a que ‘além de um corte de 20%, o subsídio [fosse] ter uma redução de cerca de mais 20% com a sua taxação em sede de IRS’. A peça do PÚBLICO alude a essa intenção dos socialistas, mas de forma confusa, referindo que a oposição do PSD se deveu ao facto de este partido considerar que se tratava de ‘uma ‘dupla penalização’ face à redução de salário já imposta pelo OE’, quando a invocação dessa ‘dupla penalização’ se dirigiria à ideia de taxar em sede de IRS o subsídio já diminuído.

Protestando contra essa confusão, somada à anteriormente criada pela afirmação (‘como se de um facto insofismável se tratasse’) de que ‘os magistrados não vão ter cortes nos subsídios’, o leitor Nuno Ferreira quer saber se tudo isto ‘não passou de um erro’, por ‘não acreditar’ que a peça ‘visasse atingir a já de si frágil imagem dos magistrados’. Por mim, não vejo qualquer motivo para processos de intenção que ponham em causa a isenção do jornal e da jornalista. Tratou-se certamente de um erro, na verdade de vários erros e deficiências — não é referida, por exemplo, a posição dos outros partidos, na reunião de uma comissão que nem sequer é identificada —, mas nada aponta para um enviesamento deliberado da informação.

O problema é que a falta de rigor se salda sempre em prejuízo na relação de confiança com os leitores. Por isso, o que considero mais preocupante é que pareça desvalorizar-se a importância de erros como este, e a obrigação de os corrigir.

Em resposta à reclamação do leitor, Sofia Rodrigues enviou-me o texto que passo a transcrever, tomando a liberdade de o intercalar com os meus próprios comentários. ‘Admito que a frase referida pelo leitor (‘os magistrados não vão ter cortes nos subsídios’) não é totalmente rigorosa’. [Trata-se de um eufemismo para referir uma frase que simplesmente não é verdadeira]. ‘Como mais à frente é explicado no mesmo texto, o Governo acabou por retirar da proposta a intenção de taxar em IRS o subsídio de fixação por considerar ser uma ‘dupla penalização’ face à redução de salário já imposta pelo OE’. [É verdade que essa intenção governamental é referida, o que torna ainda menos compreensível o erro anterior sobre a alegada renúncia a cortes nos subsídios. E permanece a confusão entre ‘redução de salário’ e ‘redução de subsídio’, além de que não foi o Governo, mas a oposição, a considerar que se tratava de ‘dupla penalização’]. ‘De facto, os subsídios dos magistrados já têm uma redução prevista no OE, o que era proposto pelo Governo era aplicar o IRS adicionalmente’. [Era isso mesmo que importava ter sido explicado com clareza]. ‘O facto de ter escrito vários artigos sobre o assunto nos dias anteriores pode ter levado a uma ‘simplificação’ nas primeiras frases do texto’. [Seria de presumir o contrário: que a oportunidade de conhecer melhor o tema tivesse levado a evitar o erro. E ‘simplificação’ é, no mínimo, outro eufemismo]. ‘Quanto à chamada de primeira página não é da minha responsabilidade’. [Esta é uma questão importante, que tem sido correctamente invocada por vários jornalistas em outros casos de erros na primeira página, e que justificará, como já aqui referi, alguma reflexão sobre os procedimentos adoptados no fecho do jornal. Mas é, neste caso, um tópico irrelevante: o que está errado no texto da capa é precisamente uma frase idêntica à que consta da peça assinada pela jornalista].

Quanto à correcção do erro, só pode estranhar-se que não tenha sido feita, de modo transparente, nas edições seguintes, até porque na redacção do PÚBLICO não se desconhece — terá sido noticiado na altura, e em qualquer caso a informação foi repetida em várias notícias ao longo do mês de Janeiro — que as medidas de austeridade para o ano corrente incluem cortes aos subsídios dos magistrados. Na edição de anteontem, por exemplo, o antetítulo de uma notícia relativa às acções interpostas pela Associação Sindical dos Juízes, visando 17 ministérios, relacionava claramente essa iniciativa com os cortes nos subsídios. Ou seja, o PÚBLICO assume como conhecimento adquirido e correcto o contrário do que ‘noticiou’ duas semanas antes e entretanto não corrigiu ou esclareceu.

Assim, o que resulta dos factos é que, no fecho da edição de 22/01, ninguém terá reparado que o jornal se preparava para anunciar, como anunciou, que não iria acontecer o que afinal já tinha acontecido e já era conhecido — a redução dos suplementos remuneratórios dos magistrados. Neste como em todos os temas susceptíveis de merecer a atenção dos leitores, e que não se esgotam numa edição, um jornal diário é uma narrativa continuada, por cuja coerência e verdade importa zelar.

Julgo, por isso, que o foco da atenção necessária para evitar casos como este deveria incidir mais na análise de deficiências no processo de edição do que sobre os erros, ainda que censuráveis, que afectaram um texto provavelmente escrito em corrida contra o tempo por uma jornalista que, nessa mesma edição, assinava mais três notícias relativas à actividade do Parlamento. Tendo sempre em conta que na redacção de um jornal não podem deixar de ocorrer lapsos e falhas profissionais, mas sem esquecer que só o escrutínio regular da qualidade da organização editorial permite evitá-los ou corrigi-los. Em nome do direito dos leitores a uma informação rigorosa e à correcção atempada dos erros.

Corrigindo os erros

‘Nenhuma redacção dispõe da massa de conhecimentos e da capacidade crítica que os leitores de um jornal representam’, lê-se no Livro de Estilo deste jornal, como um dos motivos que aconselham a existência de um provedor a quem possam ser dirigidas as reclamações de quem lê o PÚBLICO. E o jornal conta, felizmente — e essa é mesmo uma das suas riquezas — com um número assinalável de leitores disponíveis para ajudar à correcção de erros e imprecisões em matérias mais especializadas.

É o caso do leitor António Eça de Queiroz, do Porto, que ‘gosta do Público e de carros’, e a quem ‘fez confusão’ ler nas páginas de Desporto da edição de anteontem, 04/02, que o piloto de automóveis português Pedro Lamy ‘nunca ganhou nas 24 Horas de Le Mans, onde corre desde 2007’ e obteve o seu ‘melhor resultado’ nessa prova ‘logo no seu ano de estreia’.

‘O jornalista’, adverte o leitor, ‘confundiu a estreia de Lamy na Peugeot (…) com a estreia pessoal do piloto na célebre prova francesa (…). Porque de facto o Pedro estreou-se em Le Mans em 1997, ano em que terminou em 5º lugar — ou seja, uma década inteirinha antes do que é garantido’ na notícia. E ‘desde então’, acrescenta, ‘tem participado na prova’. Na sua opinião, o erro deveria teria sido evitado, se não pelo conhecimento, ao menos pela pesquisa (‘no Google, por exemplo…’) ou na edição da peça.

O autor da notícia, Marco Vaza, reconhece a falha, agradece a correcção (‘O leitor tem toda a razão, é um erro’) e explica que irá promover a devida rectificação na coluna existente para esse efeito.’